Folha de S. Paulo – Ilustrada
10 de janeiro de 2012

por Vanessa Barbara

Tarde do dia 64. As câmeras focalizam Space, que está fumando um cigarro na estufa de plantas. Marky e Veronica tomam sol na piscina. Joplin e Pippa estão no sofá, conversando.

“Quer dizer, o que é a televisão?”, filosofa Joplin, enquanto a companheira de confinamento pinta as unhas dos pés. “É apenas uma grande seta apontando para longe do problema. Especialmente em programas como este.” Mirando o horizonte, Pippa retruca, pensativa: “Os dedos do pé têm ossos?”.

Começa amanhã, dia 10 de janeiro, o “Big Brother Brasil 12”, na Globo, e espera-se que seja tão bom quanto os cinco episódios da minissérie inglesa “Dead Set”, de Charlie Brooker, produzida em 2008 pelo E4 e exibida no Brasil através do Multishow.

A série se passa dentro da casa do Big Brother inglês, onde os participantes se encontram efetivamente confinados por conta de um apocalipse zumbi que tomou conta do mundo. Conforme previsto, eles agem como se a epidemia fosse uma prova especial da produção, ficam lisonjeados com os gritos lá fora e aplaudem a nova participante que consegue entrar na casa – uma estagiária ensaguentada fugindo dos zumbis.

Além disso, a transmissão ao vivo não é interrompida, e tudo acontece em noite de eliminação.

A série de terror conta com a participação de inúmeros ex-BBBs de verdade e da apresentadora oficial da versão britânica: Davina McCall, em papel de destaque – ela admitiu inspirar-se no vilão de “Exterminador do Futuro 2” para seus trejeitos moribundos. É como se Pedro Bial viesse rastejando pelo corredor, olhasse para a câmera e gritasse: “Miolos!”.

Charlie Brooker trabalhou com um orçamento apertado. As cenas de Davina foram filmadas em um só dia, e os mesmos figurantes tiveram de interpretar diferentes mortos-vivos por conta do alto custo das lentes de contato. Em lugar de uma caríssima explosão de carro, recorreu-se a um prosaico “problema mecânico” para justificar uma fuga a pé. As cenas do público na noite de paredão são verdadeiras, e muitos dos extras da multidão decrépita foram voluntários recrutados via internet.

Apesar das limitações de produção e da relativa falta de originalidade do enredo, a atração foi bem recebida pelo público e crítica, que a consideraram bastante realista. Não me surpreenderia se terminasse com a legenda: “Baseada em fatos reais”.

Amanhã, protejam seus miolos.

Folha de S. Paulo – Ilustrada
3 de janeiro de 2012

por Vanessa Barbara

Aos que andam em busca de uma diversão leve e descontraída, não recomendo que comecem o ano assistindo a nova temporada de “Breaking Bad”, que estreia hoje no AXN (às 23h).

É o quarto ano dessa série que anda mais soturna do que nunca, embora seu enredo seja o de sempre: Walter White é um afável professor de química que, diagnosticado com câncer terminal, resolve fabricar metanfetamina para ganhar dinheiro rápido e garantir o sustento da família. Acaba se envolvendo com o tráfico e passa a mentir para manter a fachada – sobretudo diante do cunhado, que é policial do Departamento de Narcóticos.

A temporada terminou em outubro nos EUA com grande estrondo. Só se falou de uma determinada cena final, que evidentemente não vamos contar aqui. Resta dizer que os treze episódios desta leva são excelentes, mantendo um nível de tensão contida que explode aqui e ali, quando menos se espera, deixando a impressão contínua de que a todo momento pode ser o fim da série.

Vince Gilligan é o nome por trás de “Breaking Bad” – uma gíria que pode ser traduzida como “meter o pé na jaca”, “tocar o horror” ou “chutar o balde”. Mais conhecido por seu trabalho em “Arquivo-X”, é ele quem assina os roteiros, a direção e a produção. Tem o dom de fazer evoluírem seus personagens de forma crescente, construindo arcos dramáticos até para os parentes mais enfadonhos de Walt – o único que continua igual é Walt Jr., até agora.

Além disso, usa movimentos de câmera para sugerir coisas, é meticuloso com a fotografia e os detalhes. Também se permite certas excentricidades, como basear um episódio inteiro numa mosca do laboratório e perder-se nas conversas dos viciados – a discussão sobre zumbis nazistas é um primor.

