Cinco horas com Raul Gil

Postado em: 24th outubro 2010 por Vanessa Barbara em Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
Tags: , ,

Conta-se que o iogue Swami Maujgiri Maharaj passou 17 anos em pé, entre 1955 e 1973, escorando-se numa tábua apenas para dormir. Mais ou menos nessa época, o faquir Mastram Bapu plantou-se num lugar, sentado, à beira de uma estrada no vilarejo de Chitra (Índia), por mais de duas décadas.

Em busca de iluminação existencial e de uma compreensão superior do mundo, propus-me a assistir, na íntegra, o Programa Raul Gil deste sábado (SBT, sáb., 14h15 às 19h15).

O programa, com a duração de cinco horas, foi inteiramente dedicado às crianças. Tanto os calouros quanto os jurados eram café-com-leite: segundo apuração interna, a média de idade era de 8,3 anos.

Bloco após bloco, hora após hora, o espectador acompanhou a performance de crianças excessivamente artísticas, daquelas que dizem “eu sou criança”, que sorriem para as câmeras e estão sempre na moda. Entre elas, a assistente de palco Yasmin, que faz sucesso ao repetir errado as falas de Raul Gil – levando o apresentador a usar palavras difíceis de propósito.

A única exceção era Guilherme, um moleque tranquilo que tocava cavaquinho e teve que responder para Yasmin que não, não era casado. Ele não dançou, não fez micagens e não tentou ser espirituoso, limitando-se a tocar seu instrumento. Deu de ombros quando uma das juradas elogiou seu figurino. “A apresentação dele foi ex-ce-len-te”, ressaltou a loirinha de 7 anos, qualificando-o de impecável.

Sua presença, porém, foi logo substituída pela de um papagaio gigante, um cachorro azul, centenas de balões e um minicover do Elvis. Uma cantora gospel entrou para gritar os versos: “Como Zaqueu, quero subir o mais alto que eu puder”. A certa altura, dezenas de artistas felizes ocupavam o palco, pulando, cantando e sacudindo os braços, como se não houvesse tristeza no mundo.

De sua parte, Raul Gil parecia cansado e impaciente, repetindo as mesmas palavras para os calouros-mirins: “potencial”, “sucesso” e “talento” foram as mais usadas, e a expressão “todos são vencedores” apareceu umas boas dez vezes.

“Depois de passarem oito meses conosco [na competição], o máximo que a gente pode fazer por vocês é prestar essa homenagem”, ele diz, num ato falho. O calouro agradece.