No meu tempo

Postado em: 17th outubro 2010 por Vanessa Barbara em Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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No meu tempo, a televisão era diferente. Para começar, havia a supremacia do dublado – todos os filmes, séries e programas estrangeiros recebiam uma buliçosa versão em sotaque carioca, provavelmente feita pelo mesmo sujeito, que ganhava uma miséria e imitava as vozes de todo o elenco: dos velhos, das moças, das crianças e dos galos.

No meu tempo, havia televisões em preto e branco de cinco polegadas com rádio AM/FM, que só sintonizavam à base de petelecos e mandinga brava. Havia a frequência UHF e um cheiro permanente de queimado saindo de trás do televisor.

Nos idos d’antanho, as antenas eram Plasmatic, tinham a forma triangular e um bombril na ponta. A gente costumava revezar o membro da família encarregado de ficar de pé, ao lado do aparelho, segurando a antena num ângulo específico – o braço esquerdo levemente arqueado, os joelhos dobrados, o pescoço pra trás. Era como nós praticávamos a ioga, naquela época.

As partidas de futebol eram mais proveitosas: todos os jogadores tinham a coloração esverdeada, e cada atleta recebia a marcação cerrada de um habilidoso irmão gêmeo. Nunca dava pra ver a bola e, aparentemente, os 22 elementos em campo usavam a mesma cor de uniforme, rolando a pelota fraternalmente para o mesmo time. Era bonito o futebol no meu tempo.

À tarde, a gente assistia o game-show “SuperMarket” (Band), uma despropositada gincana dentro de um supermercado. Acertávamos a resposta das charadas que o Ricardo Corte Real fazia sobre produtos lácteos, extrato de tomate e desinfetante. Sabíamos de cor em que corredor ficava o pepino em conserva e a maionese gigante. Era durante o “SuperMarket” que a luz de casa começava a falhar, anunciando a hora de ir tomar banho (antes que os vizinhos sugassem toda a energia local).

A televisão de outrora valorizava a rapidez de raciocínio (imagens oscilantes), a incerteza filosófica (o que foi que ele disse?) e a imaginação do espectador, pois nunca dava pra distinguir com clareza o que estava acontecendo (“Olha, mãe, eu acho que tem um Ovni ali atrás do Cid Moreira”).

Com o advento da transmissão em alta resolução, tela de cristal líquido Full HD e som estéreo 5.1, ficou mais chato assistir televisão.