A tal cena que espantou a audiência nem é uma reviravolta, tendo sido orquestrada a partir de um lento e premeditado jogo de xadrez urdido por Gilligan desde o início da temporada. E que resulta em belas jogadas como a do sétimo episódio, quando o cunhado de Walt quase se dá por vencido. Quase.

Gilligan confessa trabalhar os roteiros tijolo por tijolo, considerando todas as permutações possíveis do enredo e cogitando as diferentes formas de desenvolvê-lo. O resultado é que, no fim, as peças se encaixam.

Eu, por exemplo, tive que recolher o meu queixo do chão e, depois de recolocá-lo no lugar, fiquei rindo sozinha.

Revista Vida Simples
Dezembro de 2011 – ed. 113

por Vanessa Barbara 

Possivelmente “o conceito mais importante de nossos dias”, segundo a ambientalista Joanna Yarrow, a pegada de carbono tem sido assunto recorrente nos guias práticos sobre mudanças cotidianas. O termo se refere à quantidade de dióxido de carbono (CO2) emitida como resultado direto ou indireto de uma atividade qualquer.

Quase tudo o que fazemos resulta em emissão de carbono, o que em si não é um problema, mas sabe-se que essa quantia vem aumentando exponencialmente, a ponto de não haver tempo para sua reabsorção natural. O gás em excesso se acumula na atmosfera e provoca todo tipo de alterações climáticas. “Atualmente, a liberação de CO2 ocorre três vezes mais rápido que a capacidade de reabsorção”, afirma a autora.

Yarrow é diretora de uma empresa de consultoria ambiental londrina e autora de dois guias lançados pela Publifolha: Como combater o aquecimento global – Informações completas para você reduzir a sua pegada de carbono (2008, 128 pp.) e 1001 maneiras de salvar o planeta – Idéias práticas para tornar o mundo melhor (2007, 384 pp.). São manuais que sugerem medidas simples como trocar as lâmpadas de casa por fluorescentes compactas, consumir alimentos orgânicos, usar os dois lados do papel (não o higiênico!) e reaproveitar velinhas de aniversário.

Segundo Yarrow, se cada um mantiver seu índice em torno de 1,5 tonelada de CO2 por ano, o ciclo do carbono pode voltar ao normal. “Essa é uma boa notícia se você vive na África subsaariana, onde esse total é o dobro da quantidade de carbono que grande parte das pessoas emite, mas para a maioria de nós significa cortes substanciais”.

Movida pela culpa ocidental, aceitei o desafio proposto pela Vida Simples: seguir as recomendações de Joanna Yarrow por quinze dias e registrar a experiência. Antes de tudo, usei uma calculadora na web para estimar a minha pegada anual (Carbon Footprint, em http://calculator.carbonfootprint.com/calculator.aspx). Descobri, com certo orgulho patriótico, que o fato de eu não ter um carro e raramente usar táxi, preferindo sempre ir de ônibus, metrô ou a pé, me confere uma boa média anual de 2,95 toneladas por ano. As nações mais ricas estão na marca de 11 toneladas. Os principais culpados são o automóvel e o avião.

Início da experiência

Para começar, estudei diligentemente as obras de referência e cheguei a uma conclusão: Joanna Yarrow não deu a mínima para a sua própria pegada de carbono, publicando dois livros desnecessariamente extensos, que podiam ser resumidos num só, com uma dúzia de dicas dispostas em poucas – e concisas – categorias. Ainda que o papel seja reciclado, a sra. Yarrow faria melhor se lançasse seus conselhos em e-book.

Dito isso, vi algumas sugestões interessantes, outras pitorescas e uma grande maioria com aplicação quase que limitada aos países ricos, como as que se referem ao sistema de aquecimento central, serviço de higienização de fraldas de pano, máquinas de secar roupa e lavar louça, embargo ao caviar, comércio ético de diamantes, golfe ecológico e o dilema dos casacos de pele.

Outras estariam ali apenas para fazer número. Como esta:

no 671 – Comemore! Apesar dos problemas que estamos enfrentando, o mundo não é um lugar tão ruim assim. Não se esqueça de celebrar a alegria da vida aqui e agora. Como disse o jogador de beisebol Satchel Paige, “trabalhe como se não precisasse do dinheiro, ame como se nunca tivesse sido magoado, dance como se ninguém estivesse vendo”.

