Alexis Jang

The New York Times
August 27, 2018

by Vanessa Barbara
Trad. Uol Notícias

É preciso ter determinação para fazer um parto normal no Brasil, e não estou falando só do ato de dar à luz.

Meu país tem um dos índices mais altos de cesarianas do mundo: em 2015, elas corresponderam a 55% de todos os nascimentos. (Em comparação, nesse mesmo ano, os Estados Unidos tiveram um índice de 32% de cesáreas, ao passo que na Suécia estas representaram somente 17,4% dos nascimentos.)

É claro que cesáreas são necessárias e salvam vidas em certas situações, como em casos de prolapso do cordão umbilical ou de descolamento de placenta. Mas, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), quando o índice de cesáreas supera os 10%, não há indícios de que elas ajudem a reduzir a mortalidade materna e neonatal; pelo contrário, a cirurgia pode levar a complicações consideráveis e é por isso que a OMS a recomenda somente quando necessário.

Esse definitivamente não é o caso aqui. Em hospitais particulares brasileiros, os índices de cesarianas são até mesmo mais altos do que em hospitais públicos, chegando a uma média de 84,6%. O procedimento é mais lucrativo para essas instituições, que precisam pensar no dinheiro, e mais conveniente para os médicos, que não precisam esperar por horas pelo processo natural do parto.

Assim, as cesáreas são recomendadas rotineiramente por uma série de pretextos, muitos deles tão implausíveis como: alergia a placenta, asma, escoliose, gengivite, bebê cabeludo demais, partida de futebol entre Atlético e Cruzeiro e, a mais criativa de todas, a teoria de que a evolução tornou o corpo feminino incompatível com o parto.

Cirurgia é a regra; parto vaginal, a exceção.

Então, quando expressei minha vontade de deixar a natureza seguir seu rumo antes do nascimento de minha filha, dois meses atrás, minha ginecologista-obstetra disse que ela consentiria “somente se tudo corresse perfeitamente até a data do parto”.

Ela não parecia notar que sua lógica estava invertida: o parto natural é que deveria ser a norma, a menos que houvesse algo de errado. Mas talvez isso fosse esperado de uma médica que, de acordo com números do meu plano de saúde, tem uma taxa de 80% de cesáreas. Quando perguntei por que ela não havia feito mais partos vaginais, ela disse que hoje em dia a maioria de suas pacientes enfrentavam complicações durante a gestação. Aparentemente o Brasil é o país das anomalias estatísticas.

Nós, que queremos um parto normal, muitas vezes precisamos recorrer a pequenas casas de parto com uma equipe de parteiras e enfermeiras, onde não costuma haver anestesia disponível, ou a hospitais públicos, onde, de acordo com um estudo da Fundação Perseu Abramo, as mulheres têm maior probabilidade de sofrer violência obstetrícia, ou seja, agressões físicas, sexuais e verbais da equipe médica durante o parto.

Uma terceira opção é contratar uma “equipe de parto” completa com profissionais particulares (composta de um obstetra ou uma parteira, uma enfermeira, uma doula, um anestesista e um neonatologista) que atende a paciente em casa ou em um hospital particular. Mas a maioria das mulheres não têm condições de pagar seus honorários, que giram em torno de US$ 4.000 (R$ 16,5 mil).

De qualquer forma, é necessário se preparar antecipadamente. Eu, por exemplo, li o “Intrapartum Care for a Positive Childbirth Experience” da OMS (ou “Cuidados para uma Experiência de Parto Positiva”). Também é preciso registrar um plano de parto com suas escolhas a respeito do processo.

O meu continha exigências que deveriam ser óbvias, tais como a possibilidade de se movimentar livremente durante o trabalho de parto, escolher a posição do expulsivo e ter a presença do meu marido na sala, além de uma longa lista de intervenções rotineiras – mas possivelmente prejudiciais – que eu não queria, como depilação pubiana, enema para evacuação e ruptura artificial de membranas.

Em minhas pesquisas também descobri que não existem indícios suficientes da eficácia de um procedimento chamado episiotomia, uma incisão cirúrgica da vagina feita supostamente para proteger o assoalho pélvico de lacerações. O procedimento foi amplamente adotado no passado, mas seu uso tem se reduzido continuamente ao longo das quatro últimas décadas, uma vez que os estudos têm mostrado que ele não somente não traz benefícios como também pode até contribuir para lacerações mais graves e disfunção do assoalho pélvico. Mas no Brasil as episiotomias ainda são realizadas em 53,5% dos partos.

Quando minha obstetra disse: “Eu faço episiotomias todas as vezes”, decidi procurar outro médico. (Ela também disse: “Ninguém merece um parto de 12 horas, certo?”, ainda que eu não fosse me incomodar com isso.)

Em vez de uma equipe inteira, decidi contratar somente um obstetra e uma enfermeira, que seriam complementados pela equipe do hospital. As contrações começaram em uma manhã de domingo, no meio de uma partida da Copa do Mundo entre a Inglaterra e o Panamá. Eu estava em casa quando comecei a me sentir estranha e pingar um pouco de sangue.

Quando começou a partida entre Japão e Senegal, eu já estava vomitando suco de laranja e ligando para a enfermeira desesperadamente. A certa altura vi um urubu preto pousando sobre o telhado do prédio vizinho. (É sério.)

Quando a enfermeira chegou, quatro horas após o início do trabalho de parto e várias duchas quentes depois, eu estava com quase 8 cm de dilatação. Corremos para um dos hospitais cobertos pelo meu plano de saúde (com uma taxa de 88% de cesáreas), onde me deram uma anestesia combinada de duplo bloqueio que me devolveu a alegria de viver.

A próxima etapa envolveu sete horas de exercícios, massagens e alguns passos de lindy hop ao som de “Fly Me to the Moon”. A equipe do hospital às vezes caía nos mesmos procedimentos de rotina incutidos neles por milhares de cesarianas: a obsessão com a assepsia, por exemplo, era absurda. Lembro-me claramente de uma enfermeira que tentava trocar um lençol sujo embaixo de mim enquanto eu tentava me concentrar em uma contração, embora já houvesse muito sangue e vômito por toda parte. Mais tarde vieram verificar, várias vezes, pontos cirúrgicos que não existiam.

Durante todo o processo, o anestesista do hospital não me deixou comer ou beber nada, para o caso de eu precisar de uma cesárea. (Uma revisão feita recentemente pela Cochrane, uma organização independente internacional que produz avaliações sistemáticas de evidências sobre tratamentos de saúde, não encontrou nenhum indicativo que justificasse esse protocolo.)

Quem poderia imaginar que, em jejum, passar várias horas em trabalho de parto começaria a soar impossível e uma cesárea começaria a parecer uma escolha sensata? Felizmente minha obstetra conseguiu contrabandear para o quarto vários copos de água e gelatina de pêssego, e foi assim que consegui dar à luz minha filha Mabel: com a ajuda de anestesia, exercícios e gelatina. Era quase meia-noite.

O fato de eu conseguir fazer isso sozinha e imediatamente segurar Mabel em meus braços, amamentando-a por quase uma hora, era um pequeno milagre em um cenário tão medicalizado e paternalista.

É uma pena que seja necessário tanto esforço, dinheiro e conhecimento para que uma mulher consiga ter o que deveria ser normal. Afinal, um parto vaginal é o desejo de 72% das mulheres brasileiras no começo de suas gestações; nos meses seguintes muitas delas são convencidas a fazerem cesáreas, às vezes só pela conveniência de seus médicos.

Pensando bem, isso não surpreende em um país onde o aborto ainda é ilegal. No parto, assim como em tantas outras questões relacionadas aos direitos da mulher, todos querem opinar sobre o que deveríamos fazer. Aqui, o verdadeiro milagre é uma mulher ser ouvida.


* Vanessa Barbara, colunista de opinião, é editora do site literário A Hortaliça e autora de dois romances e de duas obras de não ficção em português.

Este texto foi publicado em inglês na página A23 da edição nacional do The New York Times de 28 de agosto de 2018, com o título: Land of the C-Section.

Le1 (France)
3 Octobre 2018

Vanessa Barbara

J’AI UN NEVEU DE 8 ANS qui s’appelle Augusto. Comme tous les neveux de 8 ans, un de ses principaux passe-temps est de casser des choses : des roues de petites voitures, des lampes torches, un arbre de Noël, un bras de superhéros qu’il a jeté du haut du balcon… À chaque fois que ça arrive, comme quand un verre tombe et se brise en mille morceaux, la solution est la même : « Oh, mamie va réparer ! » (Mamie – ma mère, en l’occurrence – est connue pour ses capacités à coller, visser, remboîter et rafistoler les jouets.)

La situation ressemble à ce qui se passe au Brésil depuis quelques semaines. D’abord, la candidature de Luiz Inácio Lula da Silva, du Parti des travailleurs, a été bloquée par le Tribunal suprême électoral. Ensuite, les candidats du centre ont échoué à engranger des voix. Quand, donc, les sondages ont révélé que Bolsonaro – une vieille figure de l’extrême droite – se trouvait en tête des intentions de vote du premier tour de la présidentielle, le pays a réagi comme un petit garçon tout gêné après avoir fait tomber un vase. « Mamie va le réparer », dirent les Brésiliens à l’unisson.

