De Burundi a Dong Dong, os principais destaques de Londres 2012

Folha de S.Paulo – Esportes
Especial Olimpíada
10 de agosto de 2012

por Vanessa Barbara

“Aí vem a Mary Poppins para salvar o dia”, narrou o locutor da BBC durante a abertura da 30a Olimpíada, e isso foi só o começo. Hoje, com o evento em seus momentos finais, já é possível redigir um almanaque com os principais destaques de Londres 2012, conforme apuração da sucursal da Folha em Hackney.

Os locutores da BBC na cerimônia de abertura foram capazes de tornar curioso até o desfile das delegações. Durante o evento, aprendemos que o Camboja tem o maior alfabeto do mundo (74 letras) e que a bandeira do Paraguai é a única em que a parte da frente é diferente da de trás. “Burundi, taí um nome tremendamente interessante”, comentaram.

Mais cedo, um debate com especulações sobre a cerimônia contou com a participação de uma mulher aleatória. “Qual a sua relação com a festa de abertura?”, perguntou o apresentador. “Meu concunhado vai participar do evento”, foi a resposta.

Ainda no campo da família olímpica, a melhor manchete: “Atleta da canoagem é punido por mãe; pai pode recorrer”. A mãe de Mike Dawson foi juíza da prova, para desespero do treinador, pai do atleta. Especula-se que o castigo tenha sido uma semana sem sobremesa.

Entre os comentaristas brasileiros, quem leva o caneco é um locutor do SporTV, que declarou: “E vemos agora o cavaleiro australiano Rutherglen com seu cavalo Hoy. Corrigindo, o cavaleiro australiano Hoy com seu cavalo Rutherglen”.

Os melhores nomes do evento: Jimmy Pedro (técnico do judô, EUA), Ning Ding (tênis de mesa, China), Mark Barriga (boxe, Filipinas), Rosa Chacha (atletismo, Equador), Saeid Mohammadpourkarkaragh (levantamento de peso, Irã) e Mister Pooh (cavalo, Suécia). Vi também um inglês de sobrenome French, um australiano de sobrenome Ingles e o “Dong Dong, que não é de Hong Kong”, segundo a BBC.

Entre as atrações do intervalo, a Get Tricky, equipe de corda que se apresenta entre as partidas de basquete, com fileiras de gente pulando cordas entrelaçadas.

A grande vergonha desta edição: brasileiros vaiando o saque e arremessos do time adversário. Não consta que nenhum patrício tenha sido apupado pela torcida rival.

Em segundo lugar no pódio do constrangimento, o presidente do Comitê Organizador da Olimpíada, Sebastian Coe, declarando que os espectadores “provavelmente” seriam autorizados a entrar nos eventos usando tênis Nike. (A Adidas é a patrocinadora oficial.)

O bronze vai para o prefeito Boris Johnson, que afirmou, sobre a comida do McDonald’s: “Definitivamente repleta de nutrientes”.

Por último, mas não menos importante, lembremos do bêbado que atirou, no domingo, uma garrafa em Usain Bolt pouco antes da final dos 100 m e tomou uma surra da judoca holandesa Edith Bosch.

Euforia olímpica

Posted: 8th agosto 2012 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, Londres 2012
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A vida está difícil para quem acorda de mau humor em plena Olimpíada

Folha de S.Paulo – Esportes
Especial Olimpíada
8 de agosto de 2012

por Vanessa Barbara

Estou hospedada num sobrado repleto de italianos, onde a língua oficial todo mundo sabe qual é: o grito. O Gianluca é crupiê e trabalha num cassino em Stratford, ao lado da Vila Olímpica. Ele vive gripado e anda pelo corredor de moletom, cabisbaixo, mas nos últimos dias parece contagiado pelo clima olímpico: Gianluca agora desce as escadas cantarolando e jogou vôlei comigo na cozinha domingo à tarde, ocasionando um pequeno incidente com uma xícara de Nescau.

O Giuseppe, que mora no andar de baixo, trabalha num restaurante. Ele também parece mais animado e falante, assim como seu colega de quarto, o Marco, que pratica tênis na parede.

Como previa o prefeito de Londres, a euforia olímpica alastrou-se pela cidade. No metrô, visitantes saltam barreiras como se estivessem numa corrida de obstáculos, e mágicos contratados fazem momices com baralhos.

Não sei que bicho mordeu os voluntários, mas, logo cedo, na entrada do Parque Olímpico, somos recebidos por saltitantes sujeitos com uniformes magenta e gigantescas mãos de espuma, cumprimentando os passantes numa confraternização quase infantil.

É com imensa alegria que eles oferecem ajuda, dão indicações e saúdam o público das mais variadas formas. Na Arena de Basquete, um coletor de ingressos se dedica a uma dancinha solitária de puro contentamento. Em Earl’s Court, uma mulher deseja um dia maravilhoso.

Ao megafone, um voluntário grita: “Eu amo vocês!”, ao que um popular responde: “Nós também”. Sem querer perder a disputa, ele retruca: “Eu amo mais!”.

É assim por toda parte, como se os voluntários estivessem sob o efeito de alguma substância ilegal. Do alto de suas cadeirinhas, são como salva-vidas zelando pela satisfação dos transeuntes: “Sorriam! Esta é uma ocasião especial que contaremos para os filhos… dos filhos… dos filhos… dos filhos… dos nossos filhos”, narrou Rachel Onasanwo, 23, com um tom monocórdio que fez sucesso no YouTube.

