Democracia ou cama

Posted: 30th outubro 2011 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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Folha de S. Paulo – Ilustrada
30 de outubro de 2011

por Vanessa Barbara 

Quando vi pela primeira vez um controle remoto universal, achei que fosse um místico controlador de todas as tevês da vizinhança. O sujeito se postaria no meio da rua, feito um mago, apertaria o botão de desligar e pronto, acabou a farra da novela para o quarteirão inteiro.

Lembro de um vizinho que, maravilhado, mudava de canal na sala e dava um passo pra trás, alcançava o corredor, abria a porta e se postava no meio do quintal, na esperança de ver até onde a feitiçaria podia ir.

Isso era mais divertido em dias de jogo do Brasil, quando tentávamos desligar alguma tevê a distância, trepados no portão alheio, só pra ouvir um sapato voando e um berro de desespero lancinante.

Eu mesma devo ter subido no telhado para tentar mudar sorrateiramente de canal as tevês de um edifício próximo, e na minha cabeça acho que consegui.

Naquela época, além da mística coletiva do controle universal, era comum que as casas tivessem um só aparelho para a família inteira.

Ele se localizava na sala (não existia esse disparate de TV na cozinha, na lavanderia, no banheiro) e era disputado a tapas nos dias mais críticos.

O chefe da família, invariavelmente corinthiano, detinha o mando do controle nos dias de clássico. A dona da casa não abria mão da novela, os avós achavam graça em cochilar na sessão da tarde e os filhos eram contemplados seguindo a ordem de idade – o mais novo, recém-apresentado às teorias de Habermas e da Escola de Frankfurt, dizia que a tevê era o ópio das massas, mas assistia com o canto do olho as videocassetadas do Faustão enquanto fingia ler um texto em xerox.

Havia democracia naquele tempo – quem quer assistir o Jô Soares levanta a mão – e os perdedores que tratassem de ir para a cama mais cedo. Vigorava uma lei tácita de prioridade (era de quem pagou a tevê), e vez ou outra valia a lógica do “sentei primeiro” ou “cheguei antes”.

No final, ninguém saía ganhando porque acabava a luz sem motivo ou uma ventania derrubava a antena, e o jeito era fazer palavras cruzadas. No meio da rua, o vizinho tentava ler mentes com o controle remoto universal.

Hoje cada um da família tem a sua tevê, ainda que estejam todas sintonizadas na mesma reprise de “Zorra Total”.

Análise combinatória

Posted: 29th outubro 2011 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo
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Folha de S. Paulo – Ilustrada
Especial 35a. Mostra de Cinema

29 de outubro de 2011

por Vanessa Barbara

Se existe uma qualidade indispensável ao frequentador da Mostra de Cinema não é, ao contrário do que se pensa, saber tudo sobre diretores obscuros ou dominar técnicas de enquadramento e corte. Na verdade, pouco se fala de cinema nos corredores, filas e calçadas da 35a. Mostra; pouco se fala, pois o foco é outro: dedicar-se à ciência da análise combinatória, ou gestão estratégica de calendário aplicada à programação do evento.

É o que se vê nos cafés do entorno: dezenas de cinéfilos com o guia na mão, caneta na boca e um papel rabiscado, concentradíssimos em resolver equações matemáticas complexas, com quatro ou cinco variáveis: será que vai dar tempo de pegar o filme grego “Attenberg” às quatro no Cinusp e chegar no horário de “Girimunho”, às 18h40 no Olido? E se cancelarem o chinês, vale a pena correr para entrar em “Hanezu” ou compensa esperar aquele dos hipopótamos?

A comoção aumenta diante do aviso de “filme substituído”, “projeção cancelada” ou “lotação esgotada”. Aí é um tal de apoiar no balcão e riscar, matutar, folhear e eleger um filme da lista reserva de “interesses levianos”, como explicou um senhor desiludido. Já uma garota, impávida, tentou viabilizar o plano C, depois de terem cancelado suas primeiras escolhas. “Por isso estou nessa conta miserável!”, desabafa.

Os mais ambiciosos traçam gráficos e tentam encaixar a aula de ioga nos intervalos e o curso de francês das terças e quintas, mas é tão difícil quanto resolver um quilômetro inteiro de quadradinhos de Sudoku.