À moins d’un mois des élections, un contingent énorme de grands-mères, de mères et de filles sont venues à la rescousse pour réparer les dégâts. Aux yeux d’une grande partie des femmes, la pire chose qui puisse arriver serait que Bolsonaro devienne président. Selon une étude récente de l’Ibope (Institut brésilien de l’opinion publique et de la statistique), 54 % des Brésiliennes ne voteraient jamais pour ce candidat. Parmi les électeurs de sexe masculin, seuls 37 % ont manifesté leur rejet.

Jair Bolsonaro est un ancien capitaine de l’armée brésilienne qui a été député fédéral pendant vingt-six ans. Au cours de cette période, il n’a voté que deux projets de loi, ainsi qu’un amendement constitutionnel exigeant l’émission de reçus lors des votes sur les urnes électroniques. Mais pour ses électeurs, cela ne change rien. Plus que son implication parlementaire, il est connu pour ses opinions en faveur de la torture et du coup d’État militaire de 1964, qui instaura une dictature de vingt années au Brésil. Il a dit par le passé que, s’il était président, il fermerait le Congrès et organiserait un coup d’État « le jour même ».

Le slogan de sa coalition est : « Le Brésil au-dessus de tout, Dieu au-dessus de tous. » Pour lui, « cette histoire d’État laïc, c’est n’importe quoi. L’État est chrétien et la minorité qui serait contre, qu’elle s’en aille. » Et d’ajouter : « Les minorités doivent s’incliner devant les majorités. »

Il ne faut donc pas s’étonner de son long passif de mépris et de commentaires désobligeants à l’égard de plusieurs segments de la population, et pas seulement des femmes. Il a déjà affirmé, par exemple, qu’il préférait que son fils meure dans un accident plutôt qu’il soit homosexuel. Il a qualifié les Amérindiens de « gens qui puent » et les réfugiés de « scories du monde ». Il y a quelques années, il a traité une députée fédérale de traînée et lui a dit qu’il ne la violerait pas parce qu’elle « ne le méritait pas », car elle était « très laide ». Il a aussi avoué qu’il paierait un salaire moins élevé à une femme car elle peut tomber enceinte.

Bolsonaro se vante de ne posséder qu’une compréhension superficielle de l’économie. Il veut autoriser le port d’armes pour les citoyens, défend la castration chimique pour les violeurs et dit que la police militaire brésilienne, une de celles qui tuent le plus au monde (1), « devrait tuer encore plus ».

C’est pour toutes ces raisons que les femmes ont décidé de prendre position. Le 30 août, une publicitaire de Bahia a créé un groupe Facebook appelé « Femmes unies contre Bolsonaro » qui, en quelques semaines, a atteint les 3 millions de participants. Ce groupe a été à l’origine du hashtag #EleNão (#PasLui) sur Twitter et a entraîné des manifestations massives qui ont rempli les rues de plusieurs villes du Brésil le 29 septembre.

Cette initiative a incité d’autres catégories de la population à se révolter contre le candidat. Nous avons vu par exemple une mobilisation des fonctionnaires contre Bolsonaro. Et aussi des couturières. Par un effet domino, d’autres groupes ont suivi : des scientifiques, des bibliothécaires, des enseignants, des médecins, des sages-femmes, des banquiers, des écrivains, des écologistes, des funkeiros (2), des cinéphiles, des brodeuses, des fumeurs de shit et des policiers antifascistes.

Même les adeptes du zen ont perdu patience. Un professeur a créé l’événement « Yoga et yogis contre Bolsonaro », exprimant son refus « de principes qui heurtent la culture de paix du yoga ».

Sur Facebook, 37 000 personnes ont manifesté leur intérêt pour l’événement « Les plantes contre Bolsonaro », qui avait comme slogan : « Pas même une laitue ne voudrait de ce candidat comme président. » Le mouvement « Les chiens contre Bolsonaro » a réuni 40 000 intéressés sur les réseaux sociaux. Quant au groupe « Sorcières contre Bolsonaro », il a rassemblé des milliers de féticheuses bien décidées à conjurer le péril à force de sortilèges et de coups de balai.

Un des événements les plus populaires a été « Psychologues contre Bolsonaro », dont on a profité pour qualifier de « profondément phallique » l’attirance du candidat pour les armes, et diagnostiquer une « confusion complète entre les stades oral et anal » dans son discours.

Dans le domaine de la musique, nous eûmes « Les joueurs de triangle contre Bolsonaro » et « Les contrebassistes contre le fascisme »…

Comme on peut le voir, il a suffi que les femmes viennent à la rescousse et les choses ont commencé à revenir à la normale. On espère que, le 7 octobre, Jair Bolsonaro n’obtiendra pas assez de voix pour atteindre le second tour. Là, oui, nous pourrons respirer, soulagées. Parce qu’une démocratie brisée, il n’y a aucune mamie qui sait la réparer.


1. En 2017, les forces de police brésiliennes ont tué plus de 5 000 personnes, soit 2,4 victimes pour 100 000 habitants. L’écrasante majorité sont de jeunes hommes noirs.

2. Amateurs de funk, la musique phare des favelas.

Traduction par AURÉLIEN FRANCISCO BARROS & HÉLÈNE SEINGIER. Illustration Stéphane Trapier. 

Vanessa Barbara: Née en 1982 à São Paulo, cette journaliste brésilienne est notamment l’auteur des Nuits de laitue (Zulma, 2015), qui lui a valu en France le prix du premier roman étranger 2015.

Le1 (França)
3 de outubro de 2018

por Vanessa Barbara

Tenho um sobrinho de 8 anos chamado Augusto. Como todos os sobrinhos de 8 anos, um de seus principais passatempos é o de quebrar coisas: rodas de carrinho, lanternas portáteis, uma árvore de Natal, o braço de um super-herói que ele arremessou do alto de uma varanda. Sempre que isso acontece, como quando um copo vai ao chão e quebra em caquinhos, a solução é a mesma: “Ah, a vovó conserta”. (A vovó – no caso, minha mãe – é conhecida por sua competência em colar, aparafusar, encaixar e remendar os brinquedos.)

Pode-se dizer que a situação é parecida com o que tem acontecido no Brasil nas últimas semanas. Primeiro, a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, foi barrada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Depois, os candidatos de centro falharam em angariar votos. Quando, então, as pesquisas indicaram que o primeiro lugar na corrida presidencial era justamente Jair Bolsonaro – uma antiga figura da extrema direita –, o país agiu como um garotinho constrangido após derrubar um vaso. “A vovó conserta”, disseram os brasileiros em uníssono.

Faltando pouco mais de um mês para as eleições, um contingente enorme de avós, mães e filhas veio em socorro para consertar.

Na opinião de grande parte das mulheres, a pior coisa que pode acontecer é Bolsonaro se tornar presidente. De acordo com uma pesquisa recente do Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística), 54% das brasileiras jamais votaria no candidato. Entre os eleitores do sexo masculino, apenas 37% manifestou rejeição ao político.

Jair Bolsonaro é um ex-capitão do Exército que serviu como deputado federal por 26 anos. Durante esse período, aprovou apenas dois projetos de lei, além de uma emenda constitucional exigindo a emissão de recibos dos votos nas urnas eletrônicas. Mas nada disso faz diferença para seus eleitores. Mais do que pelo seu desempenho parlamentar, ele é conhecido por suas opiniões favoráveis à tortura e ao golpe militar de 1964, que instaurou uma ditadura de vinte anos no Brasil. No passado, ele já disse que, se fosse presidente, fecharia o Congresso e daria um golpe “no mesmo dia”.

O slogan de sua coligação é: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Para ele, “não tem essa historinha de Estado laico, não. O Estado é cristão e a minoria que for contra, que se mude”, conforme disse em um discurso. E completou: “As minorias têm que se curvar para as maiorias”.

Por isso não é de estranhar seu longo histórico de desrespeito e de comentários depreciativos a vários setores da população, não só às mulheres. Ele já afirmou, por exemplo, que preferia um filho morto em um acidente a um filho homossexual. Chamou os indígenas de fedorentos e os refugiados de “escória do mundo”. Anos atrás, xingou uma deputada federal de vagabunda e disse que não a estupraria porque ela “não merece”, por ser “muito feia”. Também confessou que pagaria um salário menor a uma mulher, pois ela pode engravidar.

Bolsonaro se gaba de possuir apenas um entendimento superficial de economia. Ele quer liberar as armas aos cidadãos, defende a castração química para estupradores e diz que a Polícia Militar brasileira, uma das que mais mata no mundo, “tinha que matar é mais”.

Por tudo isso é que as mulheres decidiram se posicionar. No dia 30 de agosto, uma publicitária da Bahia criou um grupo no Facebook chamado “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro”, que em poucas semanas chegou aos 3 milhões de integrantes. O grupo deu origem a uma hashtag no Twitter, #EleNão, que também viralizou. E, por fim, levou a um protesto massivo que ocupou as ruas de várias cidades do Brasil no dia 29 de setembro.