Segundo o “The Guardian”, os voluntários receberam um manual de etiqueta com 66 páginas contendo regras de conduta para recepcionar os espectadores dos Jogos. “Seja sempre otimista e educado”, diz o documento. “Agradeça ao visitante mesmo que você o esteja ajudando e não se esqueça de sorrir.”

Ao abordar estrangeiros: “Lembre-se que falar ou compreender a língua inglesa não tem nada a ver com a audição ou a inteligência da pessoa. Então não é preciso falar alto, apenas de forma clara”.

Eles se revezam em turnos de cinco horas e recebem uma ajuda de custo no valor de 5 libras (15 reais) por dia, o que é pouquíssimo para os padrões britânicos. Álcool é proibido. Talvez estejam é alucinando de fome.

Biblioteca de lunáticos – Parte 2

Posted: 7th agosto 2012 by Vanessa Barbara in Blog da Cia. das Letras, Crônicas

Blog da Companhia das Letras
7 de agosto de 2012

por Vanessa Barbara

No longínquo mês de abril do ano corrente, enumerei no blog algumas de minhas leituras psiquiátricas preferidas. Certos leitores escreveram apontando lacunas, de modo que aí vai uma segunda parte.

1) A assustadora história da medicina, de Richard Gordon, Ediouro. Recomendado pelo leitor Fred Spada, que tem nome de automóvel, este livro é um dos mais esquisitos que já li. É confuso, mal engendrado e precisaria de um bom editor. Ainda assim, há passagens muito boas sobre a caótica evolução da medicina, que, nas palavras de Fred, parece ter sido algo ao estilo: “Doutor, substituímos o prego por uma agulha e agora a seringa parece funcionar direito”.

Gordon fala, por exemplo, de uma paciente de Freud que sofria de fadiga generalizada e do sintoma curioso de ser perseguida pelo cheiro de pudim queimado. Fala de micróbios e da axila da rainha Vitória, de anestesia e dos primórdios da vacinação, quando as pessoas inoculadas com o vírus da varíola bovina tinham medo de se transformar em vacas. “Hoje, um terço das mortes do mundo tem alguma relação com moscas”, informa.

Gordon aborda também a questão dos piolhos e da luta contra o escorbuto, de início absolutamente aleatória. “O capitão Cook recomendava geleia de cenoura e mosto de cerveja. Vinagre, para tomar ou lavar o convés, óleo de vitríolo e enterrar o paciente até o pescoço, na terra fria, todos esses métodos tinham seus defensores.”

Contra verrugas: “Toque cada verruga com uma pedra diferente, ponha as pedras numa bolsa, deixe cair a bolsa a caminho da igreja, quem encontrar vai ficar com todas as suas verrugas. Ou procure um homem que nunca viu o próprio pai e peça para tocar no seu casaco. Como profilaxia, nunca deixe seus filhos tocarem na água onde foram cozidos ovos.”

Gordon menciona a biografia de gente ilustre como Florence Nightingale, que costumava bater irritadamente as tampas abertas das privadas, e Osborne Mavor, autor de um artigo definitivamente científico sobre nosso centro anatômico, “O Umbigo”, que, segundo ele descobriu, pode ser atacado por oito doenças. Ou John Coakley Lettsom, fundador da Sociedade de Medicina de Londres e de várias outras instituições de caridade, como a Sociedade para a Libertação e Ajuda a Pessoas Presas por Pequenas Dívidas, e a Sociedade Real Humanitária para Ressuscitação dos Aparentemente Mortos.

2) Amor sem fim, de Ian McEwan, ed. Companhia das Letras. Após testemunhar um trágico acidente de balão, um escritor de artigos científicos vira alvo de uma paixão patológica. A fixação do desconhecido chega aos limites da perseguição e da loucura, transformando a vida do protagonista.

O longo capítulo inicial sobre o acidente é ritmado, tenso e muito bem construído. Mas minhas partes preferidas do livro são os dois apêndices, em que, de forma original, o autor segue narrando a história.

O melhor deles é um estudo de caso publicado na revista British Review of Psychiatrypelos drs. Robert Wenn e Antonio Camia, que obviamente não existem, sobre a síndrome de Clerambault. Em linguagem acadêmica, os nobres doutores falam sobre esse tipo de erotomania que se caracteriza pela obsessão amorosa por alguém mais velho e de maior status social, com um detalhe: o portador dessa síndrome tem absoluta certeza de ser correspondido.

McEwan aproveita o posfácio científico para recontar o caso ao leitor, fornecendo detalhes omitidos pelo narrador, e para dar uma conclusão ao romance, lançada em meio a uma porção de notas de rodapé e descrições da patologia.

Na época do lançamento do livro, inúmeros resenhistas (inclusive psiquiatras) julgaram se tratar de um artigo verdadeiro, até que McEwan veio a público declarar que o apêndice era ficcional, baseado no romance que o precedia — em vez de se passar o contrário. Ele chegou a enviar o artigo a uma revista de psiquiatria, que polidamente o recusou. “Se fosse publicado, seria delicioso ter que pedir permissão para citá-lo”, confessou o romancista numa entrevista ao The Guardian. “Para um escritor, é uma tentação poder bagunçar a fronteira entre ficção e realidade, pois isso dá à ficção uma credibilidade extra e confunde o factual. Também escrevi esse apêndice por exibicionismo linguístico — só queria provar que conseguia fazer.”

Fico aqui pensando quem é mais doido.