Maratona é isso aí

Posted: 27th outubro 2011 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo
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Folha de S. Paulo – Ilustrada
Especial 35a. Mostra de Cinema

27 de outubro de 2011

por Vanessa Barbara

Na tarde de segunda-feira, sob um calor de 30 graus, esta peregrina que vos escreve percorreu 5,2 km de cinema em cinema, numa árdua busca por um filme da Mostra que estivesse disponível.

Fiquei com “Sindicato de Ladrões”, clássico de Elia Kazan, que, se não é exatamente uma novidade, ao menos é garantia de que não teremos surpresas desagradáveis como um frango gigante que surge na tela e tira o protagonista para dançar.

Assim como a vida, a Mostra de Cinema é feita de planos B. A gente não consegue aquilo que quer, mas acaba se virando com o que sobra.

Minha intenção original era assistir o belga “O Garoto da Bicicleta”, no Reserva Cultural, às 21h50. Não passava das três da tarde quando cheguei à bilheteria e dei de cara com o aviso: “Lotação esgotada”. Ao que parece, o guichê abriu ao meio-dia e em vinte minutos já não havia lugares.

Tentando aparentar indiferença diante do colapso dos meus planos, trotei para a Central da Mostra, no Conjunto Nacional, onde sem dúvida conseguiria agendar os filmes do resto da semana. Nada feito. Seria preciso apresentar uma credencial, uma arma ou uma autorização por escrito de um dos irmãos Dardenne.

Saí em desabalada carreira rumo ao Cinesesc, onde ao menos pude garantir meu lugar em “Sindicato”. Intrépida, ainda corri para o Shopping Frei Caneca na esperança de ver “Pater”, às 18h. Surpresa: a projeção fora cancelada e substituída por outro filme. Toca voltar para o Cinesesc.

E depois dizem que cinéfilo é sedentário.

Romaria dramática

Posted: 25th outubro 2011 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo
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Especial 35a. Mostra de Cinema

25 de outubro de 2011

por Vanessa Barbara

No sábado à tarde, uma procissão de intelectuais trilhou o caminho entre o Conjunto Nacional e o Espaço Unibanco da rua Augusta. Eram órfãos do longa turco “Era uma vez na Anatólia”, um dos destaques da Mostra, cujos ingressos para a sessão noturna haviam se esgotado.

Alguns seguiram para o Cinesesc, onde, dizia-se, ainda havia lugares para ver “Sobre futebol e barreiras”. Os mais audazes foram ao Unibanco tentar a sorte com “A ilusão cômica”, do francês Amalric – impressionante adaptação de uma peça de Corneille em que um pai acompanha a vida do filho que fugiu de casa.

Houve certa confusão do público diante do original em francês com legendas embutidas em inglês e dessincronizadas em português. “Quem é que matou? Foi o narigudo?”, cochicharam.

A perplexidade foi tamanha que, ao fim da projeção, ouvi um único comentário: “Ai, perdi o meu porta-moedas… onde é que foi parar?”.

Esse mesmo sujeito, confrontado com o caudaloso guia da mostra, chegou a desabafar: “É tanto filme que não dá nem pra escolher… Então melhor não ver nenhum”.

Exaustos, os que ficaram sem ingresso encontraram alento numa banca de DVDs nas imediações, que vendia cópias piratas dos próprios filmes da mostra. A seção dos clássicos era administrada por um cinéfilo flautista e mágico amador.

“Do Fellini eu tenho estes”, explicou. “Mas, se você gostou daquele, vale a pena ver o do Anthony Quinn, que segue essa mesma linha de intensidade dramática.”

Excentricidade britânica

Posted: 23rd outubro 2011 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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Folha de S. Paulo – Ilustrada
23 de outubro de 2011

por Vanessa Barbara

Ilustração: Águeda Horn

A TV inglesa tem dessas coisas: você está zapeando sem esperanças e cai numa ópera de Berlioz dirigida por Terry Gilliam (ex-Monty Python e diretor de “Brazil, o Filme”).

Eufórico pela oportunidade, sai caçando uma emissora que exiba um episódio de “Doctor Who” ou “The Office”, mas acaba encontrando um talk show com o tema: “Meu filho gosta de inalar gás butano, e já faz 30 anos”.