A iniciativa das mulheres também inspirou outras categorias a se levantar contra o candidato. Tivemos, por exemplo, uma mobilização de servidores públicos contra Bolsonaro. E também de costureiras. Em um efeito dominó, outros grupos se seguiram: cientistas, bibliotecários, professores, médicos, parteiras, bancários, escritores, ambientalistas, funkeiros, cinéfilos, bordadeiras, maconheiros e policiais antifascismo.

Até os praticantes do zen perderam a paciência. Um instrutor criou o evento “Yogas e yoguines contra Bolsonaro”, manifestando repúdio aos “princípios que ferem a cultura de paz do Yoga”. E prometeu entoar na rua algumas palavras de ordem: no caso, o mantra sagrado “Om Shanti”.

No Facebook, 37 mil pessoas se interessaram pelo evento “Plantas contra Bolsonaro”, que teve como slogan: “Nem uma alface quer o candidato como presidente”. O protesto “Cachorros contra Bolsonaro” reuniu 40 mil interessados na rede. Já “Bruxas contra Bolsonaro” agregou milhares de feiticeiras empenhadas em excomungá-lo com magias e vassouradas.

Um dos eventos mais populares foi “Psicólogas(os) contra Bolsonaro”, que aproveitou para classificar como “profundamente fálico” o apreço do candidato por armas e diagnosticou uma “completa confusão entre a fase oral e anal” em seu discurso. Na área da música, tivemos “Triangulistas contra Bolsonaro” e “Contrabaixistas contra o fascista”.

Uma vez que a onda começou, ninguém foi capaz de segurar: tivemos “Comedores de espetinho contra Bolsonaro”, “Pombos de Osasco contra Bolsonaro” e “Apreciadores de gim-tônica contra Bolsonaro”. E ainda: “Pessoas com tipoia contra Bolsonaro”, “Filhotes de Golden Retriever contra Bolsonaro” e até “Irredutíveis gauleses contra Bolsonaro” (em menção a Asterix).

Como se vê, bastou que as mulheres viessem em socorro e as coisas já começaram a entrar nos eixos. Espera-se que, no dia 7 de outubro, Jair Bolsonaro não consiga votos suficientes para ir ao segundo turno. Aí, sim, poderemos respirar mais aliviadas.

Porque diante de uma possível democracia partida, não há vovó que consiga consertar.


Nascida em 1982 em São Paulo, a jornalista brasileira Vanessa Barbara é autora do romance Nuits de laitue (Zulma, 2015), vencedor do prêmio de melhor romance estrangeiro de 2015, na França.

Brazilian presidential politics have spiraled into chaos. What’s a voter to do?

Hundreds of thousand of Brazilians demonstrated against the extreme right-wing presidential candidate Jair Bolsonaro with the motto #EleNão (#NotHim) in Sao Paulo on Saturday. Credit: Gustavo Basso / NurPhoto, via Getty Images

The New York Times
Oct 2., 2018

by Vanessa Barbara
Contributing Opinion Op-ed Writer

Leer en español

SÃO PAULO, Brazil — Last month, just a few weeks before voting day, Cabo Daciolo announced a new strategy for the presidential elections here: He would spend 21 days in the mountains fasting and praying.

Mr. Daciolo is one of a dozen candidates on the ballot for the first-round of the elections, which will take place Sunday, and hilltop retreats aren’t his only unconventional election strategy: He recorded a video asking his supporters to stop donating money to his campaign and, instead, to pray for the country. One of his priorities, he says, is to protect Brazil from the domination of “the bankers, the New World Order, the Illuminati and the Freemasonry.” Mr. Daciolo has also boldly denounced plans for the establishment of Ursal, the Union of Socialist Republics of Latin America — a supposed conspiracy to suppress all borders between our countries in order to make one single Communist Latin American nation, which is, um, not a thing.

Brazilians are bracing for the end of a peculiar election period.

Another candidate, former President Luiz Inácio Lula da Silva, the front-runner in the polls — up until at least a month ago, when his eligibility was rejected by the Supreme Electoral Court — has been in prison since April. Mr. da Silva, one of the most popular politicians in Brazil’s history, is serving a 12-year prison term for corruption and money laundering.

But his trial was controversial. About three-quarters of Brazilians think that powerful people just want to keep him out of the election, according to a survey by Ipsos, a research company. His supporters consider Mr. da Silva, the most prominent politician in the left-leaning Workers’ Party, a victim of a biased judicial system. They say the evidence against him was weak, largely based on unreliable testimony obtained through plea bargains.

In August, the United Nations Human Rights Committee, a panel of independent experts, requested that the government “take all necessary measures to ensure that Lula can enjoy and exercise his political rights while in prison.” According to the experts, Mr. da Silva should be allowed to run as a candidate in the 2018 presidential elections, “until his appeals before the courts have been completed in fair judicial proceedings.” Under the so-called Clean Slate Law, approved in 2010 by Mr. da Silva himself, candidates are barred from holding public office for eight years if a criminal conviction has been upheld on appeal. (Mr. da Silva’s conviction was upheld by a three-judge panel in January.)

Mr. da Silva was officially kicked out of the race at the end of August. The Workers’ Party has put forward a substitute, the former São Paulo mayor and national education minister Fernando Haddad, but Mr. Haddad has less than four weeks to present himself and his case to voters. In some regions of the country, Mr. Haddad is so unknown that voters have referred to him, not infrequently, by seemingly random other names, such as “Mr. Andrade” and “Mr. Adauto.”

The new front-runner in the polls is a former military officer, Jair Bolsonaro. He is a far-right candidate promising political renewal despite having served seven terms as a federal congressman. In 26 years, he wrote 171 bills, of which two became law. (He also proposed and won passage of a constitutional amendment requiring electronic voting machines to issue a paper receipt.)

He acknowledges that he has only a “superficial understanding” of economics, but this hardly matters to his voters, who love him despite — or is it because of? — his multiple remarks insulting women, blacks, gays, refugees and indigenous people. Mr. Bolsonaro has recently been spared by the Supreme Court from a charge of inciting hatred, but was ordered to pay a female lawmaker after he said in a newspaper interview that she was “very ugly” and not “worth raping.”

Despite his provocative rhetoric, it was startling when, on Sept. 6, Mr. Bolsonaro was stabbed during a campaign rally. The assailant claimed to be following the orders of God. The candidate suffered serious abdominal injuries and spent 23 days hospitalized. (The stabbing had little effect on polls.)

Mr. Bolsonaro is nostalgic for the years when Brazil was a dictatorship; he’s been crusading for a return to military rule for more than two decades. “We will never resolve serious national problems with this irresponsible democracy,” he said back in 1993. A recent article in The Economist called him, accurately, “a threat to democracy.” Last month, he made a live video from his hospital bed in which he cast doubt on Brazil’s electronic voting system. “In the second round, the major worry is not losing the vote, but losing to fraud,” he said. There is a concern that he might not accept the results of the election if he loses.

Mr. Bolsonaro’s voter rejection level, at 42 percent, is the highest of all the candidates, according to recent data from the polling firm Ibope. It’s so high that a Facebook group called Mulheres Unidas Contra Bolsonaro (Women United Against Bolsonaro) gathered 2.5 million members in a couple of weeks. On Twitter, the hashtag #EleNão (NotHim) quickly went viral. But rejection levels for the Workers’ Party and Mr. Haddad are also strong, at 29 percent, especially among elites.

So we have a candidate who has been praying in the mountains, an ex-candidate in prison, one whose name no one can remember, and another who may be plotting against democracy.

Personally, I would love to vote for the 36-year-old social activist Guilherme Boulos, one of the main leaders of Brazil’s Homeless Workers’ Movement and a new force on the left. His priority is combating social inequality by enacting progressive tax reform while increasing public investment in infrastructure, housing, health care and education. His agenda is way more radical and less compromising than the one of the Workers’ Party.

But, according to polls, fewer Brazilians intend to vote for him than even the monastic Cabo Daciolo, with his concerns about the Freemasonry and the Illuminati. Under Brazilian election rules, there will be a second-round runoff between the two top candidates if no one wins a majority of votes on Sunday. So what is a social-justice-loving Brazilian who doesn’t want to see her country set back by decades to do? At the moment, the best option for tactical voting is Mr. Andrade.

I mean, Mr. Haddad.

But it’s a pity to see that, even in such an odd election contest, more people will still vote for delusions than leftist ideals.


Ms. Barbara is an author and a contributing opinion writer. 

A version of this article appears in print on , on Page A27 of the New York edition with the headline: In Brazil, Delusions of Democracy.

Cientos de miles de personas en Brasil se manifestaron en contra del candidato de ultraderecha Jair Bolsonaro con la consigna #EleNão (Él no) en São Paulo, el 29 de septiembre de 2018. Credit: Gustavo Basso/NurPhoto, vía Getty Images

The New York Times

by Vanessa Barbara
Contributing Op-ed Writer

Read in English

SÃO PAULO — En septiembre, a pocas semanas de la primera vuelta electoral en Brasil, Cabo Daciolo anunció una nueva estrategia para las elecciones presidenciales: dijo que iba a pasar veintiún días de ayuno y rezo en las montañas.