3) O estranho caso do cachorro morto, de Mark Haddon, ed. Record. O menino Christopher Boone tem 15 anos e sofre de síndrome de Asperger, uma forma de autismo caracterizada pela dificuldade de interagir socialmente e de expressar emoções, bem como de aceitar mudanças. Os portadores dessa síndrome muitas vezes possuem habilidades incomuns, como memorização de mapas e sequências matemáticas.

Neste romance, indicado pelo leitor Rogério Moraes, o narrador sabe muita coisa de astronomia e pouquíssimo sobre seres humanos. Adora listas, padrões e a verdade. Odeia o marrom, a França e ser tocado. Certa madrugada, encontra o cão do vizinho morto e passa a investigar o crime.

Embora não seja um dos meus livros favoritos, há um jogo interessante com o narrador, que, afinal de contas, sofre de uma síndrome que interfere justamente no processo de comunicação. Seu pensamento é estruturado de forma bastante concreta e literal, prejudicando sua capacidade de interpretar ironias e metáforas. É assim que o livro é narrado: de forma direta, por vezes obsessiva.

Os capítulos seguem “números primos, que são úteis para escrever códigos e por aqui são considerados assunto militar, e se você encontrar um com mais de cem dígitos tem que contar para a CIA e eles te compram por 10 mil dólares. Mas não seria um jeito muito legal de ganhar a vida”.

Boone é um personagem divertido e cheio de angústia, que se lança à investigação com toda a coragem necessária para puxar assunto com os vizinhos. “Às vezes, quando estou num lugar novo e cheio de gente, há tipo um tilt de computador e eu tenho que fechar os olhos e tampar os ouvidos e grunhir, que é o meu jeito de apertar CTRL+ALT+DEL e fechar os programas e desligar o computador e reiniciá-lo, a fim de que eu possa me lembrar do que estava fazendo ali e para onde estava indo.”

4) Afluentes do rio silencioso, de John Wray, ed. Companhia das Letras. Traduzido por esta vossa humilde serva, o romance segue a mesma linha de O estranho caso do cachorro. É narrado por William Heller, jovem de 16 anos que sofre de esquizofrenia. Acometido de um delírio, ele suspende a própria medicação, foge da clínica psiquiátrica onde estava internado e empreende uma jornada pelo metrô de Nova York, com um detetive particular a seu encalço. “Sou um prisioneiro do meu próprio crânio”, ele pensa. “Refém do meu sistema límbico. Não há saída senão pelo meu nariz.”

Assim como Christopher Boone, William possui uma série de rituais que executa quando se vê ansioso ou em terreno desconhecido: repassa uma série de coisas preferidas, checando-as na ordem como se fossem contas de um terço. As primeiras oito ele recita de memória: obeliscos, tinta invisível, a mãe, snowboard, o Jardim Botânico do Brooklyn, Jacques Cousteau, Bix Beiderbecke e o metrô.

“Estou conseguindo fazer piadas de novo”, ele pensa, após ter suspendido a medicação por conta própria. “Estúpidas, mas não importa. Nunca conseguiria ter feito piadas ontem.”

5) A lua vem da Ásia, de Campos de Carvalho, ed. José Olympio. Um esquecimento lamentável na primeira escalação, o romance de Campos de Carvalho fala sobre um sujeito que vive no que pensa ser um campo de concentração, mas que antes julgava ser um hotel de luxo, e que na verdade é um manicômio. “Não sei dizer se fica na Europa ou na Ásia ou mesmo na Polinésia.” Numa prosa fragmentada, absurda e frenética, ele tenta dar sentido às coisas, sem sucesso. O livro é brilhante e tem um dos inícios mais célebres da literatura brasileira:

“Aos 16 anos matei meu professor de lógica. Invocando a legítima defesa — e qual defesa seria mais legítima? — logrei ser absolvido por cinco votos a dois, e fui morar sob uma ponte do Sena, embora nunca tenha estado em Paris. Deixei crescer a barba em pensamento, comprei um par de óculos para míope, e passava as noites espiando o céu estrelado, um cigarro entre os dedos. Chamava-me então Adilson, mas logo mudei para Heitor, depois Ruy Barbo, depois finalmente Astrogildo, que é como me chamo ainda hoje, quando me chamo.”

6) “Minha fantasma”, em Ensaio Geral, de Nuno Ramos, ed. Globo. Outra ausência imperdoável na primeira divisão desta lista. Trata-se de um curto relato do artista plástico Nuno Ramos sobre os seis meses de uma crise de depressão severa da esposa, suas idas aos médicos, os cuidados, os horários de remédios, o cansaço e a impotência. É um texto lindo sobre “um amor imenso e cansativo, que deve dizer bem alto: eu quero você mesmo assim. Ou algo ainda antes disso, já que ela é a mesma pessoa, apenas confusa, como quem circula pela casa sem encontrar a porta do próprio quarto”.

Toda vez que leio esse texto de Nuno, penso em como deve ter sido, para ela, ter alguém tão constante, tão certo, tão leal, alguém que desconfiou de um determinado médico “não pelos motivos habituais (pêlos atrás da orelha, voz melíflua, olhar excessivamente demorado, roçar de uma palma da mão na outra). Achei, apenas, que não gostava dela”.