Trata-se de uma grade de opções bastante perturbadora. A mesma BBC4 que transmitiu “A Danação de Fausto”, de Gilliam, e um episódio do “Wallander” sueco (resenhado na coluna de 30 de janeiro), veicula um documentário sonífero sobre a porcelana e um “Top of The Pops” com a banda Abba.

Das emissoras públicas britânicas, a BBC1 tem o apelo das massas. Mostra partidas de futebol, noticiários, programas de variedades e novelas como “EastEnders”. Títulos consagrados como “Planet Earth” também figuram na grade.

Já a BBC2 é mais erudita, com atrações nas áreas de arte, dramaturgia e política. É onde encontramos “Mixed Britannia”, um documentário de três partes sobre a miscigenação racial no Reino Unido.

No mesmo dia, pode-se aprender a plantar ervilhas num programa de jardinagem, assistir a um filme antigo com o Fred Astaire e conhecer os escritores mais cotados para o Booker Prize.

A BBC3 tem conteúdo jovem – séries e reality shows são o seu forte. A novidade é “Up for Hire”, um programa interativo em que jovens arrumam o primeiro emprego, sob as bênçãos da televisão estatal.

A cosmopolita BBC4 exibe uma mistura de documentários de arte ou ciência, séries antigas, peças de teatro, reprises e produções estrangeiras, como o original dinamarquês de “The Killing” (comentado na coluna de 24 de julho).

As duas primeiras BBCs são abertas e rivalizam com outros três canais comerciais: a ITV, o Channel 4 e o 5. Há outras emissoras fechadas, por exemplo a E4, onde no último domingo assisti a um episódio do instigante “How to Look Good Naked” (Como parecer bem estando nu).

Na referida atração, duas gêmeas britânicas e rechonchudas aprendem a amar seus corpos, posam peladas numa vitrine de Oxford Street e penduram suas calcinhas de zebra num varal em plena Trafalgar Square.

Insalubridade literária

Posted: 18th outubro 2011 by Vanessa Barbara in Blog da Cia. das Letras, Crônicas
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Blog da Companhia das Letras
18 de outubro de 2011, 11:00 am

Por Vanessa Barbara 

Chega o momento em que é preciso sentar e dizer grandes verdades, e aqui vai uma delas: antes de trabalhar como preparadora de originais para a Companhia das Letras, nos longínquos idos de 2004, fui revisora de um site de fofocas de celebridades.

É dessas coisas que fazemos por necessidade — o salário era bom, eu não tinha outra alternativa, queria juntar dinheiro para viajar e, acima de tudo, podia trabalhar em casa e tirar cochilos durante o expediente. Também me era permitido lavar o cabelo na pia enquanto revisava uma notícia qualquer sobre uma atriz que tirou meleca do nariz em horário nobre.

Tudo isso me serviu para fortalecer o espírito diante das adversidades, além de ser um bom exercício de transcendência da concretude existencial — como fazem os prisioneiros de guerra que inventam um outro mundo para poder suportar o verdadeiro. O estômago e a boa-fé literária necessários para lidar com uma notícia absolutamente sem interesse, corrigindo toneladas de erros gramaticais e reescrevendo frases inteiras sem concordância em poucos minutos, “antes que o Gugu carregue a notícia para ler no ar”, tudo isso moldou o meu caráter e me preparou para o glamoroso mundo editorial.

São de minha lavra, é claro, manchetes como “Nicole Kidman é salva por garçom astuto”, “Covinha de Ricky Martin faz sucesso na Alemanha”, “Peças íntimas de Michael Jackson são usadas pela polícia” e “Gatuno rouba peruca de Jennifer Lopez”.

Sobre a polêmica manchete “Julio Iglesias tira o sapato em cadeia nacional”, confesso que devo ter enriquecido a narrativa com uma declaração do próprio assim traduzida: “Meus dedões, acho-os desproporcionais”. Na entrevista, o cantor revela toda a sua insegurança podal a uma apresentadora cada vez mais constrangida, numa cena que infelizmente só se passou na minha cabeça. Na sequência, Iglesias questiona a proporção áurea do corpo humano, conforme concepção difundida pelos gregos, indagando à plateia se os seus pés deveriam ter mesmo um terço do tamanho do antebraço menos dois.