Daciolo es uno de los más de diez candidatos presidenciales para la primera vuelta del 7 de octubre y sus retiros espirituales no son la única estrategia poco convencional. También grabó un video en el que les pide a sus partidarios que ya no donen fondos para su campaña sino que recen por el país. Dice que una de sus prioridades es proteger a Brasil de la dominación de “banqueros, el Nuevo Orden Mundial, los illuminati y los masones”. Daciolo, además, ha denunciado que hay planes para establecer la Ursal, Unión de Repúblicas Socialistas de América Latina; es una teoría de conspiración acerca de la eliminación de todas las fronteras entre los países para crear una sola nación comunista latinoamericana… y, claro, es algo que no existe.

Los brasileños ahora se preparan para el fin de un periodo electoral muy peculiar.

Otro candidato, el expresidente Luiz Inácio Lula da Silva —quien lideraba en las encuestas hasta hace un mes, cuando fue inhabilitado por el Tribunal Supremo Electoral— ha estado en prisión desde abril. Lula, uno de los políticos más populares de la historia brasileña, cumple una condena de doce años por cargos de corrupción y lavado de dinero.

Aunque su juicio fue controversial. Alrededor de tres cuartos de la población brasileña cree que los poderosos solamente quieren evitar que participe en la campaña, de acuerdo con una encuesta de la empresa de investigación Ipsos. Sus partidarios creen que Lula, la figura más destacada del Partido de los Trabajadores (PT), es víctima de un sistema judicial sesgado. Dicen que la evidencia en su contra era insuficiente y que fue obtenida en buena medida por testimonios no confiables de personas que hablaron a cambio de sentencias reducidas.

En agosto, el Comité de Derechos Humanos de la ONU, un pánel de expertos independientes, solicitó que el gobierno “tomara todas las medidas necesarias para asegurarse de que Lula pueda disfrutar y ejercer sus derechos políticos estando en prisión”. De acuerdo con los expertos, Lula sí debería poder postularse para las presidenciales “hasta que sus apelaciones ante todas las cortes sean completadas en procesos judiciales justos”. Con la llamada ley de ficha blanca, aprobada en 2010 por el mismo Lula, los candidatos tienen prohibido tener cargos públicos durante ocho años si se ha mantenido una condena penal después de una apelación. (El caso de Lula fue confirmado por un pánel de tres jueces en enero).

Lula fue oficialmente expulsado de la contienda en agosto. El PT postuló a un sustituto, el exalcalde de São Paulo y exministro de Educación Fernando Haddad, pero a él le quedan menos de cuatro semanas para presentarse a sí mismo a los votantes si es que llega a haber una segunda vuelta. En algunas regiones del país, Haddad es alguien tan poco conocido que los votantes se han referido a él por otros nombres como “Andrade” y “Adauto”.

El nuevo puntero en las encuestas es el antiguo oficial militar Jair Bolsonaro. Es un candidato de ultraderecha que promete una renovación política pese a que él mismo ha sido siete veces diputado federal. En veintiséis años en ese cargo escribió 171 proyectos y solo dos se volvieron ley. (También propuso y consiguió que se aprobara una enmienda constitucional para que se obtenga un recibo en papel tras usar las máquinas de voto electrónico).

Bolsonaro reconoce que solo tiene un “entendimiento superficial” de la economía, pero eso le importa poco a sus votantes, que lo aman pese a —¿o será justamente debido a?— sus múltiples declaraciones insultando a mujeres, afrobrasileños, personas homosexuales, refugiados e indígenas. Bolsonaro se salvó hace poco de enfrentar cargos de incentivar el odio por el Tribunal Supremo, pero le ordenaron pagarle a una legisladora sobre la que dijo en una entrevista que era “muy fea” y alguien a quien no “valdría la pena violar”.

Pese a su polémica retórica, fue sorpresivo que Bolsonaro fuera apuñalado en un mitin el pasado 6 de septiembre. El sospechoso asegura que seguía las órdenes de Dios. El candidato sufrió heridas abdominales severas y pasó veintitrés días en un hospital. (El apuñalamiento no parece haber tenido mucho efecto en los sondeos).

Bolsonaro se ha mostrado nostálgico por aquellos años en los que Brasil era una dictadura; durante más de dos décadas ha abogado por el regreso de un gobierno militar. “Nunca resolveremos los serios problemas nacionales con esta irresponsable democracia”, dijo en 1993. La revista The Economist lo calificó en un artículo reciente, de manera fiel, como “una amenaza a la democracia”. En septiembre transmitió en vivo desde su camilla en el hospital y arrojó dudas sobre el sistema de votación electrónica de Brasil. “En la segunda vuelta la principal preocupación no es perder el voto, sino perder por fraude”, dijo. Hay preocupaciones de que se niegue a aceptar los resultados de la elección en caso de que pierda.

El nivel de rechazo de los votantes hacia Bolsonaro, de 42 por ciento, es el más alto para todos los candidatos, de acuerdo con la encuestadora Ibope. Es una cifra tan alta que un grupo llamado Mulheres Unidas contra Bolsonaro (Mujeres unidas en contra de Bolsonaro) sumó 2,5 millones de integrantes en tan solo unas semanas. En Twitter, la etiqueta #EleNão (Él no) se volvió viral. Pero los niveles de rechazo al PT y a Haddad también son altos, de un 29 por ciento, sobre todo entre las élites.

Así que tenemos a un candidato que está rezando en las montañas, un excandidato en prisión, uno cuyo nombre nadie recuerda y otro que parece estar haciendo planes en contra de la democracia.

Personalmente, me encantaría votar por un activista social de 36 años llamado Guilherme Boulos, uno de los principales líderes del movimiento de Trabajadores Sin Techo y una fuerza emergente de la izquierda. Su prioridad es combatir la inequidad social al aumentar la inversión pública en infraestructura, vivienda, salud y educación. Su agenda política es mucho más radical que la del PT.

Pero según las encuestas hay menos brasileños que pretenden votar por Boulos que por el monástico Cabo Daciolo y sus preocupaciones sobre los masones y el iluminado. Las leyes electorales brasileñas establecen que debe haber un balotaje si ningún candidato consigue la mayoría de los votos este domingo. Entonces, ¿qué debe hacer algún brasileño que sí quiera justicia social y no quiera ver retroceder a su país? Por el momento, la mejor opción es un voto táctico por Andrade.

Digo, por Haddad.

Es una lástima que así sea y que en una campaña tan extraña más gente aún quiera votar por las ilusiones que por ideales de la izquierda.

Alexis Jang

The New York Times
Aug. 28, 2018

by Vanessa Barbara
Contributing Opinion Op-ed Writer

SÃO PAULO, Brazil — It takes determination to have a normal childbirth in Brazil, and I’m not talking about just getting through labor.

My country has one of the highest rates of cesarean sections in the world: In 2015, they accounted for 55 percent of all births. (By comparison, that same year, the United States had a C-section rate of 32 percent, while in Sweden, they accounted for just 17.4 percent of births.) Sure, C-sections are necessary and lifesaving in certain situations, like cord prolapses or placental abruptions. But according to the World Health Organization, once C-section rates climb higher than 10 percent, there is no evidence that they help reduce maternal and newborn mortality; on the contrary, the surgery can lead to significant complications, which is why the W.H.O. recommends it only be undertaken when medically necessary.

That’s definitely not the case here. In Brazilian private facilities, C-section rates are even higher than in public hospitals, reaching 84.6 percent. The procedure is more profitable for these institutions, which must think about money, and more convenient for doctors, who don’t have to wait hours for the natural processes of labor to unfold. And so, C-sections are routinely prescribed under an endless number of pretexts, many of them as implausible as: placental allergies, asthma, scoliosis, gingivitis, an excessively hairy baby, a soccer match between Atlético and Cruzeiro, and — most creative of all — the assumption that evolution made the female body incompatible with labor.

Surgery is the rule; vaginal childbirth is the exception.

So when I expressed my desire to let nature take its course ahead of the birth of my daughter two months ago, my ob-gyn told me she would assent “only if everything goes perfectly until the due date.” She didn’t seem to notice that her logic was inverted — natural labor should be the default unless something goes wrong — but perhaps that was to be expected from a physician who, according to insurance records, has an 80 percent C-section rate. When I asked why she hadn’t overseen more vaginal births, she said that nowadays, most of her patients face complications in their pregnancies. Brazil, it seems, is the land of statistical anomalies.

Those of us who want a normal delivery must often resort to small birthing centers with a staff of midwives and nurses, where epidurals are usually not available, or to public hospitals, where, according to a study by the Brazilian think tank Fundação Perseu Abramo, women are more likely to suffer obstetric violence — that is, physical, sexual, and verbal abuse from medical staff during labor. A third option is to hire a whole “birth team” of out-of-network professionals (composed of an obstetrician or midwife, a nurse, a doula, an anesthetist and a neonatologist) who attend to the patient at her home or in a private hospital. But most women cannot afford their fees, which hover around $4,000.

In any case, it’s necessary to prepare beforehand — I, for instance, read the W.H.O.’s “Intrapartum Care for a Positive Childbirth Experience” — and write down a birth plan with one’s choices concerning labor and delivery. Mine contained demands which should be self-evident, such as the ability to move around freely during labor, to choose the delivery position, and to have my husband present in the delivery room, as well as a long list of potentially harmful, but nonetheless routine interventions that I didn’t want, such as pubic shaving, the administration of an evacuation enema, and the artificial rupture of membranes.