Um médico que, segundo ele, parecia ser alguém que tocava violino, como um judeu de Chagall. “Devia ter uma coleção enorme de selos e uma mãe severa. Devia raspar um prato fundo de caldo de carne com a gema de um ovo batido todas as manhãs, pra ficar bem forte. Mas na verdade é baixo e atarracado e suas pernas não se desenvolveram tanto quanto o tórax, e o próprio tórax não se desenvolveu tanto quanto as feições elásticas do seu rosto — por isso não pode esconder certa fração de paraplegia, de paralisia infantil, certa dessemelhança entre a metade de baixo e a metade superior do tronco, como um Tratado das Tordesilhas cravado em sua cintura que torna apenas mais perverso seu sorriso forçosamente bondoso.”

Não sei por quê, mas acho essa passagem do médico particularmente tocante — há uma solidariedade muda que perpassa o texto inteiro, preenchendo inclusive as lacunas do vazio. Por vezes, o autor hesita diante de tanto sofrimento e é arrastado pela maré da tristeza dela, mas continua ao seu lado dia após dia, enquanto ela chora e chora, “chora por ser covarde, chora principalmente porque não pode parar de chorar. Não há ventos fortes nem tufões, mas uma monotonia de laguna excessivamente salgada onde os peixes não conseguem sobreviver”, conta.

“A cura não é o raio de sol depois da tempestade, nem uma lufada de ar no quarto pestilento, mas haver o quarto, e sol como o conhecemos, e vento como desde que somos pequenos. É o mundo ser redondo e o oceano ser salgado. Isso é a cura, o tédio bem-vindo. Então é isso que ela ataca e protela, voltando a alto-mar enquanto lhe acenamos da praia monótona.”

A certa altura, não estamos mais falando de depressão, mas de amor.

Folha de S.Paulo – Esportes
Especial Olimpíada
6 de agosto de 2012

por Vanessa Barbara

Em 17 de agosto têm início os Jogos Alternativos de Gales, em Llanwrtyd, no Reino Unido, uma espécie de competição composta só desses esportes que todo bêbado já quis ver nas Olimpíadas: Encantamento de Minhocas, Guerra de Frutinhas, Carregamento de Esposas, Regata de Gravetos (categoria infantil), Snorkel na Lama, Hóquei Subaquático e Corrida do Queijo.

O evento dá continuidade a uma temporada inesquecível para o desporto britânico, que começou, sem dúvida, com a Copa do Mundo da Luta de Dedão, modalidade em que dois pés desnudos entram em confronto. O torneio ocorreu em 14 de julho, em Derbyshire, e teve como campeão o lendário Alan “Asqueroso” Nash, conhecido por ter quebrado quatro dedos em uma só luta. “Quebrei nove dedos ao longo da minha carreira”, afirmou.

Pensando nisso, e como não queremos ficar pra trás na Olimpíada de 2016, aqui vão ligeiras adições às modalidades reinantes, com vistas a tornar o evento ainda mais emocionante.

Em primeiro lugar, trocar o futebol de campo pelo futebol de salão e, já que estamos aí, agregar também o futebol de sabão – em saibro, grama ou lona. Promover a inclusão do vôlei de lençol (dois times impulsionando a bola num jogo de cama bem esticado), da queimada, da batata quente e do arranca-toco com bola de capotão, no qual seríamos uma potência. Na ginástica, propor o pula-sela, desporto com grande número de luxações e traumatismos.

Em seguida, retomar o cabo de guerra, desastrosamente excluído dos Jogos Olímpicos em 1920, quando foi vencido por um time de policiais de Liverpool. Trata-se de um esporte que requer muita força, equilíbrio e trabalho em equipe. Em 1997, um cabo de guerra com a participação de 1.600 pessoas resultou na amputação de dois braços, e, anos antes, na Alemanha, dois competidores morreram após a prática.

No ramo de esportes aquáticos, a sentida ausência do biribol deveria ser corrigida, com o orgulhoso povo de Birigui ditando as regras para o resto do mundo. (Para quem não sabe, o biribol foi inventado nos anos 60 pelo professor Dario Miguel Pedro na portentosa Cidade Pérola.)

Uma das categorias mais nobres da Olimpíada, o atletismo, tem sofrido de uma estagnação criativa histórica e se beneficiaria de novas modalidades: a barra-manteiga atrairia multidões, bem como o pega-pega americano, o esconde-esconde clássico (um, dois, três, República Tcheca!) e a corrida de saco. Grandes emoções seriam esperadas na corrida do ovo na colher (sobretudo quando o atleta derruba o redondo) e na inebriante dança da laranja.

Essas modalidades, juntas, formariam o heptatlo contemporâneo, e pouco importa que sejam seis ao todo.

Dois mil e doze: a série

Posted: 6th agosto 2012 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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Folha de S.Paulo – Ilustrada
6 de agosto de 2012

por Vanessa Barbara

Em março do ano passado, faltando 500 dias para a abertura da Olimpíada de Londres, a BBC estreou uma série chamada “Twenty-Twelve” (em português, 2012).

Espantosamente verossímil, a atração acompanha o comitê de organização dos Jogos, num falso documentário ao melhor estilo “The Office”, com depoimentos à câmera e instantâneos de reuniões.

Foram duas pequenas temporadas de 13 episódios no total, com 30 minutos cada. Sob uma avalanche de críticas positivas, a série terminou na terça-feira retrasada, a três dias da abertura verdadeira, com um corte abrupto e tipicamente britânico.

Neste seriado, a Olimpíada é planejada por uma equipe de burocratas obtusos, brigões, preguiçosos e incompetentes, ainda que às vezes bem-intencionados. Empresas patrocinadoras e políticos vivem se metendo nos assuntos, com resultados sempre desastrosos.