Outras notícias não passavam daquilo a que se propunham nos títulos, como “Léo Áquilla faz alongamento nos cabelos”, e, portanto, eu apelava para os advérbios, mesóclises, sujeitos ocultos e adjuntos adnominais, na tênue esperança de que o leitor pudesse ao menos sair dali com a vaga impressão de ter lido alguma coisa escrita pelo Olavo Bilac.

Mas não aguentei muitos meses, pois precisaria de um bônus adicional de insalubridade, redução das horas semanais de labuta e férias trimestrais em praias desertas para poder resetar o cérebro depois de tamanha exposição ao maligno. No campo das sequelas de trabalho, além da chamada Lesão por Tortura Repetitiva, sofro até hoje de estresse pós-traumático de Páscoa, que foi quando as celebridades de todas as novelas, peças globais e reality shows deram entrevistas dizendo com quem iam passar o feriado, quantos chocolates iriam deglutir e o número exato de coelhinhos alvos que pretendiam oferecer para a imolação em um sacrifício pagão patrocinado pelo site.

Também me lembro de acompanhar toda a primeira infância da princesa Sasha, o surto filantrópico dos assessores de imprensa da Karina Bacchi e de acordar todos os dias com uma “pérola de otimismo” para revisar — pensando, evidentemente, em como são felizes os que não nasceram.

Pouco antes de pedir demissão por esgotamento mental, fiz questão de redigir minha própria notícia de despedida com base num release qualquer. Ficou assim:

* * * * * 

Moscas gigantes roem celebridades em coquetel de lançamento

Na última sexta-feira, dia 19, personalidades globais reuniram-se para abrilhantar o coquetel de lançamento do longa-metragem Desta vez não será ridículo, estrelado por grandes artistas do cinema tupiniquim. Estiveram presentes os novos-ricos Fifi Guimarães, Otavinho “Dudu” Mascarenhas, Carol Ann Figueiredo e Posêidon (novo nome de Patti Vasconcellos, segundo aconselhamento do numerologista/quiroprata da família).

Na festa, famosos e emergentes divertiram-se a valer na maior piscina de bolinhas da América Latina e garantiram que, desta vez, não será ridículo. “Não será ridículo”, declarou Fifi, ofuscando os fotógrafos com seu mais recente branqueamento dental. O destaque do evento ficou para a pequena Apnéia, filha de Regininha Ula-Ula e Otavinho “Dudu” Mascarenhas (ou Juju Marcondes, ou ambos). A adocicada criança dançou ao som do hit “Intestino grosso” e lançou uma torta-merengue de limão na testa do autor da novela E eu com isso, para delírio dos fãs. Outro momento de comoção e espiritualidade ocorreu quando a modelo-atriz-jornalista-e-escritora Tata Lombardi engoliu uma bolinha e teve de ser socorrida às pressas pelo galã Neco Astolf III, que interpreta um paramédico na novela das oito.

Quando o final da festa já se aproximava e o sr. Palhares, da manutenção, começava a empilhar cadeiras e varrer o pé das celebridades, os atores tiveram uma grande ideia — decidiram se abraçar e cantar, em uníssono, o hino da Guiné-Bissau. Os jornalistas se alvoroçaram e choraram copiosamente, acotovelando-se com afeto. Na saída, todos ganharam lembrancinhas de marzipã confeccionadas pela estilista-top-produtora-atriz-e-acompanhante-de-idosos Alicinha Gomide, que vestia um modelito superdecotado nas cores verde, verde-musgo e verde-calção.

Só então as celebridades foram brutalmente atacadas por um enxame de moscas mutantes, pegajosas e autolimpantes — que só queriam a garantia de que não fosse, mais uma vez, ridículo.


Vanessa Barbara tem 29 anos, é jornalista e escritora. Publicou O livro amarelo do terminal (Cosac Naify, 2008, Prêmio Jabuti de Reportagem), O verão do Chibo (Alfaguara, 2008, em parceria com Emilio Fraia) e o infantil Endrigo, o escavador de umbigo (Ed. 34, 2011). É tradutora e preparadora da Companhia das Letras, cronista da Folha de S.Paulo e colaboradora da revista piauí. Ela contribui para o blog com uma coluna mensal.