In my research I also learned that there is a lack of evidence for the effectiveness of a procedure called an episiotomy, a surgical incision of the vagina that is performed to, supposedly, protect the pelvic floor from lacerations. The procedure was widely adopted in the past, but has undergone a steady decline over the last four decades as studies have shown that it not only does not provide benefits, but might even contribute to more severe lacerations and pelvic floor dysfunction. But in Brazil, episiotomies are still performed in 53.5 percent of births.

So, when my ob-gyn said, “I do perform episiotomies, every time,” I decided to find another doctor. (She also said, “Nobody deserves a 12-hour labor, right?” even though I would have been fine with it.)

Instead of a whole team, I decided to hire only an obstetrician and a nurse, who would be complemented by the staff at the hospital. The contractions began on a Sunday morning, in the middle of the World Cup match between England and Panama. I was at home when I started to feel weird and spotted some blood. By the time Japan vsSenegal had begun, I was vomiting orange juice and frantically calling the nurse. At some point, I saw a black vulture landing on the roof of a neighboring building (seriously).

When the nurse arrived, four hours into the start of labor and many hot showers later, I was almost 8 centimeters dilated. We rushed to one of the hospitals in my insurance plan’s network (with a C-section rate of 88.8 percent), where they gave me a combined spinal-epidural block that made life beautiful again.

The next stage took seven hours of exercises, massages, and a few lindy hop steps to the sounds of “Fly Me to the Moon.” The hospital staff sometimes fell into the same routine procedures drilled into them by thousands of C-section births: The obsession with sterility, for example, was absurd. I clearly remember a nurse aimlessly trying to change a dirty sheet under me while I tried to concentrate on a contraction, even though there was already blood and vomit everywhere in the room. Later, they would check me over many times for surgery stitches that didn’t exist.

During the whole process, the hospital’s anesthesiologist wouldn’t allow me to eat or drink anything, just in case it turned out I needed a C-section. (A recent review by Cochrane, a global independent organization that produces systematic assessments of evidence on health care, found no evidence supporting this protocol.) Who could have guessed that without any food, enduring hours of labor would start to feel impossible and a cesarean would start to look like a sensible choice? Luckily my obstetrician smuggled in several cups of water and peach Jell-O, and that was how I managed to deliver my daughter, Mabel: with the help of anesthetics, exercise and Jell-O. It was almost midnight.

The fact that I could do this by myself, and then immediately hold Mabel in my arms and nurse her for an hour was a little miracle of its own in such a medicalized, paternalistic setting. It’s a shame that it takes so much effort — and money, and knowledge — for a woman to get what should be normal. A vaginal birth is, after all, the wish of 72 percent of Brazilian women at the beginning of their pregnancies; then so many of them are persuaded to have a C-section in the months that follow, sometimes only for the convenience of their doctors.

But when you think about it, this is not a surprise in a country where abortion is still illegal. On childbirth, as on so many other matters concerning women’s rights, everybody wants to have a say in what we should do. Here, the real miracle is a woman being heard at all.


Vanessa Barbara, a contributing opinion writer, is the editor of the literary website A Hortaliça and the author of two novels and two nonfiction books in Portuguese.

A version of this article appears in print on , on Page A23 of the New York edition with the headline: Land of the C-Section.

Credit: Zeloot

The New York Times
June 18, 2018

by Vanessa Barbara
Contributing Opinion Op-ed Writer

SÃO PAULO, Brazil — Brazil becomes an odd place during the World Cup.

People are given time off from work when the national team is playing, so that they can go home and blow horns for three hours straight. Media coverage becomes even more soccer-oriented than usual: Topics like why Brazil’s mascot (Canarinho Pistola, whose name roughly translates as “easily pissed-off canary”) is better than FIFA’s official 2018 one (Zabivaka, a soccer-playing wolf) are suddenly deemed newsworthy. Politics grinds almost to a halt, even though every World Cup year is also a major election year. For a month, everything happens against a backdrop of soccer-related euphoria.

That worries me, because my daughter is due to be born on June 22, the day Brazil plays Costa Rica. It’s true that the exact date cannot be predicted, but she’ll certainly arrive sometime during the tournament. And everybody knows it’s easier to give birth on your own (with the help of some YouTube instructional videos) than it is to get the attention of any Brazilian during the World Cup — this applies to taxi drivers, to the staff in the hospital and even to the baby herself.

I know this because I was born during Brazil’s game against the Soviet Union in the 1982 World Cup, in Spain. It was an arduous childbirth — and it didn’t help matters that it coincided with an arduous match, making it the worst timing ever.

That day, my mother started to feel mild contractions in the morning and went to the hospital around noon, driven by my father and grandfather. After filling out admissions paperwork, she casually suggested that the two of them should go home, because everything would probably take some time. She didn’t even have the chance to repeat these words before they were gone; the first match of the day, Italy versus Poland, had already begun, and it would be followed by Brazil versus the U.S.S.R. at 4 p.m. My grandmother was mortified when she saw the two men coming home alone, but she couldn’t persuade them to go back.

While Italy and Poland faced off in a tedious and ultimately scoreless match in the city of Vigo, my mom dressed in a hospital gown and laid back on a table, where apparently, a team of nurses helped break her water. (She’s not sure of this, since nobody said anything about the procedure, but as soon as she got up, there was a puddle on the floor.) They then took her to a small room surrounded by glass windows. She settled in, and the nurses left to go about their work, pausing periodically in a TV room nearby, where the Brazil versus U.S.S.R. match was about to begin.

Those first few hours didn’t go smoothly. It was my mother’s first time going through normal labor — my older brother was born via a speedy C-section right after she ate eight slices of pizza — and she wasn’t quite prepared for what to expect. As the pain got more intense, she tried to breath through it and imagined she was somewhere else.

At the Ramón Sánchez Pizjuán Stadium, in Seville, things weren’t going well either. Local fans, who’d started out rooting for Brazil, changed their minds at the 17-minute mark, when the referee failed to award a penalty to the Soviets after one of our players pulled down one of their forwards as he was about to shoot. Spanish fans booed loudly and started to shout “Fuera Brasil!” (Out Brazil!)

As the pain became overwhelming, “I started to flail my arms and legs awkwardly,” my mom told me later. Brazil’s national team seemed to follow similar tactics, running aimlessly around the field and misplacing even the easiest passes. They also collided countless times with the photographers gathered around the pitch. Everything was falling apart. That year, Brazil had put together one of our best teams in history, but come game day, the players were acting as if they’d been taken by surprise by a sudden increase of prostaglandins and a baffling cervical dilation.

At the 34-minute mark, the Soviets took one lazy shot at the goal, which our goalkeeper let slip through his hands with equal laziness. The score was now 1-0, them. In São Paulo, my mom — scared and alone and epidural-less — was in despair. Unfortunately, the women in my family are very restrained — I’m trying to correct this terrible flaw for the next generation — so she didn’t scream. She just feverishly hoped that someone would appear to take care of her.

But the second half had just begun in Seville, and finally things were starting to look auspicious: Brazil went on the attack and local fans resumed their cheering. “I really don’t know what time it was, but somebody in the TV room finally saw me floundering and came to help,” my mom said.

Nobody told her anything about how dilated she was (nor did they tell her the score), but they did put her on the gynecological table, where two nurses covered her knees with a blue cloth. The obstetrician told her to push, but by then she was too exhausted to even breathe. She got an episiotomy. One of the nurses put her hands on my mother’s belly and started to help her.

I like to think that I was born at the exact moment when Doctor Sócrates — one of our most beloved players, a midfielder who was also a political activist and had a bachelor’s degree in medicine — dribbled past two Soviets, stabilized the ball as if preparing a patient for a surgery and shot it into the corner of the net. By then, my head had already emerged — or so I imagine — but at 7.5 pounds and 18 inches, I had to really stretch to see into the TV room and watch the Doctor’s feat, and as a result, I made it the rest of the way into the world (and immediately became a fan of Corinthians, the team for which he played.) Nobody heard me cry, because they were too busy celebrating.

“It’s a little girl,” the nurses announced. Doctor Sócrates marked the occasion by holding his fists up high in a gesture of victory.

The nurses cleaned me off, wrapped me up and showed me to my mother as if I were the original Jules Rimet Trophy. My mother’s first impressions of me were that of a cute, if very hairy, little baby. But I was born with jaundice and had to be quickly taken to the nursery for phototherapy. As my mother delivered the placenta and nurses sutured the cut, she heard some other shouts that could have been reactions to Brazil’s second and winning goal. Or not. It’s impossible to know for sure the chronology of that afternoon’s events.

All we know is that my father and grandfather came back after the end of the match and they were both very pleased with the efforts of our national team.


Vanessa Barbara, a contributing opinion writer, is the editor of the literary website A Hortaliça and the author of two novels and two nonfiction books in Portuguese.

A boy from Santa Marta favela with his Panini World Cup sticker book, Rio de Janeiro, Brazil, 2014. Photo by Mario Tama/Getty Images

 

The New York Review of Books (Daily)
June 15, 2018

by Vanessa Barbara

Every four years, Brazil is transformed by a sportive Midas touch that turns everything into apolitical emptiness. It sweeps our country with a force almost too strong to resist.

