Autores e ideias – Mona Dorf

Postado em: 29th outubro 2010 por Vanessa Barbara em Clipping

Entrevista publicada em Autores e Ideias, Mona Dorf, ed. Benvirá, 2010.

Jornalista, tradutora, editora do periódico virtual A Hortaliça e colaboradora da revista piauí. Publicou: O livro amarelo do terminal (CosacNaify), prêmio Jabuti 2009 na categoria reportagem e O verão do Chibo (Alfaguara), com Emilio Fraia, finalista do Prêmio São Paulo de Literatura 2008, na categoria escritor estreante.

Como surgiu na sua vida a escrita como expressão? Por que você começou a escrever?

Porque não gosto muito de falar e ganhei uma máquina de escrever. Quando eu era pequena, só podia usar tinta vermelha ou nenhuma tinta (só o sulco da tecla no papel), porque a fita era cara. Mesmo assim, escrevi inúmeros romances mirabolantes sobre times de vôlei e tartarugas detetivescas, alguns ousadamente transparentes.

Comente um pouco seu livro O livro amarelo do terminal. De onde veio a idéia e do que ele trata? 

É uma coletânea de crônicas e reportagens sobre a Rodoviária Tietê, escritas originalmente como trabalho de conclusão de curso de jornalismo, em 2003. Na época, eu queria escrever sobre as ruas de São Paulo, mas precisava de um foco. Então pensei na rodoviária, que não passa de uma grande rua onde as pessoas estão sempre partindo, chegando, trabalhando e tirando um cochilo em cima de suas bengalas, à espera do ônibus. O terminal tem as mesmas contradições da metrópole: a modernização, o movimento repetitivo dei vai-e-vem, a inconstância, a idéia de massas; e, por outro lado, a sensação de não-pertencimento, a vontade de retornar ao lugar de partida, o anacronismo – aquilo que nunca muda.

Você transita bem em ficção e também em não-ficção. Qual a diferença entre as duas escritas? A realidade é tão interessante quanto a ficção?

Em reportagem, aprendemos a escrever de uma forma limpa e direta, e entendemos como encadear as coisas num texto minimamente legível. Em ficção, está tudo liberado – mas é preciso ter um olhar específico, um foco em determinadas coisas que se aprende com o jornalismo. As duas são complementares.

 

ENTREVISTA

Você é repórter da piauí, e trabalha também como revisora para boas editoras. Como essas atividades contribuíram para O livro amarelo do terminal?

Além de revisora, eu sou tradutora da Companhia das Letras e da CosacNaify. Considero os trabalhos de revisão e tradução essenciais pra quem quer escrever porque, a partir deles, você aprende as técnicas dos escritores, o ritmo, as saídas de cada um, as construções. As matérias para a piauí também me ajudam muito. Principalmente porque eu me deparo com uma situação real e tenho que encontrar a melhor forma de descrevê-la.

Usar a técnica literária para narrar fatos reais foi comum no século XIX. Autores como Balzac, Flaubert, depois Zola, só pra ficar nos franceses, trabalhavam assim. Seu estilo é bem detalhista, realista como o deles. São escritores que freqüentam suas estantes? Que outros autores tiveram influência sobre você?

Gustave Flaubert é meu escritor preferido: Bouvard e Pecuchet  e Madame Bovary são os melhores. Além dele, gosto muito de Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, J. D. Salinger. Também gosto de livros mais diferentes como Alice, de Lewis Carroll, Tristram Shandy, de Lawrence Sterne, e Armadilha para Lamartine, de Carlos & Carlos Sussekind.

Quais livros você traduziu?

Traduzi Cabeça tubarão, de um autor contemporâneo chamado Steven Hall, que é incrivelmente bom, Breakdowns, uma graphic novel do Art Spiegelman, nem preciso comentar, e também Três vidas, da Gerturde Stein, que são três contos sobre três mulheres diferentes. Você acaba aprendendo na tradução porque vai construindo o texto com o autor, se depara com as saídas que ele teve, aprende a construir a narrativa. O último romance que traduzi é sobre um personagem esquizofrênico, de um autor jovem chamado John Wray. Ainda não foi publicado.

Que dica você daria para outros jovens jornalistas acostumados com a reportagem do dia a dia, mas desejosos de melhorar a escrita?

O principal mesmo é ler bastante, de livros clássicos até folhetos de astrólogas que trazem a pessoa amada em dez dias. E ir escrevendo sem pressão o que der na telha, com liberdade.

Fora isso, oficinas literárias sempre ajudam, não é?

São interessantes, mas para mim, outras coisas são melhores. Cursos de literatura, de sapateado, astronomia e filmes às vezes ajudam mais.

Como foi escrever a quatro mãos O verão de Chibo, com Emílio Fraia?

Foi uma espécie de jogo que durou dois anos. A gente trocava trechos do livro por email e ia construindo a trama, os personagens, tudo a quatro mãos. No final, tentamos apagar os limites do que era de um e de outro, para resultar um texto e uma história coesos. Foi uma experiência bem interessante que acabou dando certo, depois de muitos percalços.

Como representante de uma nova geração de escritores, você teve uma bela estreia. O que você imagina daqui pra frente, para impulsionar sua carreira?

Meu próximo livro é sobre um menino que perdeu a nuca e se chama O livro negro da cócora. Não! É brincadeira! Ainda não sei o que vou fazer daqui pra frente, mas quero continuar escrevendo tanto crônica como literatura, até ficar bem velhinha.

 

JOGO RÁPIDO

O que você está lendo?

A demanda do Santo Graal, uma edição portuguesa do Heitor Megale. É engraçadíssimo. Recomendo.

O que pretende ler?

A consciência de Zeno, de Ítalo Svevo, que todo mundo me diz pra ler. Pessoas diferentes me dizem que eu vou adorar, que é uma história maravilhosa.

O que você recomenda dos autores estrangeiros que estiveram na Flip?

Rosencrantz e Guildenstein, do Tom Stoppard, e Sandman, do Neil Gaiman. A boa história em quadrinhos não perde em nada pro melhor romance.

Obra ou autor que mudou sua forma de enxergar o mundo

J. D. Salinger. Comecei a ler todos os livros dele em seqüência. Ele tem uma visão peculiar dos personagens, uma forma diferente de apresentá-los e de narrar. Mudou a minha escrita e a minha forma de enxergar o mundo.

Romance do Coração

O jogo da amarelinha, de Julio Cortázar. Mas eu prefiro Histórias de cronópios e famas.

Literatura indispensável

Toda aquela que você está lendo no ônibus e depois que desce no ponto, não consegue parar e continua a ler andando.

Escritores da nova safra

Antonio Prata, Chico Mattoso, Emilio Fraia e Fabrício Corsaletti.

Da velha guarda

Franz Kafka, Edgar Alan Poe e Miguel de Cervantes.

Gênero predileto

Crônica e romance.

Cronista essencial

Rubem Braga.

Uma descoberta recente

Tia Júlia e o escrevinhador, de Vargas Llosa.

Cesta básica

Dom Quixote, de Miguel de Cervantes; Madame Bovary,de Gustave Flauber; Tom Sawyer, de Mark Twain; O coração das trevas, de Joseph Conrad.

Uma frase

Acho muito engraçado uma passagem do romance do Tolstói, quando a Anna Karenina recebe o marido dela na estação de trem e pensa: “Meu Deus! Por que lhe terão crescido tanto as orelhas?”. É a única coisa que ela consegue pensar quando se encontra com ele.