Nascido aos 50

Posted: 16th outubro 2011 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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Folha de S. Paulo – Ilustrada
16 de outubro de 2011

por Vanessa Barbara

Pouco conhecida no Brasil, a série de detetives “Inspetor Morse” é um clássico da TV inglesa. Teve a duração de treze anos (de 1987 a 2000), com um total de 33 episódios e 81 vítimas.

À maneira de “Columbo”, cada investigação é um longa-metragem de 1h40, tempo suficiente para o detetive conduzir o caso de forma morosa e improcedente, parando para beber em todos os pubs de Oxford e seguindo pistas absurdas.

Nessa série, é comum passar um episódio inteiro desvendando um homicídio que parecia suicídio – persegue-se o culpado com fervor, provas são encontradas, uma prisão é feita. Por fim, o inspetor chega à conclusão de que a vítima havia se matado mesmo.

O fator anticlimático é tão perturbador quanto original, num gênero televisivo que se tornou cada vez mais cartesiano. Os roteiros, por vezes confusos, trazem informações desencontradas e subtramas desnecessárias. Há peças que não se encaixam. Muitas pistas não levam a nada, enquanto outras hipóteses são abandonadas bruscamente e jamais retomadas.

O inspetor-chefe Endeavour Morse (o prenome vem do navio do capitão Cook e quer dizer “esforço”) é interpretado por John Thaw, um senhor circunspecto de cabelos brancos e olhos azuis que, segundo o próprio, aparenta ter 50 anos desde que nasceu.

Saído dos romances policiais de Colin Dexter, Morse é ríspido e presunçoso. “Sou velho, solteiro e não entendo a natureza humana”, diz. É fã de ópera, tem gostos refinados, bebe sem parar e aprecia palavras cruzadas.

Sua falta de traquejo social é evidenciada no episódio “Twilight of the gods”, quando ele pergunta pela primeira vez como vão a esposa e filhos do sargento Lewis, seu parceiro desde sempre.

No Brasil, “Inspetor Morse” chegou a passar no Multishow e até há pouco tempo constava da grade do canal Film & Arts. Em 2007, anunciou-se um “spin-off” com o parceiro de Morse no papel principal – “Lewis” já está na sexta temporada.

Um dado curioso: reparem na bela música incidental e no tema da série, criados por Barrington Pheloung. Nos acordes da flauta, pode-se distinguir uma palavra dita em código Morse: o nome do protagonista, Morse. Em certos casos, a flauta também revela o nome do assassino.

A mobília falante de Datena

Posted: 9th outubro 2011 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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Folha de São Paulo – Ilustrada
9 de outubro de 2011

por Vanessa Barbara

Não dá pra saber se foi de verdade ou encenação, mas achei José Luiz Datena um sujeito estranhamente lúcido.

Nesta quarta, o virulento apresentador de “Brasil Urgente” (Band, seg. a sex. às 17h) foi o convidado de Marília Gabriela no “De frente com Gabi” (SBT, qua. à 0h15), onde tomou as rédeas da conversa.

Esquivando-se das perguntas sobre seu salário possivelmente milionário, ele falou da mudança brusca de emissoras e declarou ser infeliz com o que faz. “Eu odeio fazer jornalismo policial”, disse. “Só caí nessa porque o Eduardo Lafon me deu a oportunidade.”

À vontade com o próprio discurso, o jornalista tinha os olhos vermelhos e falou de Complexo de Édipo, mais-valia e Tolstói.

“Esse negócio de propriedade é uma coisa muito relativa. Eu estava lendo outro dia… relendo os clássicos do Tolstói e tinha lá um cavalo”, afirma, referindo-se ao conto “Kholstomér”. Nele, o equino indaga se a propriedade é daquele que tem ou daquele que cuida.

Datena exalou angústia e tormento existencial. “Quando eu não tinha grana era mais feliz do que sou hoje”, revelou, citando de improviso um trecho das “Confissões” de Santo Agostinho, no qual o filósofo vê um mendigo sorrindo e inveja sua felicidade.

