A man in a shirt with the image of Luiz Inácio Lula da Silva, who is seeking to regain Brazil’s presidency, in Rio de Janeiro on Sunday. Credit: Silvia Izquierdo/Associated Press

The New York Times
30 de setembro de 2022

por Vanessa Barbara
Contributing Opinion Writer

Read in English | Leer en español

SÃO PAULO, Brasil — “Se essa for a vontade de Deus, eu continuo”, disse Jair Bolsonaro em meados de setembro. “Se não for, a gente passa a faixa e eu vou me recolher.”

Parece bom demais para ser verdade. Afinal, Bolsonaro passou boa parte do ano lançando dúvidas sobre o processo eleitoral e aparentemente preparando o terreno para rejeitar o resultado. Os militares, de forma alarmante, querem conduzir uma contagem paralela dos votos. A ameaça paira no ar: 67% dos brasileiros temem a violência política, e alguns até podem nem se arriscar a ir votar (uma questão importante em um país onde o voto é obrigatório). Rumores de golpe estão por toda parte.

Em meio a essa incerteza, há um fato em que se agarrar: Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente brasileiro de esquerda, lidera as pesquisas, com 50% das intenções de votos válidos contra 36% para Bolsonaro. Quatro anos depois que ele foi afastado da cena política após acusações de corrupção e lavagem de dinheiro, acusações que posteriormente se revelaram, na melhor das hipóteses, procedimentalmente duvidosas e, na pior, politicamente motivadas, Lula está de volta para concluir o trabalho. A julgar pelas evidências disponíveis, ele está prestes a vencer: se não diretamente no domingo, obtendo mais de 50% dos votos válidos, então no segundo turno, no dia 30 de outubro.

Nós, brasileiros, estamos prendendo a respiração. As próximas semanas podem encerrar um período tétrico, conduzido por um dos piores líderes da nossa história, ou podem nos afundar ainda mais na catástrofe e no desespero. Tudo isso me parece um pouco demais para absorver. Eu pessoalmente decidi passar mais tempo dormindo e limpando a casa — as cortinas nunca foram tão brancas. (E são originalmente beges.) E ainda assim, não importa o quanto eu tente me distrair, nada é capaz de atenuar o meu temor de que algo pode dar terrivelmente errado.

Na superfície, as coisas parecem estar calmas. Um forasteiro andando pelas ruas não teria a impressão de que uma eleição presidencial está prestes a acontecer. Olhando pela janela, percebo que as bandeiras do Brasil — que acabaram por representar um apoio a Bolsonaro — foram retiradas das fachadas dos vizinhos. Um sinal ambíguo: pode ter sido uma reação preventiva à derrota ou a calmaria antes da tempestade. Não há muita conversa entre amigos e familiares sobre as eleições; as linhas foram demarcadas em 2018 e não se moveram muito desde então.

E a despeito de toda a polarização social, ainda há um enorme apoio à democracia por aqui: 75% dos cidadãos acham que ela é melhor do que qualquer outra forma de governo. Desde o início, Lula tentou explorar esse sentimento comum e abrir uma frente ampla contra Bolsonaro. Ele escolheu um antigo adversário da centro-direita, Geraldo Alckmin, como seu vice-presidente; cortejou assiduamente empresários; e assegurou o apoio de centristas proeminentes. Nessa atmosfera amistosa, apoiadores do candidato de centro-esquerda Ciro Gomes, que tem atualmente cerca de 6% nas pesquisas, podem até dar seus votos para o ex-presidente. Se isso ocorrer, Bolsonaro certamente será derrotado.

Essa gloriosa perspectiva faz pouco para dissipar a ansiedade que envolve o país. É fisicamente impossível não se deter no que pode acontecer. As possibilidades são aterrorizantes: as pesquisas podem estar erradas e Bolsonaro pode vencer. As pesquisas podem estar certas e Bolsonaro pode recusar-se a conceder a derrota, e até mesmo iniciar um golpe. Cada dia agora parece ter a duração de um dia em Vênus — em torno de 5.832 horas — a julgar pela agitação no meu feed do Twitter.

Há simplesmente muita coisa em jogo. De um lado, há o processo democrático em si, que tem sido posto à prova por Bolsonaro. De outro, há o futuro do nosso Judiciário. Só no próximo ano, teremos duas cadeiras vagas no Supremo Tribunal Federal, de um total de onze. Se estiver no poder, Bolsonaro certamente aproveitará a chance para escolher ministros da linha-dura conservadora, como fez com suas duas últimas indicações. Uma remodelagem do Judiciário à moda de Trump pode estar a caminho.

E há o meio ambiente. Até o momento, este ano, mais incêndios florestais foram registrados na Amazônia brasileira do que em todo o ano de 2021, que já tinha sido catastrófico. Desde o início de setembro, nuvens densas de fumaça cobriram inúmeros estados brasileiros. Sob a administração de Bolsonaro, o desmatamento cresceu, as agências regulatórias foram desmanteladas e as mortes de indígenas aumentaram. Reverter essas desastrosas políticas ambientais não poderia ser mais urgente.

Além disso, um novo governo poderia enfrentar o terrível destino das 33 milhões de pessoas vivendo em um estado de fome e insegurança alimentar — isso para não mencionar os 62,9 milhões de pessoas (ou 29% da população) que se encontram abaixo da linha da pobreza. Também poderia reduzir a quantidade de armas de fogo em circulação, que, sob os auspícios de Bolsonaro, atingiu a cifra perturbadora de 1,9 milhão. Por último, os brasileiros talvez comecem a se recuperar do trauma de 685 mil mortes por Covid-19.

Mas, antes de tudo isso, há um necessário primeiro passo: conduzir Jair Bolsonaro à aposentadoria. Então nós poderemos começar a respirar de novo.


Uma versão deste artigo apareceu na versão impressa do New York Times de Oct. 1, 2022, Section A, Page 23 com a manchete: “We Brazilians Are Holding Our Breath”. Trad. da autora.