Ilustração de Sam Whitney/The New York Times; fotografias de Sergio Lima e Andressa Anholete/Getty Images

The New York Times
10 de janeiro de 2023

por Vanessa Barbara
Contributing Opinion Writer

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SÃO PAULO, Brasil — Uma nação chocada assistiu ao vivo, pela TV e pelas redes sociais, milhares de apoiadores radicais de um presidente derrotado marcharem até a sede do governo federal, convencidos de que a eleição foi roubada. A turba saqueou o Congresso, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto. As autoridades levaram várias horas para prender centenas de pessoas e finalmente restaurar a ordem.

Espera-se que tenha sido o último ato dos bolsonaristas, apoiadores extremistas do ex-presidente Jair Bolsonaro, que já foi apelidado de “Trump dos Trópicos”. Ainda assim, tal como ocorreu com o ataque dos apoiadores do ex-presidente Donald Trump ao Capitólio em 6 de janeiro, não está claro se este é o fim de um movimento político ou apenas o início de mais polarização e caos.

O novo presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, já enfrentava o difícil desafio de unir um país dividido, mesmo que sem a presença de um ex-presidente bombástico, recém-saído de cena, e com muitos de seus eleitores agora propensos à violência. Levar os responsáveis pelo ataque à Justiça é um ponto essencial por onde começar.

Em 1o de janeiro, Lula assumiu o terceiro mandato como presidente do Brasil em uma cerimônia de posse na capital — mas Bolsonaro não compareceu. Ele deveria passar a faixa presidencial para Lula como símbolo de uma transição pacífica de poder. Em vez disso, preferiu passar os últimos dias de sua presidência e as primeiras semanas da gestão de Lula em Orlando, na Flórida, em uma casa próxima ao parque Disney World.

Ainda assim, no período após a derrota, muitos apoiadores de Bolsonaro acamparam em frente a bases militares em todo o país, imaginando que o ex-presidente iria implementar um plano de última hora. “A gente não sabe data, a gente não sabe o quê, a gente não sabe onde, a gente só confia no nosso presidente”, uma das manifestantes me disse.

No fim das contas, nada aconteceu, então alguns membros da turba tentaram agir por conta própria.

Nos últimos dois anos, Bolsonaro tem repetido infundadas alegações de que o sistema eleitoral poderia ser manipulado. Quando ele disse que havia apenas três alternativas para o futuro — estar preso, ser morto ou a vitória —, ele esqueceu de mencionar uma quarta opção: ir comer frango frito nos Estados Unidos, algo que o fotografaram fazendo no começo do mês. Afinal, não havia os componentes necessários para uma insurreição bem-sucedida. O presidente derrotado não tinha o respaldo institucional nem o apoio público de que necessitava para induzir os militares a assumirem seu lado.

Para começar, faltavam-lhe aliados. Logo que a derrota eleitoral de Bolsonaro foi anunciada, alguns de seus correligionários parabenizaram o novo presidente eleito. Outros presidentes latino-americanos fizeram o mesmo. As congratulações de Joe Biden vieram mais tarde, na própria noite da eleição, e foram anunciadas pela mídia brasileira como uma significativa confirmação da lisura do processo eleitoral.

E o que é mais importante, a derrota de Bolsonaro provocou um clamor entre seus eleitores bem menor do que se temia — ainda que tenha havido tumulto. Milhares de seus apoiadores bloquearam estradas e incendiaram veículos, na tentativa de paralisar o país. Centenas de outros decidiram montar tendas diante de quartéis e outras edificações militares por todo o território, clamando por uma intervenção militar no governo. “S.O.S. Forças Armadas”, eles gritavam, por vezes alternando palavras de ordem belicosas com ave-marias e o Hino Nacional.

Algumas semanas depois, todas as estradas estavam liberadas. Alguns acampamentos permaneceram, incluindo um no bairro de Santana, em minha cidade, São Paulo. No Natal, passei parte da tarde conversando com uma dúzia de apoiadores de Bolsonaro que ocupavam o local. Eles ainda acreditavam que as eleições haviam sido fraudadas. A evidência mais forte vinha em forma de pergunta: “Se está todo mundo aqui, por que a minoria venceu?”.

Eles insistiam que Lula não assumiria o poder no dia 1o de janeiro. “A gente tem convicção de que ele não vai”, declarou uma mulher de aproximadamente 70 anos. (As pessoas com quem conversei não quiseram fornecer seus nomes por questões de segurança.) Quando perguntei o que poderia acontecer, a mulher sugeriu dois possíveis desenlaces: ou os militares seriam acionados para apoiar um golpe do presidente — assim como os bolsonaristas desejavam – ou os “cidadãos de bem” tomariam as ruas — também seguindo supostas instruções de Bolsonaro — para garantir que ele permanecesse no poder.

O governo Lula, formado por uma frente ampla de forças democráticas, irá conduzir o país ao comunismo, me disseram os manifestantes. É por isso que eles pediram uma intervenção militar enquanto interpretavam as possíveis mensagens secretas que o presidente lhes mandou em Código Morse. (Sim, eles passaram um tempo tentando decifrar as batucadas de Bolsonaro na mesa durante sua última live nas redes sociais.)

A verdade é que o capital político de Bolsonaro definhou. Quando ele deixou o país, seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão, disse à nação: “A alternância do poder em uma democracia é saudável e deve ser preservada”. Ele também fez uma franca referência a “lideranças que deveriam tranquilizar e unir a nação em torno de um projeto de país”, e que em vez disso fomentaram um clima de caos e desagregação social. Essa doeu. Parece que até as Forças Armadas almejam apenas uma transição de poder tranquila, para que possam continuar sendo uma classe privilegiada sem maiores responsabilidades.

Alguns dos antigos aliados de Bolsonaro no Congresso agora apoiam Lula. O Índice de Popularidade Digital do ex-presidente, calculado por uma empresa de consultoria, caiu para menos da metade de seu ápice.

Mas os bolsonaristas radicais não irão cair em silêncio. Apenas nesta segunda-feira eles retiraram as tendas da frente dos quartéis e instalações militares em São Paulo, Rio de Janeiro e outras cidades. Em Brasília, as autoridades desmontaram o acampamento e detiveram 1.200 pessoas. Os manifestantes passaram mais de dois meses esperando um milagre acontecer. Quando não houve nada, tentaram tomar o governo à força.

Em resposta, Lula assinou um decreto de emergência permitindo a intervenção do governo federal para restaurar a ordem na capital. A medida terá efeito até o fim do mês. O governador do Distrito Federal foi temporariamente afastado por um juiz do STF. Uma investigação criminal foi aberta para identificar os insurgentes e seus financiadores. Na segunda-feira, uma deputada pediu que o governo requisitasse a extradição de Bolsonaro.

As democracias precisam do estado de direito para prosperar. Também precisam da compreensão mútua de que o poder deve ser transferido de forma pacífica. Lula tem a difícil missão de manter coesa uma nação. Um bom ponto de partida será manter a calma após eventos tão deploráveis e observar com firmeza os ritos da Justiça, a fim de responsabilizar os culpados.

De sua parte, Bolsonaro não se pronunciou em apoio aos insurgentes. Mas também não pediu que fossem para casa, preferindo que eles interpretassem seu silêncio do modo que desejassem.


A version of this article appears in print on Jan. 11, 2023, Section A, Page 22 of the New York edition with the headline: The ‘Trump of the Tropics’ Goes Bust.