“O mendigo não tinha nada. E ele, que tinha praticamente tudo, estava vivendo um momento tenso.” Segundo Datena, o filósofo apreciava as mulheres e, “se não me engano, foi o autor da frase: ‘Senhor, faça-me casto, porém não agora’”.

É um discurso muito encaixado e pensado para provocar determinada reação – Datena está infeliz e odeia o que faz. Ao longo da entrevista, fiquei pensando no “Faça-me casto, porém não agora” e na pergunta: por que, então, Datena continua nesse emprego detestável? Por que não sai agora e vai fazer aquilo que gosta?

Posso até dar uma sugestão. No melhor momento da noite, ele confessa que já foi ao psiquiatra e fez três meses de terapia. “O médico botou uma cadeira vazia e falou assim: ‘essa aqui é a sua mãe’.”

Datena passou quarenta minutos conversando com a cadeira. “Se foi bom, não sei. Mas toda vez que eu vou à Tok&Stok vejo a minha vó, meu pai, minha tia…”

Taí: Datena podia comandar um talk show com cadeiras.

Folha de S. Paulo – Ilustrada
2 de outubro de 2011

Febre no YouTube, vídeos da Galinha Pintadinha estreiam no mercado hispânico após terem sido recusados por canais de TV

Divulgação

Galinha Pintadinha e Galo Carijó no 2º DVD de clipes

VANESSA BARBARA
COLUNISTA DA FOLHA

Sucesso entre os bebês de variadas procedências e classes sociais, os vídeos da franquia brasileira Galinha Pintadinha se preparam para entrar no mercado hispânico.

A fase de produção já foi concluída no México e a equipe procura distribuidores na América Latina. Por enquanto, só três das 16 faixas estão disponíveis em espanhol no YouTube: “Mariposita”, “Gallina Pintadita” e “Pollito Amarillito”, com 80 mil visualizações no total.

Os criadores da febre da Galinha são os publicitários Marcos Luporini, 40, e Juliano Prado, 41, sócios da Bromélia Filminhos, de Campinas (SP). Há quatro anos, produziram uma animação caseira da cantiga “Galinha Pintadinha”, de um minuto e 49 segundos, para mostrar a produtores de canais infantis.

Fizeram um videoclipe simples e colorido protagonizado por uma galinha azul de pintinhas brancas que certo dia cai adoentada e sofre a indiferença do marido carijó. A letra aparece na tela com uma bolinha para as crianças acompanharem.
Como não podiam se deslocar para mostrar o vídeo aos compradores, eles postaram o material no YouTube.

“À época, buscávamos alguma forma de conseguir financiar o restante do projeto. Tentamos de tudo. As pessoas até simpatizavam, mas não davam dinheiro”, conta Luporini. Entre as empresas que recusaram o vídeo, estão a TV Cultura, o Discovery Kids e agências de propaganda.

Conformados com a recusa, nem se preocuparam em tirá-lo do ar. Seis meses depois, o clipe havia sido visto meio milhão de vezes. Hoje, já são 42 milhões.

Desde então, o subproduto mais célebre da franquia, o “Pintinho Amarelinho”, é o mais visto do mundo na categoria filmes e desenhos, com 75 milhões de cliques. Outros oito títulos da marca estão no top 15 do YouTube, com 266 milhões de visitas.

Nos últimos dois anos, a dupla lançou dois DVDs, um CD com versões de ninar, um galináceo de pelúcia e uma coletânea em Blu-ray. Pretende ainda licenciar a marca para comercializar brinquedos, roupas, material escolar e um game on-line.

Recentemente, foram procurados pela agência F.Biz, que propôs uma ação de marketing conjunta com os sabonetes Lifebuoy. A faixa “Lava a Mão” já existia e estava na lista do próximo DVD.

“Apresentamos a música e, por razões óbvias, a empresa se interessou. Antecipamos a produção e o lançamento do clipe no YouTube como um oferecimento Lifebuoy”, conta Luporini. Em menos de dois meses, o vídeo tem 1,8 milhão de cliques.

LOOPING

O paulistano Max Blas Vidal de Souza, um ano e cinco meses, é um bebê geralmente centrado. Com seus cachos alourados e temperamento pacífico, Max tem pendor para a literatura e as artes plásticas, sendo seu único revés comportamental o costume de sujar a calça de geleia.