We puff up our chests and recall that we are the only country that has attended every single FIFA World Cup since its beginning in 1930 (a distinction we have held alone since 1950, when Romania did not enter the competition and France withdrew). We have also won the championship five times. And although Brazil has never gotten a Nobel prize—just three Ig Nobels and too many Darwin Awards—at least on the soccer field we can proudly face first-world countries such as England, France, Italy, Germany, and Spain. The nation is now facing a major political and economic crisis with no end in sight, but suddenly, this became only a minor nuisance. It’s like a collective shout of substitution: out go social equality, political stability, and true democracy; in come Pelé, Ronaldo, and Neymar to let us brag to the rest of the world.

So we celebrate as loudly as we can.

We paint our streets in yellow and green and decorate them with long strings of tiny paper flags. We buy pernicious plastic horns, metallic wigs, silly hats, yoyos, napkins, balloons, foam spray, pom-poms, and even an angry yellow canary costume. We take part in sweepstakes and lose serious money trying to predict the results of Morocco vs. Iran. On days of matches involving the national team, people leave work early, streets empty, and I wouldn’t be surprised if the crime rate also goes down, with a welcome day off for delinquents.

Months before the main event, the World Cup insanity kicks off with the arrival of a new edition of the championship sticker album: according to Panini, the Italian company that makes the booklet, Brazil is its biggest market, with twice as many sales as in Germany. A local factory produces 8 million envelopes a day for distribution at newsstands. In public squares and shopping malls, children and adults alike engage in feverish trading of stickers of all the players in the tournament, and many collectors resort to the “black market” to get their favorites. (The special team badges “shiny” stickers are the most desired.) Beyond buying and swapping stickers, it is also possible to win them in traditional matches of bafo, in which a player has to slap a stack of stickers turned face down, and if he manages to turn over one or more of them, he can claim those and add them to his cache. It takes a lot of wrist training to master the technique and one can easily lose one’s entire hand to a dexterous eight-year-old.

In 2014, thieves stole 300,000 stickers in a dramatic heist of a Panini delivery truck in Rio de Janeiro. Four years before that, five burglars broke into a Santo André distribution center, held up a security guard, and plundered 135,000 stickers. Today, the whole operation runs with escorts of private security guards and federal highway police. That’s how seriously we take the World Cup.

All this quadrennial euphoria, amusing as it is, leaves little time for people to concentrate on other issues, such as the huge recent FIFA corruption scandals, or the fact that hosting the championship is bound to be an economic and social failure for the host nation’s population, especially in countries with struggling economies like Russia and Brazil. Brazil, in particular, has barely begun to recover from the burdens of hosting both the 2014 FIFA World Cup and the 2016 Summer Olympics—and here we are again, painting our nails in yellow and green to show our support for the mythological heroes of the national team.

Brazil is currently immersed in a huge economic and political crisis, to the extent that nobody knows for sure if the scheduled presidential elections will even take place this year. The clear frontrunner in opinion polls, Luiz Inacio Lula da Silva, the former president and legendary labor leader, was recently convicted on a graft charge, and in second place is a far-right politician, a former military officer with a long history of making derogatory remarks about women, blacks, and homosexuals. For months now, there has been speculation about the looming threat of a military coup. The incumbent president, Michel Temer, who took over the post after a controversial process of impeachment against a democratically-elected head of state, has an approval rating of 3 percent—lower, almost, than the poll’s margin of error.

Approaching the start of the tournament, Brazil’s media outlets have been more and more dominated by sports news. Suddenly, the new hot topics are the World Cup Muse, a supposedly clairvoyant cat with a talent for predicting game outcomes, and a fanatic who covered his VW beetle with 15,000 soccer stickers. We also get endless talk shows about everything from the Brazilian goalkeeper’s hairdresser to the probable starting lineup (composed almost entirely of Europe-based players).

For the first time in years, people are confident about the squad. Commentators love Brazil’s coach, Tite, as well as the team’s biggest star, Neymar. Besides our other world-class players, we can always count on the blessed presence of Jesus—the forward Gabriel Jesus. There is a growing sense of the possibility of redemption by avenging that 7-1 home defeat against Germany in the semifinals of the last World Cup.

But most of the sports coverage provides an illusion of living in an extraterrestrial bubble (even when the World Cup was on our own turf). Criticizing the event in any way is treated as incomprehensible or heretical, or even as tantamount to rooting against the national interest. That’s how Brazilians carry on, with a totally dissociative attitude that isolates sports and politics, as if the only option in the circumstances were to be “pro” or “con” soccer itself.

So far, the run-up to this World Cup has strayed little from the usual. That’s why, whether Brazil succeeds or fails in Russia, the outcome will be equally permeated with an old bittersweet flavor: the feeling that we are second-class citizens of the world trying to look the other way, in the hope that the euphoria of the next four weeks might extend to months or years, maybe a whole lifetime.

“I want to live in a World Cup,” my brother said a while ago. That’s the spirit.


Vanessa Barbara is a contributing opinion writer for The New York Times, and the author of two novels and two nonfiction books in Portuguese. (June 2018)

Follow Vanessa Barbara on Twitter: @vmbarbara_.

 

Uol Esporte – Especial Copa do Mundo
2 de junho de 2018

por Vanessa Barbara

Gosto de pensar que nasci no exato instante em que o doutor Sócrates driblou dois soviéticos, preparou a bola como se estivesse em uma cirurgia e chutou de fora da área, bem no ângulo do goleiro Dasayev. Foi no jogo de estreia do Brasil na Copa da Espanha, em 14 de junho de 1982. Mas minha mãe, por motivos compreensíveis, não se lembra do ocorrido com tanta precisão cronológica, e meu pai e minha avó tampouco conseguem acrescentar qualquer fidedignidade ao relato. Os documentos do hospital fornecem um horário desencontrado no registro do nascimento – três e meia da tarde –, que ainda por cima é assinado por um carimbo do meu pé, o que, convenhamos, não dá para ser levado a sério.

De modo que os leitores terão de aceitar a palavra da protagonista do incidente, que garante: vim ao mundo segundos após um arremesso lateral de Leandro, quando a bola ficou quicando entre os zagueiros na área soviética até cair graciosamente nos pés de Sócrates, que vinha trotando do meio do campo. Como era de se esperar, eu, com meus 3,4 kg e 47 centímetros de comprimento, fui obrigada a me esticar inteira, na tentativa de espiar o lance. E foi quando nasci: no potente chute de direita do capitão do time que deu o empate ao Brasil naquela tarde. Virei imediatamente corinthiana. Ninguém ouviu o meu choro, pois estavam gritando gol.

Foi um parto sofrido, assim como a maior parte do jogo. Minha mãe, Luiza, começou a sentir contrações pela manhã e foi para o hospital na hora do almoço, acompanhada do meu pai e do meu avô. Deixou meu irmão de 2 anos sob os cuidados da minha avó, no Bom Retiro. Passava do meio-dia quando eles terminaram de preencher os papéis e minha mãe foi encaminhada para uma sala de preparo. Ela conta que se despediu dos dois e disse que, se quisessem, poderiam voltar para casa, pois achava que ainda iria demorar.

Provavelmente nem precisou terminar a frase e eles já tinham ido embora. É que às 12h15 havia começado Itália e Polônia, e depois seria a vez de Brasil e União Soviética, às 16h, horário de Brasília. Portanto: sim, os homens da família foram para casa ver o futebol e deixaram a minha mãe no Hospital São Camilo, na Pompeia, tendo contrações ritmadas da fase latente do trabalho de parto. Minha avó ficou incrédula quando viu os dois voltando do hospital sozinhos e se acomodando no sofá. Reclamou e mandou que voltassem, mas sem sucesso.

Enquanto Itália e Polônia se enfrentavam de forma um tanto monótona e sem gols, minha mãe vestia a camisola do hospital e deitava numa mesa de exames, onde aparentemente a bolsa foi estourada (ela não tem certeza, já que não disseram nada sobre o procedimento, mas conta que, ao se levantar, deixou para trás uma discreta pocinha no chão). Aguardou cerca de meia hora na enfermaria e logo vieram checar a dilatação. Já devia ter entrado na fase ativa do parto, portanto foi transferida para uma sala bem pequena com uma cama, uma mesa ginecológica, uma bancada e uma mesinha com apetrechos médicos. De ambos os lados da parede havia amplas janelas de vidro.

“Antes de deitar vi que, do outro lado, havia uma televisão ligada passando um jogo e que os funcionários iam e vinham, e paravam para assistir”, ela contou. “Ao me acomodar na cama, minha cabeça ficou do lado contrário e não tive mais visão dessa sala da tevê. A mesa estava encostada na parede e eu, deitada, ficava abaixo do vidro que dava para os corredores. Creio que isso ajudou que ninguém me visse, a não ser da sala de tevê, cujo vidro era maior e mais baixo.”

Entre uma contração e outra, ela ouvia ao fundo o som da televisão, a voz do locutor Luciano do Valle e a equipe do hospital torcendo. Começou a sentir dores mais fortes e constantes, de modo que procurou respirar pouco e não se mexer muito. “Depois, para me distrair dessa dor esquisita, eu virava o rosto para um lado e para o outro, ou punha a mão na parede e empurrava – assim não mexia a barriga para não piorar a situação”, conta. Ficou fazendo isso por um longo tempo (que lhe pareceu uma hora e meia), sozinha, enquanto a dor só aumentava.