Num dos episódios, o grupo organiza uma despropositada cerimônia para o “Dia da Inclusão”, que por coincidência caiu na mesma data do “Dia da Diversidade” – seguem-se discussões inflamadas sobre a diferença entre ambas.

A ideia vencedora envolvia plantar um carvalho no parque Potters Fields, onde posteriormente se descobriu que havia uma fila de dois anos para mudanças no paisagismo. Alguém sugeriu que a árvore fosse plantada de qualquer forma e posteriormente removida. Na última hora optam por trazer uma caixa de terra para o parque, mas ocorre um imprevisto: esquecem as sementes.

O resultado foi uma solenidade com meia dúzia de fotógrafos, uma fileira de crianças carentes formando a palavra “inclusão” e o plantio de uma vergonhosa bala de chocolate, jogada dissimuladamente por uma atleta paraolímpica.

Qualquer semelhança com a gafe (real) na partida de futebol feminino da Coreia do Norte, em que os nomes das atletas apareceram no telão ao lado da bandeira da Coreia do Sul, é apenas uma coincidência perturbadora.

Escrita e dirigida por John Morton, a série cômica é tipicamente inglesa, com silêncios constrangedores e cortes irônicos. Não há claque e nem risadas gravadas. Narrada pelo ator David Tennant, contou com uma participação especial do próprio presidente do Comitê Olímpico, Sebastian Coe, que confessou adorar o programa.

“Twenty-Twelve” bem que poderia ter seu similar nos Jogos do Rio, em 2016, com a diferença de que não precisaria ser ficcional.

Primos pobres

Posted: 4th agosto 2012 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, Londres 2012
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Folha de S.Paulo – Esportes
Especial Olimpíada
4 de agosto de 2012

por Vanessa Barbara

Tentei levantamento de peso, mas o ingresso mais barato que restou foi o de 65 libras (210 reais) para um embate feminino na categoria abaixo de 58kg. Fui atrás de saltos ornamentais (295 libras), natação (esgotado), ginástica (idem) e atletismo (450 libras). Tudo era muito caro e acabava em questão de horas. Tampouco havia ingressos para visitar o Parque Olímpico, que é fechado às pobres almas sem credencial.

Só o que consegui foi comprar com antecedência de um mês entradas para o vôlei (55 libras), vôlei de praia (45) e futebol (40).

Dessa forma, quando as imagens ao vivo das competições mostraram enormes áreas desocupadas, a plebe se sentiu pessoalmente ofendida. “Quase 250 mil lugares vazios desperdiçados desde a abertura. Dá pra sentar toda a população de Hackney!”, esbravejou um usuário do Twitter.

O Comitê Organizador da Olimpíada tem procurado solucionar como pode a questão do vácuo em eventos dados como esgotados. Esta semana, prometeram investigar a situação, alegando que tais áreas são em geral destinadas a membros da chamada “família olímpica”: autoridades, patrocinadores, representantes de federações internacionais e da imprensa.

Segundo o jornal “The Guardian”, ao menos 20% dos assentos seriam reservados à patota de elite, sendo que nos eventos mais concorridos (como a cerimônia de abertura e a final dos 100 m rasos), esse índice chegaria à metade.

Alguns desses VIPs mal têm a intenção de saírem de seus hotéis, outros simplesmente não se interessariam. Mais uma vez, o Exército foi convocado para preencher alguns desses lugares vagos, no que foi provavelmente a ocupação militar mais fácil da história.

Tudo isso é particularmente irritante para nós, os primos pobres dessa desalmada família, deserdados por Mamãe Olimpíada e Papai Medalha. Quanto mais o sujeito é fanático pelo esporte em questão, mais insuportável é a visão dos espaços desocupados, em geral nas áreas mais nobres do estádio. (Muitas vezes, os lugares disponíveis para o público são tão ruins que a única coisa que se pode ver dali são os assentos vagos.)

Ao longo da semana, felizmente, o comitê liberou através do site alguns ingressos para o basquete, canoagem e taekwondo (20 libras), tênis de mesa e luta greco-romana (35), handebol e tênis (40), hóquei e judô (45), boxe e nado sincronizado (50), vela (55), vôlei, polo aquático e esgrima (65), atletismo e vôlei de praia (95). Mas só com muita sorte era possível completar a compra, que em geral dava erro.

Do que se conclui que, na Olimpíada, até para conseguir um espaço atrás do pilar é preciso ter uma boa conexão.

Não fujam!

Posted: 2nd agosto 2012 by Vanessa Barbara in Folha de S. Paulo, Reportagens
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Um apelo aos londrinos de espírito antiolímpico

Vitrine da Primark, na New Oxford Street

Folha de S.Paulo – Turismo
2 de agosto de 2012

por Vanessa Barbara

http://www1.folha.uol.com.br/turismo/1129804-com-planejamento-londres-driblou-olimpicamente-as-intemperies.shtml

Mesmo após a abertura dos Jogos, Londres ainda não se livrou de um certo espírito catastrofista quase brasileiro. Pelas ruas, entre transeuntes com guarda-chuvas oficiais dos Jogos e camisas do Team GB – a equipe da Grã-Bretanha –, há pessoas carregando sacolas de tecido com as inscrições: “Levei três horas para chegar ao trabalho hoje” e “Aluguei meu apartamento para uma família de americanos gordos”. Outro modelo de sacola: “Todos eles usam esteroides”.