E o que dizer desta?

no 153 – Olhar as estrelas – Para se reconectar com a Terra e todo o universo, passe uma noite sob as estrelas, deitado apenas sobre um lençol.

Além disso, há recomendações repetidas com ligeiras variações, sendo as principais: “tampe a panela ao ferver a água”, “ensine seus filhos a andar de bicicleta”, “aproveite a natureza” ou “use bicarbonato” – esta última com referência a qualquer coisa.

A seguir, como preencher ecologicamente duas semanas da sua vida com 200g de bicarbonato.

Dia a dia

Dia 1: Munida de ótimas intenções, fui pesquisar informações sobre carregadores para laptop ou celular movidos a energia solar – uma fonte limpa e renovável, que aproveita os raios do nosso Astro Rei para gerar energia sem liberar, no entanto, uma grama sequer de CO2 para a atmosfera. Há uma mochila da marca Xonma com duas placas fotovoltaicas embutidas que captam a luz solar e transformam em energia elétrica, carregando baterias e transferindo energia para eletrônicos. Preço: R$ 339,00. As da marca Voltaic são as mais cobiçadas e custam R$ 1.099,00. No Mercado Livre é possível encontrar modelos mais genéricos de R$ 100,00, mas não me arrisquei. Vou esperar baixar o preço.

Dia 2: Na condição de adepta ferrenha da reciclagem e do reaproveitamento de materiais em suas mais diversas formas e possibilidades, reduzindo a geração de lixo, descobri que uma das minhas grandes faltas era não aproveitar as sobras de folhas de chá para adubar as plantas (dica no 654). Assim fiz. Querido diário, hoje matei um girassol.

Dia 3: Ainda abalada pelo revés botânico do dia anterior, que continua sem explicação, resolvi partir para algo certeiro. Reduzi o brilho dos monitores da casa (TV e laptops) e tirei da tomada vários aparelhos que permaneciam constantemente em stand-by. No Reino Unido, equipamentos eletrônicos deixados em modo de espera são responsáveis por 8% do consumo doméstico de energia. E o relógio digital do microondas utiliza tanta energia em um ano quanto o próprio microondas. Outro dado interessante: deixar o carregador do celular ligado o tempo todo na tomada, mesmo sem conectar o aparelho, pode desperdiçar até 95% de toda a energia que ele recebe. Também programei o protetor de tela do meu laptop para “nenhum” (tela preta), conforme as recomendações de Yarrow.

Dia 4: Começa a temporada do bicarbonato. A autora assim prega: “Esqueça os produtos de limpeza modernos e use bicarbonato de sódio, que é muito barato. Ele é bom para limpar tudo e tem ação fungicida”. É possível ter uma economia de 63% no supermercado com a troca de produtos (como água sanitária e detergente) pelo bicarbonato. Hoje desentupi os ralos da cozinha e do tanque usando meio copo de bicarbonato de sódio, meio copo de vinagre branco e água fervente. A mistura soltou vapores e ameaçou implodir os canos, mas, fora isso, fez algum efeito. E é divertido. Descobri que essa combinação forma justamente o dióxido de carbono (CO2), o que me deixou um tanto perplexa. (A ideia não é diminuir as emissões de gás carbônico?) A mesma mistura serve para limpar vasos sanitários, azulejos, cortinas com mofo, panelas queimadas, utensílios de aço inox, carpetes, tecidos com ferrugem. O bicarbonato também se presta a eliminar odores quando misturado numa tigela com água. E é utilizado como desengordurante de forno, bastando passar uma pasta com água e deixar descansar.

Dia 5: Verifiquei a vedação da porta da geladeira colocando nela um pedaço de papel. Se o papel escorregasse com a porta fechada, o que não ocorreu, seria hora de trocar o material. Também limpei a poeira acumulada na serpentina que fica atrás da geladeira, pois, segundo Yarrow, isso aumentará sua eficiência em até 30%, otimizando a capacidade do aparelho e economizando alguns Kw na conta de energia no final do mês.