Ainda assim, há uma coisa que tira Max do sério: os vídeos da Galinha Pintadinha. Sofia Nishida, de 14 meses, e Augusto Saggio Barbará, de 17 meses, também escutam as músicas sempre em looping.

“Dos quase 16 milhões de visualizações desse vídeo, 15 milhões foram dos meus filhos”, calcula o webdesigner Rafael de Souza, em comentário no YouTube.

Até a presidente Dilma Rousseff revelou sua predileção pelo galináceo cantante, após ter sido flagrada, em julho, entoando em altos brados a música-título, junto ao senador Lindbergh Farias (PT-RJ) e à ministra Helena Chagas, numa viagem a bordo do avião presidencial.

Ela assumiu os vocais e os assessores ficaram no “pó, pó, pó, pó…”. Depois, cantou “Atirei o Pau no Gato” com o vice Michel Temer. Dilma tem um neto de um ano.

Todos os bebês expostos à epidemia aviária repetem mecanicamente os gestos do pintinho (que “cabe aqui na minha mão”) e, ao verem ilustrações de batráquios, fazem “não” com as mãos (de “O Sapo Não Lava o Pé”).

A praga voltou-se contra os próprios criadores -Luporini tem um bebê de oito meses, e Prado, duas filhas mais velhas, todos infectados. Ainda assim, rejeitam as acusações de haver mensagens subliminares nos vídeos.

“Engraçado como essas teorias conspiratórias antigas nunca saem de moda”, desconversa Luporini, acrescentando: “Dominar o mundo não está nos nossos planos”.

“Não existe nenhuma técnica”, diz. “Só buscamos simplificar a linguagem para aproximá-la dos pequenos. O resto é intuição mesmo.”

Zebras na pista

Posted: 2nd outubro 2011 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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Folha de S. Paulo – Ilustrada
02 de outubro de 2011

por Vanessa Barbara 

Quando me disseram que “problemas com zebras” atrasaram o início do treino livre de Fórmula 1, na sexta-feira passada, decidi que era hora de finalmente assistir ao Grande Prêmio de Cingapura, pela Globo (dom. às 9h).

Qual foi a minha decepção ao saber que as tais zebras não eram os equídeos listrados de temperamento pacífico e olhar perdido que todos nós conhecemos e amamos, trotando desvairadamente em direção ao grid de largada, mas as faixas pintadas que margeiam as curvas do autódromo.

A desilusão esportiva não parou por aí: logo de início, Galvão Bueno informou que um carro iria “abrir as asas”. Ninguém saiu voando.

Ele se referia ao aerofólio traseiro no formato de asa invertida que, quando acionado, confere maior velocidade na ultrapassagem minimizando o chamado “downforce”, que grudaria o automóvel ao chão em vez de fazê-lo decolar.

A Fórmula 1 é um esporte anticlimático. Ninguém voa e não há zebras na pista.

Embora o Circuito de Marina Bay seja noturno e urbano, com a cidade estonteantemente iluminada à beira de uma baía, e ainda que os pilotos trafeguem pela contramão e no corredor de ônibus, o evento em si não tem muitos atrativos para quem esperava a corrida de bigas do “Ben-Hur”.

É uma competição de automóveis milionários andando em círculos milionários, enquanto na tela surgem dados de velocidade, distância e número de voltas.

Nos bastidores, há uma infinidade de velhos alemães e moças loiras com calças justas de oncinha, além de alarmados homenzinhos acolchoados que trocam pneus em 2,9 segundos – de quem, aliás, gosto muito.

Gosto também dos sujeitos de macacão que entram correndo para tirar pedaços de carros recém-acidentados. Gosto quando o carro de segurança entra na pista e, comportados, os pilotos fazem filinha atrás dele e andam em ziguezague, com a intenção secreta de irritar quem vem atrás.

Foram duas horas de considerações sobre a estratégia dos pneus e só uns poucos comentários sobre o equilíbrio mental de Lewis Hamilton, que, para Galvão Bueno, é hoje um caso de psiquiatria.

“Ele literalmente tem perdido a cabeça dentro do carro, não tem outra explicação”, diz o locutor, e eu quase caio do sofá.