Primeiro veio o retumbante fiasco da empresa de segurança G4S, que obrigou o governo a recrutar o Exército para auxiliar no setor. A aparência de “estado de sítio” proporcionada pelos militares só fez aumentar a paranoia quanto a ataques terroristas durante a Olimpíada, que já era alta desde que foram instalados mísseis antiaéreos no telhado de prédios residenciais no leste da cidade, onde fica a Vila Olímpica.

Depois, os funcionários de uma empresa de trens ameaçaram entrar em greve, assim como os responsáveis pelo controle de passaportes nos aeroportos e estações. A superlotação no transporte público, sobretudo no metrô, é mais palpável em estações como Bank, Earl’s Court e London Bridge.

Até a inicialmente medíocre previsão do tempo colaborou para o empapado estado de espírito dos londrinos com relação à Olimpíada – felizmente, os boletins atuais são de um otimismo seco e ensolarado.

O próprio departamento de transportes de Londres, o TfL, recomendou que os londrinos trabalhassem de casa durante os Jogos, já que algumas estações só ficarão transitáveis caso 60% dos passageiros habituais mudem seu itinerário.

Anunciado por toda parte, o site www.getaheadofthegames.com [adiante-se aos jogos] recomenda que o cidadão planeje sua rota de antemão e evite as áreas de maior afluência naquele dia. É possível baixar boletins diários com os piores trajetos, consultar mapas de congestionamento e utilizar uma ferramenta para planejar a viagem.

O uso de carro não só é desaconselhável como honestamente idiota, já que não haverá estacionamento nos locais dos eventos e nem em suas proximidades. Ir a pé ou de bicicleta são as melhores opções, segundo a TfL.

Por essas e outras, muitos londrinos decidiram sair da cidade e decretar férias. Na última quinta-feira, 19 de julho, a British Airways lançou uma campanha publicitária intitulada “Don’t Fly” [não voe], conclamando os britânicos a ficar em casa e torcer pelos conterrâneos.

 

 

Como está o clima nas ruas de Londres e o que fazer durante as partidas de esgrima e equitação

A Regent Street e a letra B

Folha de S.Paulo – Turismo
2 de agosto de 2012

por Vanessa Barbara

http://www1.folha.uol.com.br/turismo/1129805-londrinos-estao-em-estado-de-graca-com-os-jogos-olimpicos.shtml

Desde o dia 19 de julho, a emblemática London Eye, roda-gigante à beira do Tâmisa, tem sido o principal termômetro do ânimo da cidade com relação aos Jogos Olímpicos de 2012. A empresa EDF Energy desenvolveu um algoritmo para captar o espírito dos britânicos durante o evento, a partir de posts no Twitter. O código promete converter emoções em movimentos e cores, num espetáculo de luzes chamado “Energy of the Nation”, exibido todas as noites às 21 horas. 

Dia após dia, aumenta a quantidade de luzes amarelas (emoções positivas) com relação às esverdeadas (neutras) ou arroxeadas (negativas). 

Nas ruas do centro, o clima é de feriado prolongado. Desde junho, a Regent Street paramentou-se com gigantescas bandeiras dos países participantes, estando o lábaro brasileiro bem localizado na esquina com a Oxford Street, ao lado de Bolívia, Bósnia Herzegovina, Botswana e Brunei (a ordem é alfabética). 

Gigantescos anéis olímpicos foram instalados na Tower Bridge e no saguão principal de St. Pancras, a principal estação de trem. Quem chega de avião pelo aeroporto de Heathrow é recebido por enormes anéis de 300 metros de largura entalhados na grama do Richmond Park, a oeste de Londres. Também as estações de metrô ganharam placas cor-de-rosa apontando os estádios e instalações do evento. 

Na Primark, a loja de departamentos mais popular de Londres, que é como uma versão perene da 25 de Março na véspera do Dia das Mães, a seção de ofertas parece ainda mais cheia. Turistas brasileiros disputam a tapa com visitantes asiáticos uma certa camiseta da Union Flag bordada em lantejoulas. Seguranças indianos tentam não ser atingidos pelo vaivém de sacolinhas de papelão pardo com a marca da rede de varejo irlandesa, que vende 575 mil peças de roupa por dia e movimenta 2,3 milhões de euros nos fins de semana. (A abertura da loja principal na Oxford Street, em 2007, atraiu uma multidão tão grande que a polícia montada teve de intervir.)

No Hyde Park e no Victoria Park foram instalados telões para as transmissões ao vivo de alguns dos principais eventos da Olimpíada. O espaço, apelidado de BT London Live, também será palco de shows diários de música, prática de esportes menos conhecidos (badminton, lacrosse, críquete, rúgbi em cadeira de rodas) e a Zona dos Fãs, onde os medalhistas britânicos se encontrarão com o público para celebrar suas conquistas. Durante a transmissão da cerimônia de abertura, houve shows especiais com as bandas Snow Patrol, Stereophonics e Duran Duran. No encerramento será a vez de Blur e New Order.

Nestas três semanas, os ingleses têm agido de forma mais desinibida, agitando bandeirinhas, aplaudindo e correndo atrás da tocha, feito crianças. Alguns até já foram vistos puxando assunto com estranhos. Segundo a Time Out, estima-se que um em cada quatro londrinos planeja faltar ao trabalho alegando algum tipo de doença, só para poder assistir aos Jogos pela tevê. 

O McDonald’s, um dos patrocinadores do evento, lançou uma campanha publicitária elencando os principais tipos de torcedores: do “chorão” ao “agitador de bandeiras”, passando pela “nervosa que espia através dos dedos”, a “abanadora lateral de braços” e a “moça do vamos-lá-vamos-lá-vamos-lá”.