No estádio Ramón Sánchez Pizjuán, as coisas também não iam bem. A torcida, que começou apoiando o Brasil, virou de lado ruidosamente aos 17 minutos do primeiro tempo, quando o juiz deixou de marcar um pênalti de Luisinho no atacante Ramaz Shengelia. Nesse momento, ouviu-se uma vaia estrondosa e os espanhóis não mais torceram pela seleção. “Ao contrário, passaram a incentivar os soviéticos ao mesmo tempo em que gritavam: ‘Fuera Brasil, Fuera Brasil”, segundo relato do Jornal do Brasil.

“Como estratégia para sair desses momentos, passei a respirar mais curtinho e rápido, sem controle, e mexer braços e pernas meio sem rumo”, conta a minha mãe. O time brasileiro parece ter seguido a mesma tática, correndo atabalhoadamente pelo campo e errando dezenas de passes sob a marcação pesada dos adversários. Tropeçavam a toda hora nos fotógrafos agrupados na linha de fundo, junto à marca do escanteio. “Nosso time bisonhamente tentava apenas uma jogada alta sobre a área, justamente em cima de um altíssimo e excelente goleiro. E tome bola alta e mais bola alta”, escreveu João Saldanha no Jornal do Brasil.

Aos 34 minutos, os soviéticos, que até então trocavam passes na lateral esquerda, transferiram o jogo para o meio de campo. O centroavante Oleh Blokhin atraiu a marcação de Falcão e Sócrates, mas tocou a bola para trás, nos pés do meia Andriy Bal, que chutou molengamente para o gol. Ninguém viu perigo nesse lance — ninguém, nem mesmo o goleiro Waldir Peres, que foi amparar o chute com displicência e deixou escapar a bola. Um a zero para a União Soviética.

Enquanto isso, numa cama de hospital na Pompeia, Luiza passou a chacoalhar a cabeça de lá para cá, pois a dor havia atingido um novo patamar. Como as mulheres da família são discretíssimas (nota: corrigir esse defeito urgentemente para as próximas gerações), ela não gritou. “A dor era geral, não localizada. Era difícil desviar a atenção para algo à parte, pois ela tomava todo o meu pensamento. Eu só pensava numa coisa: ‘Vem alguém, vem logo alguém me ver.’”

Só que começava o segundo tempo em Sevilha. Tão logo se posicionou debaixo de sua trave, do lado onde era maior a torcida brasileira, o goleiro Rinat Dasayev recebeu uma chuva de ventarolas da arquibancada. Os soviéticos se fecharam ainda mais na defesa: Zico estava tão marcado que não conseguia dar um passo. Ainda assim, os brasileiros redobraram os esforços no ataque. No segundo tempo, o jogo inteiro se deu na área soviética, com incansáveis tentativas de finalização dos brasileiros. Aos poucos, a seleção parecia mais à vontade e passou a dominar o jogo – ainda que o gol não viesse. A torcida voltou a apoiá-los.

“Nesse negócio de me debater, a certa altura creio ter ouvido um pessoal gritar gooollll, mas não sei se foi antes ou depois”, conta Luiza, tão confusa quanto Oscar Bernardi e Waldir Peres na pequena área, após um cruzamento de Blokhin. “Sei que num momento alguém na sala de tevê virou o rosto para o lado contrário, olhou para onde eu estava e acabou me vendo no desespero, me debatendo, e aí alguém abriu a porta e veio me ver”, disse.

Cabe aqui um parêntese no relato para admitir que eu não tinha um relógio no pulso e, mesmo se tivesse, não saberia ainda ler os ponteiros, portanto é bem possível que já estivéssemos nos 30 minutos do segundo tempo. Ou seja: o gol de Sócrates pode ter acontecido pouco antes dessa enfermeira anônima reparar naquela mulher pequenina que chacoalhava a cabeça e procurava não chamar a atenção, em desespero, sozinha há horas em uma cama de hospital. Digamos que doutor Sócrates já mostrava os punhos cerrados e comemorava com os colegas de time o seu gol de gênio quando a porta se abriu. Imagino que eu já devia estar coroando, ou seja, com a cabeça na marca do pênalti.

Sem receber nenhuma informação sobre o andamento da dilatação (ou sobre o placar do jogo), Luiza foi transferida para a mesa ginecológica, onde mais duas enfermeiras cobriram seus joelhos com um pano azul. A médica se posicionou junto à mesa de instrumentos e pediu que minha mãe empurrasse, só que ela estava sem fôlego até para respirar e só conseguia dizer: “Não estou conseguindo, estou cansada”.

A obstetra decidiu fazer uma episiotomia – minha mãe tem até hoje uma cicatriz saltada –, e depois uma das enfermeiras colocou as duas mãos no início da barriga e se pôs a empurrar. Aposto que, nessa hora, já estávamos aos 43 minutos do segundo tempo e algo incrível estava por vir. Paulo Isidoro virou a jogada da direita para o meio-campo, onde estava Falcão. Atrás dele, Éder gritou: “deixa!” e Falcão permitiu que a bola passasse entre as pernas, fazendo o corta-luz. O ponta-esquerda mal teve tempo de ajeitar a bola com o pé direito; sem deixá-la cair na grama, disparou um canhão de pé esquerdo no ângulo superior direito do goleiro soviético. Golaço. Eu finalmente consegui nascer e disseram para a minha mãe: “É uma menininha”. Éder comemorou com uma cambalhota.

Chorei bem fraquinho. As enfermeiras me limparam, me embrulharam e me mostraram à parturiente como se eu fosse a própria taça Jules Rimet. As primeiras impressões da minha mãe foram as de ter parido uma indiazinha muito cabeluda. Então avisaram que eu tinha nascido com icterícia e que precisaria ir ao berçário tomar um banho de sol. Enquanto minha mãe descartava a placenta e as enfermeiras suturavam o corte, ela se lembra de ter ouvido exclamações de alegria – talvez o fim do jogo e a vitória por 2 a 1. Talvez o início da partida. Nunca vamos saber com certeza qual foi a cronologia daquela tarde.

Só o que se sabe é que meu pai e meu avô voltaram horas depois do término da partida e ficaram muito satisfeitos com o esforço da nossa seleção.

**

Nota irônica: a índia de cabelos pretos nascida em 14 de junho com as bênçãos do doutor Sócrates agora está grávida de uma menina. A data provável do parto é no dia de Brasil vs. Costa Rica, pela primeira fase da Copa do Mundo da Rússia. Vidros não serão poupados caso me deixem sozinha numa sala, em trabalho de parto, enquanto todo mundo torce pela seleção.

Uol Esporte – Especial Copa do Mundo
26 de maio de 2018

por Vanessa Barbara

Há quem tenha saudades daquele futebol dos velhos tempos, o futebol-arte despretensioso e romântico, sem malícia, praticado por craques plenos de amor ao esporte. Nesse caso, sempre convém mencionar a singela participação do Brasil na Copa de 1954.

Naquele ano, a seleção chegou à Suíça com uma bagagem pesada: tinha a obrigação de reverter a derrota de 1950. Era preciso calar a imprensa mundial, que quatro anos antes proclamara que o Maracanazo fora “a vitória da fibra sobre a covardia, o triunfo da raça sobre a desnutrição”, segundo contou o jornalista David Nasser, de O Cruzeiro. “Muita imprensa da própria América afirmou que a cachaça derrotara o Brasil. Que éramos um povo mal alimentado, que comíamos arroz, feijão, farinha e nossos atletas mal podiam se manter em pé”, escreveu.

O diagnóstico geral, inclusive dos torcedores da seleção, é que a Copa de 1950 estava praticamente ganha, mas foi desperdiçada pela falta de brio dos nossos atletas, a quem teria faltado “macheza”. Dizia-se que, naquela data, o Brasil tombou vergonhosamente perante o “quadro de velhos” dos uruguaios, “jogadores com varizes e erisipelas [que] arrancaram a máscara dos guapos rapazes brasileiros”. Às vésperas da estreia na Suíça, David Nasser conclama: “Chegou o momento de responder a essa gente. De mostrar a esses cavalheiros que não somos os desfibrados, os medrosos e os sifilíticos que dizem”.

Dá para imaginar, portanto, o nervosismo daquele time que viajava de avião pela primeira vez na vida e que em fins de maio desembarcou na Europa, onde se deparou com a falta de feijão preto e com um regulamento bizarro que escapava ao entendimento até dos próprios dirigentes da delegação. A tabela envolvia a escolha de dois cabeças de chave por grupo e partidas adicionais quando as equipes empatavam em pontos. Os embates das fases finais eram definidos por sorteio. As regras eram tão confusas que pouca gente entendia exatamente o que estava havendo.