Dia 6: Dia de renegar o azeite de dendê, que é antiecológico: os dendezeiros estão substituindo grandes extensões de florestas importantes para as espécies da Indonésia, como o orangotango e o tigre-de-sumatra. Ainda que a autora não forneça maiores detalhes, sabe-se que a monocultura de dendezeiros é a principal causa de desmatamento nessa região do planeta, com cifras na casa de 1,3 milhão de hectares por ano. A emissão de dióxido de carbono na produção do azeite é tão excessiva que suplantaria os benefícios de sua utilização como biocombustível.

Dia 7: Hoje esfreguei bicarbonato na pele para testá-lo como desodorante (dica no 457). Yarrow diz que muitos desodorantes comerciais contém alumínio, que pode ser absorvido pela pele e afetar órgãos internos, além de trazerem perfume em excesso e implicarem embalagens desnecessárias. Surpreendentemente, o bicarbonato funciona.

Dia 8: Parei de comprar leite longa vida e aderi de vez ao leite orgânico, que consome apenas um terço da energia gasta na produção de leite de caixinha – provavelmente por causa dos altos custos de embalagem, processamento e distribuição. Além disso, tem mais nutrientes – até dois terços a mais de ômega-3.

Dia 9: Hoje é dia de lavar as mãos e não secá-las, sacudindo-as no ar ou esfregando-as na roupa (na sua ou na dos outros, por meio de um afetuoso abraço). Para Yarrow, não dá pra saber o que é mais danoso ao meio-ambiente: se usar secadores elétricos (movidos a fontes de energia não-renováveis) ou toalhas de papel, que desperdiçam madeira e outros recursos valiosos. Na dúvida, convém chacoalhar. Além disso, hoje encontrei a dica mais útil do livro, a de número 975:

Nuance semântica Hoje em dia, muitos produtos trazem no rótulo o triângulo de flechas pretas que os identifica como “recicláveis”. Em tese, muitas coisas podem ser recicladas, mas, ao comprar essas mercadorias, a responsabilidade pela reciclagem continua sendo sua. Por isso, procure comprar produtos de materiais já reciclados. Eles trazem no rótulo um triângulo ligeiramente diferente, com flechas brancas sobre um fundo escuro. Uma diferença sutil de comunicação com grande impacto no meio ambiente.

Dia 10:  Hora de radicalizar e seguir a dica no 887: “Adote uma família de rãs”. Diz a autora: “Se você tem um laguinho no jardim (com bastante vegetação e margens com acesso fácil para anfíbios), recolha um punhado de ovos de rã de um lago próximo e transfira-os para o seu laguinho, que será o novo lar dos futuros girinos. Não se esqueça de deixar ovos suficientes no ecossistema de onde você os retirou.” Ela não fornece maiores explicações quanto às benesses de se criar uma família anfíbia, mas, convenhamos, mal não há de fazer.

Sendo assim, passei a tarde abrindo um buraco no jardim com uma pá de pedreiro. A quem passava pelas imediações, eu balbuciava frases vagas sobre as obras da futura estação Mandaqui do metrô. No buraco, encaixei uma bacia velha com água e testei sua funcionalidade com minhas três tartarugas. Projeto aprovado, só falta ir ao Horto Florestal buscar uns ovinhos.

Dia 11: O sucesso lacustre da véspera me isentou de seguir a dica no 455: “Se você tem quintal grande, crie algumas galinhas poedeiras”. Aí já é demais. Segundo Yarrow, elas comem de tudo, exceto casca de frutas cítricas, sendo uma boa solução para o reaproveitamento do lixo orgânico. Os galináceos também ajudam a combater as pragas do jardim, como lesmas e caracóis, e trazem “ovos fresquinhos e saborosos para toda a família”. A ideia de fazer um minhocário tampouco me atraiu.

Dia 12: Uma das sugestões para refrescar a casa é plantar trepadeiras em treliças em seu lado mais quente. A quinze centímetros da parede, elas formam um colchão vertical de ar frio. Aproveitando uma planta que já existia em casa, improvisei uma treliça na grade da minha janela que ficou bastante simpática, e espero que dê uma ajuda no verão.

Dia 13: Hoje enfim choveu e pude me valer de uma tina vazia que deixei estrategicamente sob o cano de escoamento da calha para recolher a água da chuva. Ainda que turva e possivelmente ácida, a água coletada serviu para regar as plantas e lavar o chão da lavanderia.

