A mobília falante de Datena

Postado em: 9th outubro 2011 por Vanessa Barbara em Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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Folha de São Paulo – Ilustrada
9 de outubro de 2011

por Vanessa Barbara

Não dá pra saber se foi de verdade ou encenação, mas achei José Luiz Datena um sujeito estranhamente lúcido.

Nesta quarta, o virulento apresentador de “Brasil Urgente” (Band, seg. a sex. às 17h) foi o convidado de Marília Gabriela no “De frente com Gabi” (SBT, qua. à 0h15), onde tomou as rédeas da conversa.

Esquivando-se das perguntas sobre seu salário possivelmente milionário, ele falou da mudança brusca de emissoras e declarou ser infeliz com o que faz. “Eu odeio fazer jornalismo policial”, disse. “Só caí nessa porque o Eduardo Lafon me deu a oportunidade.”

À vontade com o próprio discurso, o jornalista tinha os olhos vermelhos e falou de Complexo de Édipo, mais-valia e Tolstói.

“Esse negócio de propriedade é uma coisa muito relativa. Eu estava lendo outro dia… relendo os clássicos do Tolstói e tinha lá um cavalo”, afirma, referindo-se ao conto “Kholstomér”. Nele, o equino indaga se a propriedade é daquele que tem ou daquele que cuida.

Datena exalou angústia e tormento existencial. “Quando eu não tinha grana era mais feliz do que sou hoje”, revelou, citando de improviso um trecho das “Confissões” de Santo Agostinho, no qual o filósofo vê um mendigo sorrindo e inveja sua felicidade.

“O mendigo não tinha nada. E ele, que tinha praticamente tudo, estava vivendo um momento tenso.” Segundo Datena, o filósofo apreciava as mulheres e, “se não me engano, foi o autor da frase: ‘Senhor, faça-me casto, porém não agora’”.

É um discurso muito encaixado e pensado para provocar determinada reação – Datena está infeliz e odeia o que faz. Ao longo da entrevista, fiquei pensando no “Faça-me casto, porém não agora” e na pergunta: por que, então, Datena continua nesse emprego detestável? Por que não sai agora e vai fazer aquilo que gosta?

Posso até dar uma sugestão. No melhor momento da noite, ele confessa que já foi ao psiquiatra e fez três meses de terapia. “O médico botou uma cadeira vazia e falou assim: ‘essa aqui é a sua mãe’.”

Datena passou quarenta minutos conversando com a cadeira. “Se foi bom, não sei. Mas toda vez que eu vou à Tok&Stok vejo a minha vó, meu pai, minha tia…”

Taí: Datena podia comandar um talk show com cadeiras.