Um exemplo singelo ocorreu na partida entre Brasil e Iugoslávia, na primeira fase da competição. Os eslavos saíram em vantagem no início do segundo tempo com um gol de Zebec. Aos 24 minutos, Nílton Santos recuperou a bola do ataque adversário e foi quase até a pequena área, onde passou para Didi, que fez o gol. Com o empate, veio a prorrogação. Os brasileiros partiram para cima como se a perpetuação da humanidade dependesse daquela vitória. Espantados, os iugoslavos tentavam se comunicar por sinais, pedindo que os adversários não corressem tanto. De acordo com um relato da revista Placar, o capitão Zlato Cjaicowski mostrava os dedos indicadores e gritava: “It’s good! It’s good!”. Ou seja: 1 a 1 estava bom. Mas ninguém entendia, e muitos inclusive tomaram essas palavras como provocações.

Quando o juiz apitou o fim da partida, os brasileiros ficaram desolados. No vestiário, o capitão da equipe, José Carlos Bauer, caiu no choro: “Perdemos novamente a Copa do Mundo”. O que todos desconheciam ­­– todos, menos os iugoslavos, que bem que tentaram avisar – era que o empate classificava ambas as equipes.

Em todo caso, o alívio não durou muito. Logo os brasileiros receberam o resultado do sorteio que definiu os jogos das quartas de final: enfrentariam justamente os húngaros, os favoritos do torneio. A Hungria era uma seleção que, àquela altura, havia acumulado quatro anos de invencibilidade internacional, tendo goleado a Coreia e a Alemanha Ocidental na fase preliminar da Copa. A imprensa colaborava para perpetuar o mito de time imbatível, repetindo vezes sem conta, a respeito do escrete magiar: “Não erra um chute no gol”, “São velozes de pasmar”, “É uma gente diabólica, afiada até os dentes”, “Nunca se viu coisa igual”.

Não é de se espantar, portanto, que os dias que precederam a partida tenham sido de completo pânico entre os jogadores. Correu o boato de que o chefe da delegação, João Lira Filho, já teria comprado as passagens de volta. Ele desmentiu, na véspera, com um discurso longo e exageradamente patriótico que só fez piorar a situação: “Olhem as cores que vocês terão que defender com galhardia dentro da cancha, honrando a nossa Pátria”. Na mesma ocasião, um jornalista mineiro teria dito: “Temos que ganhar o jogo. Temos que vingar os mortos de Pistoia”. (Nessa cidade italiana foram sepultados 462 soldados da Força Expedicionária Brasileira que morreram na Segunda Guerra Mundial, o que obviamente não tem nada a ver com futebol, Hungria e Copa do Mundo.)

Os relatos da véspera são catastróficos: na madrugada anterior ao jogo, o atacante Humberto Tozzi fumou dois maços de cigarros e praticamente não dormiu; o goleiro Veludo e o zagueiro Pinheiro saíram do hotel à noite e demoraram tanto para voltar que se cogitou a ideia de que tinham fugido. O capitão Bauer, que, assim como o meia Brandãozinho, havia perdido cinco quilos na partida contra a Iugoslávia, estava abatido e recebeu autorização para ir a Zurique telefonar aos familiares. Reza a lenda que alguns jogadores chegaram a ingerir pasta de dente para passar mal e não correr o risco de serem escalados. Dois dos atacantes, Baltazar e Pinga, anunciaram de manhã que estavam contundidos. A verdade é que poucos atletas dormiram bem na véspera do jogo, sendo que muitos tiveram disenteria.

David Nasser relata como entraram em campo: “Bauer estava verde. Castilho estava leitoso. Humberto estava transparente – todos trêmulos. Todos envenenados pelo grande erro: o Brasil não pode perder”.

A partida em si foi um deus nos acuda, e entrou para a história com a alcunha de Batalha de Berna. Aos sete minutos, os húngaros já tinham feito dois gols. Numa dividida no meio do campo, Didi rasgou o calção de József Tóth e ele passou um bom tempo jogando com parte da cueca de fora. Aos dezoito, o juiz marcou um pênalti para o Brasil; segundo Djalma Santos, ninguém queria bater. Ele mesmo se prontificou e diminuiu o placar para 2 a 1.

Logo depois começou a chover, o que complicou ainda mais a situação para os brasileiros, que não calçavam chuteiras apropriadas e passaram a escorregar esplendorosamente, como “bailarinos de patins em pista de gelo”. “Fazia pena ver os nossos”, descreveu o jornalista Everardo Lopes, do Jornal dos Sports. “Cada tentativa de arrancada correspondia a um escorregão. […] Quanto mais leve cada jogador, mais espetacular a queda. De Didi, eu cheguei a contar quatorze quedas. No número quatorze eu parei. Já no segundo tempo. Afinal de contas, eu não estava com insônia.”

Por fim, o técnico Zezé Moreira mandou substituir as chuteiras e o Brasil continuou pressionando pelo gol. Aos 16 minutos, o juiz inglês Arthur Ellis marcou um pênalti duvidoso contra o Brasil. (Mais tarde, Pinheiro admitiu ao repórter de O Cruzeiro que caiu com a mão na bola.) Veio mais um gol da Hungria, porém este foi quase que imediatamente seguido por um golaço de Julinho Botelho, resultando no placar de 3 a 2 para os húngaros. Mais tarde, József Bozsik e Nílton Santos trocaram sopapos em campo e foram expulsos. “Valorosas e enérgicas escaramuças foram desfechadas, mas os atacantes nossos falhavam nas finalizações”, resumiu Geraldo Romualdo da Silva, no Jornal dos Sports.

No finzinho do jogo, o juiz deixou de marcar um pênalti contra Julinho Botelho, o que provocou a indignação dos brasileiros. Também expulsou Humberto por ter desferido uma voadora no adversário. Aos 43 minutos, com o time inteiro do Brasil na ofensiva, os húngaros aproveitaram o contra-ataque para fechar o jogo em 4 a 2, garantindo a classificação para a fase seguinte e a eliminação do Brasil.

E foi quando toda aquela pressão explodiu. Ao fim do jogo, segundo relato de jornalistas e do juiz de linha da partida, o atacante Maurinho ofereceu a mão ao ponta-esquerda Zoltán Czibor. Quando o húngaro se dispôs a apertá-la, Maurinho o cumprimentou com a mão direita e, com a esquerda, deu-lhe uma bofetada.

O radialista Paulo Planet Buarque largou o microfone, saltou o alambrado e desceu ao gramado para dar um tapa no juiz. Foi impedido por um guarda suíço. Só que Paulo sabia lutar judô e aplicou uma rasteira no pacato policial. O guarda caiu e, ao se levantar, meteu a mão no bolso traseiro. Quando todos achavam que ele iria sacar uma arma, o suíço apenas tirou calmamente um lenço e limpou o rosto.

Enquanto isso, no estreito corredor de acesso aos vestiários, o radialista Geraldo José de Almeida e o atacante húngaro Ferenc Puskás, que naquele dia estava contundido e não entrara em campo, trocaram gentilezas em seus respectivos idiomas. Pinheiro levou uma garrafada na cabeça, supostamente arremessada pelo próprio Puskás. Luís Vinhais, supervisor da seleção, pôs-se a esmurrar o craque da Hungria. Julinho voltou do vestiário com um tubo de oxigênio e o atirou a esmo. Maurinho cuspiu em Mihály Lantos. No ápice da pancadaria, o técnico Zezé Moreira deu uma chuteirada na cara do vice-ministro de Esportes da Hungria, Gusztáv Sébes. (Ele usou a chuteira de traves baixas de Didi, que havia sido substituída após os escorregões.)

Naquele espaço exíguo, baldes, cadeiras e garrafas de leite foram arremessados de ambos os lados. A certa altura, estouraram o globo de iluminação e tudo ficou às escuras.

Segundo o relato dos húngaros, registrado pelo Correio da Manhã, o meia-direita József Tóth subia as escadas quando foi atingido por uma garrafada na têmpora e caiu. Enquanto dois companheiros o socorriam, um burocrata da delegação foi atingido por outro vasilhame e cambaleou, no que foi seguido pelo vice-ministro de Esportes, que também foi alvejado. Na versão deles, foram os brasileiros que quebraram as lâmpadas.

A pancadaria prosseguiu por vários minutos na penumbra, até que a polícia, convocada através dos alto-falantes do estádio, deu fim à cizânia. Dois policiais ficaram feridos. Em reportagem para O Cruzeiro, o repórter Luciano Carneiro diz que não teve acesso ao exato local da briga, mas que de longe viu um Luís Vinhais “completamente transtornado a botar de escadas abaixo o goleiro reserva dos húngaros e vários policiais”.

Resultado: Sébes precisou de quatro pontos no rosto e assistiu ao sorteio para as semifinais coberto por um esparadrapo que ia do nariz até a orelha. Pinheiro foi socorrido quase inconsciente, aos gemidos, tendo sofrido um corte profundo de oito centímetros sobre o olho esquerdo. Um certo burocrata húngaro, de nome Krajovics, também precisou de um curativo na arcada superciliar direita. Tóth ficou com o olho roxo.

Ou seja: da próxima vez que alguém mencionar os bons e velhos tempos em que o espírito esportivo reinava no futebol-arte – o futebol moleque, o futebol maroto –, basta lembrar do dia em que o Brasil foi campeão de arranca-toco na Suíça. Em 1954, as chuteiras dos nossos atletas tiveram uma utilização menos digna. E não restou nenhuma garrafa de leite para contar a história.


Este texto faz parte de um especial do Uol Esporte, que convocou dez escritores para narrar histórias de copas do mundo passadas.