Uma das principais atrações paralelas é o London 2012 Festival (festival.london2012.com), que reúne milhares de eventos nas áreas de música, teatro, cinema, dança, acrobacia, artes plásticas, exposições e performances. O festival acontece de 21 de junho a 9 de setembro, com 10 milhões de ingressos gratuitos. 

Além disso, alguns museus e monumentos da cidade terão horários estendidos durante os Jogos. 

 

MAIS INFORMAÇÕES

BT London Live
http://www.btlondonlive.com
27 de julho a 12 de agosto
Hyde Park e Victoria Park
Transmissões de partidas ao vivo, shows de música, prática de esportes e encontro com os medalhistas britânicos.

BBC Proms
http://www.bbc.co.uk/proms
13 de julho a 8 de setembro
Royal Albert Hall
Evento que se repete todos os verões desde 1895, os “proms” são concertos diários de música clássica oferecidos pela BBC no Royal Albert Hall. O termo vem de “promming”, a prática de assistir aos concertos em pé. A cada apresentação, cerca de 500 ingressos são colocados à venda por 5 libras para aqueles que não se importam com as varizes, e uma fila se forma diante do teatro nas horas que antecedem o espetáculo.

Em 17 de agosto, uma homenagem ao centenário do compositor John Cage – fitas cassete e cactos são insistentemente aguardados. No dia 31, um tributo ao guitarrista cigano Django Reinhardt.

World Shakespeare Festival
http://www.worldshakespearefestival.org.uk
Abril a novembro de 2012
Festival com apresentações da companhia teatral Royal Shakespeare Company em 25 cidades pela Inglaterra. Há projetos paralelos, como o Open Stage, que dá uma chance para as trupes amadoras que queiram se apresentar no palco em Stratford-upon-Avon. Já o Globe to Globe traz todas as 37 peças do bardo interpretadas por companhias internacionais numa maratona de seis semanas, cada qual em seu idioma. Há “Tito Andrônico” em cantonês, “Trabalhos de Amor Perdidos” em língua de sinais, “Macbeth” em polonês, “Ricardo III” em chinês e duas versões de “Romeu e Julieta”: uma ambientada em Bagdá, outra no circo. (Esta última é produzida pelo Grupo Galpão, de Belo Horizonte.) A BBC também participa do festival com uma filmagem da peça “Júlio César” e quatro filmes para a TV sobre peças históricas. 

The Genius of Hitchcock
http://www.bfi.org.uk/hitchcock
Agosto a outubro
BFI London
Exibição dos 58 filmes do diretor Alfred Hitchcock, com a eventual participação de atores como Tippi Hedren e Bruce Dern. 

Mittwoch aus Licht
http:://www.birminghamopera.org.uk
22 a 25 de agosto
Argyle Works, Birmingham
A badalada ópera eletrônica do alemão Karlheinz Stockhausen terá sua estreia mundial num galpão em Birmingham, e contará com a participação de 160 artistas e um quarteto de cordas tocando em quatro helicópteros. 

Damien Hirst
http://www.tate.org.uk/modern
4 de abril a 9 de setembro
Tate Modern
Exposição das principais obras do artista britânico. 

Playing the Games
http://www.criterion-theatre.co.uk
26 de julho a 12 de agosto
Criterion Theatre
Duas semanas de espetáculos de comédia e performance com a curadoria de Stephen Fry. 

Filme: “Carruagens de Fogo” (1981)
A partir de 13 de julho, nos cinemas
Exibições da versão remasterizada do filme baseado na história verídica dos atletas olímpicos Eric Liddell e Harold Abrahams. 

Invisible: Art about the unseen
12 de junho a 5 de agosto
Hayward Gallery
Exposição de arte invisível. Está em promoção: o ingresso de 8 libras agora custa 4. 

Magnum London
http://mymagnum.co.uk
20 de julho a 5 de setembro
Stratford
Na loja da Magnum do shopping Westfield, ao lado do Parque Olímpico, é possível montar seu próprio picolé com 18 ingredientes insuspeitos, como chili, jujubas, sal e pétalas de rosa. 

Ping!
http://pinglondon.com
Até 10 de agosto
Durante seis semanas, cerca de 700 mesas de pingue-pongue estarão disponíveis na cidade, com raquetes e bolinhas. Entre os pontos turísticos onde se pode jogar tênis de mesa estão o aeroporto de Heathrow, a Leicester Square, a British Library e a Roundhouse. Na programação há também aulas, campeonatos e a visita de promessas olímpicas. 

Visita noturna ao Zoológico de Londres
http://www.zsl.org/zsl-london-zoo
Sextas-feiras das 6 às 22h
Visitas guiadas, palestras, alimentação dos animais, pintura facial, shows de música e barracas de comida e bebida. 

Visita noturna à Catedral de St. Paul
http://www.stpauls.co.uk
Segundas e sextas das 6 às 21h
Entrada gratuita para orações e visitas, acompanhadas de música de órgão. Os padres estarão à disposição, bem como os guias da catedral. Pequena oração às 20h45. 

Pato na água

Posted: 2nd agosto 2012 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, Londres 2012
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Folha de S.Paulo – Esportes
Especial Olimpíada
2 de agosto de 2012

por Vanessa Barbara

O velocista jamaicano Usain Bolt, considerado o homem mais rápido do mundo, declarou recentemente que quer se tornar jogador de futebol do Manchester United. “Sei que começaria tarde e que é uma aspiração muito grande, mas estou falando sério. O negócio é o seguinte: vi muitos desses caras jogarem e acho que posso fazer melhor.”

Bolt jogaria de ala e aproveitaria para imprimir sua velocidade ao jogo, segundo afirmou. Dá pra imaginar o corredor levando 9,5 s para sair da pequena área, sem sombra de impedimento, e chegar saltitante ao gol rival, antes que os locutores tenham tempo de informar as horas. O maior problema seria o elemento-bola, mas, resolvido esse detalhe, Bolt já pode carimbar sua carteirinha para a Copa.

O que me leva a uma boa ideia para a próxima Olimpíada: tudo seria exatamente igual. Na cerimônia de abertura, as delegações desfilariam, confraternizariam e, no dia seguinte, haveria um eletrizante sorteio. Nele, a seleção de vôlei descobre que irá representar o Brasil na canoagem slalom, e que a equipe de pentatlo moderno foi escalada para jogar handebol.

Os atletas do levantamento de peso achariam graça em ter que encarar uma coreografia de ginástica rítmica, enquanto os meninos do basquete teriam certa dificuldade em driblar um ciclista durante partida de futebol. Times masculinos seriam convocados para esportes femininos, como o nado sincronizado, e seriam obrigados a exibir toda a sua graça e malemolência aos juízes.

Estes, aliás, seriam mantidos em seus esportes, bem como os técnicos de cada modalidade, porque, afinal, a gente não está de brincadeira. Imaginem como seria edificante ver o Bernardinho explicando regras de rodízio para um judoca, enquanto Fabiana Murer se exalta e tenta saltar por cima da rede, alegando que uma boa aterrissagem vale três pontos.

Neymar, aliás, seria uma das grandes promessas na ginástica de trampolim, com suas conhecidas habilidades na queda, enquanto Ganso e Pato se dariam muito bem na natação.

Se todas as modalidades já possuem bons campeonatos mundiais e regionais, nada mais justo que a Olimpíada seja uma celebração à multidisciplinaridade e ao atleta azarão, aquele que usa a cara para frear no salto em distância, escorrega do trampolim ou atira uma flecha nos próprios pés.

Voltaríamos, assim, à época de glória da Olimpíada, quando os amadores dominavam o cenário e havia mais exemplos como o do pedreiro de Nauru, que anteontem foi eliminado em 1min10 por um uzbeque, na categoria até 73 kg do judô.

Entre as ambições de Sled Dowabobo estão se classificar para 2016 e arrumar uma namorada.

Futebol é piada?

Posted: 31st julho 2012 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, Londres 2012
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Folha de S.Paulo – Esportes
Especial Olimpíada
31 de julho de 2012

por Vanessa Barbara

“Quer dizer que o futebol na Olimpíada é uma piada? Não diga isso aos brasileiros”, recomendava a manchete do “Evening Standard” no último dia 20.

Considerado um dos esportes menos interessantes dos Jogos, o futebol tem falhado em atrair público. Uma exceção foi o duelo de anteontem entre Brasil e Belarus, em Manchester, que reuniu 66 mil pessoas – a grande maioria, brasileiros.

O fracasso em agregar os fãs habituais da Olimpíada se deve, em parte, por não se tratar de um torneio entre as seleções principais, mas entre equipes sub-23 (ao menos na categoria masculina).

A presença de seleções obscuras como Belarus, Gabão e Honduras também não ajuda, bem como a localização dos estádios, em cidades como Glasgow e Newcastle – a centenas de quilômetros de Londres. Um espectador normal da Olimpíada dificilmente irá viajar duas horas para ver um jogo de futebol.

Na semana passada, com 1 milhão de ingressos ainda disponíveis, o comitê organizador decidiu reduzir a capacidade dos estádios, bloqueando áreas inteiras e tirando de circulação metade dos bilhetes.

No primeiro jogo da seleção, quinta-feira, contra o Egito, mais da metade do Millenium Stadium estava vazia. Foram vendidos 26 mil ingressos para um espaço que comporta 75 mil pessoas, a preços médios de 30 libras (95 reais).

“Não sei o que é mais estranho, se é isso ou o casal atrás da gente com a bandeira da Finlândia”, comentou um brasileiro ao meu lado. Os patrícios compareceram em peso, ocupando as ruas de Cardiff e acenando para as câmeras. Alguém aproveitou para brandir um cartaz: “Mãe, aqui tá maravilhoso. Manda mais dinheiro”.

Durante a partida, uma menina nas imediações falou sem parar em comida: “Queria tanto comer um hot-dog agora, com uma salsicha enorme”, confessou. Dez minutos depois, perguntou ao namorado: “Sabe aquele sanduíche alemão que a gente comeu ontem?”. Ele respondeu com um resmungo. “Queria tanto um desses agora”, ela suspirou.

Mais tarde, porém, fez um comentário técnico: “Esse bandeirinha parece um caranguejo, correndo desse jeito na linha lateral”.

Um dos destaques desses dois dias de futebol masculino foi o capitão egípcio Mohamed Aboutrika. Formado em filosofia e envolvido em questões políticas e humanitárias, o meia ficou conhecido em seu país após se recusar a ganhar um salário maior do que seu colega de equipe. Entre passes perfeitos, Aboutrika certamente pôde refletir sobre a condição humana, o niilismo da existência e a redondice da bola, confundindo o juiz nos lances mais polêmicos.

Todos os atletas querem ouro, só Aboutrika quer Platão.