Também decidi parar de comprar sabão em pó com fosfatos. Ao entrar na rede fluvial, a substância estimula a proliferação de algas que consomem todo o oxigênio da água, sufocando plantas e animais. “É pior do que a morte”, enfatiza a autora. Ainda no quesito supermercado, darei preferência a produtos vendidos a granel, que poupam o uso de embalagens, com opção de refil ou aqueles embalados em vidro (material mais fácil de reciclar e de se decompor).

Dia 14: Por sorte, meu cabelo é oleoso. Sendo assim, fui obrigada a dispensar a dica no 839: “Espalhe cerca de 100 gramas de maionese no cabelo seco, espere 15 minutos, enxágue a cabeça e depois lave. Como alternativa, misture abacate amassado com leite de coco”. O livro tem outras receitas caseiras de beleza que evitam a compra de produtos industriais, como uma máscara facial de iogurte e aveia. “Se a mistura sobrar, coma-a!”

Dia 15: Para terminar a maratona ecológica, escolhi a dica no 843, que dispõe sobre os benefícios de “usar os intervalos comerciais dos programas de TV para remendar roupas, afiar facas ou até consertar a bicicleta”. Como justificativa, ela diz apenas que “nossos pertences duram muito mais se forem bem cuidados”, e que, de quebra, essa política de produtividade poderia diminuir nosso consumo de porcarias televisivas. Sei que é estranho assistir a uma partida de futebol com uma pedra-pomes na mão esquerda e uma peixeira na direita, mas é o preço que se paga para salvar o planeta.

Legal mesmo seria encerrar com a dica no 1001, que diz: “Veleje ao pôr-do-sol”. Mas não vai dar. Preciso cuidar dos meus bebês girinos.

 

Folha de S. Paulo – Ilustrada
26 de dezembro de 2011

por Vanessa Barbara 

Fim de ano sem retrospectiva na TV é como prova de hipismo nas Olimpíadas: não tem graça. Desde aproximadamente setembro estamos aguardando uma boa recapitulação dos eventos do ano, ansiosos por seu término, e a pioneira foi a da RedeTV!, com sua “Retrospectiva 2011” exibida no dia 18. Acompanhei a edição do programa disponível no site.

Com uma hora de duração, o especial até que fez um apanhado razoável dos fatos jornalísticos do ano. Foi longo e falou de diversas áreas: os protestos no mundo árabe, o terremoto no Japão, as mortes de Bin Laden e Muanmar Kadafi, as tragédias provocadas pelas chuvas, o Rock in Rio e a queda sucessiva de ministros.

Nos intervalos, “como não poderia deixar de ser”, temas pitorescos como a morte do urso polar Knut, a multa aplicada em noivas atrasadas e um homem pelado andando pelas ruas de Nova Mutum. (A expressão entre aspas é uma das mais intrigantes do nosso tolicionário, voltarei a ela em outra ocasião.)

Só houve um problema: o roteiro foi gerado automaticamente por um ciborgue, de posse do livro “O Pai dos Burros” (Humberto Werneck, Arquipélago Editorial, 2009), uma compilação de lugares-comuns e frases feitas do nosso léxico.

Está tudo lá: no especial, fala-se em “morte e destruição”, “solo tupiniquim” e “carnaval brazuca”. Invoca-se uma tal “face devastadora da natureza, com suas marcas e cicatrizes”.

Sem constrangimento, as repórteres ultramaquiadas fazem caras e bocas, mas no fundo parecem não prestar atenção ao texto: o importante é dar ênfase. “É o trânsito em sinal de alerta”, exclamam. E emendam uma série de trocadilhos deprimentes: o ex-ministro da Agricultura teve uma colheita infeliz, o dos Transportes saiu dos trilhos, o do Trabalho entrou para as estatísticas de desemprego e o de Turismo carimbou o passaporte para fora do governo.

Por que a televisão precisa ser sempre tão engraçadinha e enchoiriçada?

Amy Winehouse “vai embora assim como invade o Planeta Sucesso: fugaz demais” [sic]. Ainda assim, ela “ecoa viva por todos os quadrantes do Planeta Música”.

O mais constrangedor é o segmento sobre as obras da Copa-2014: “Por enquanto não há jogadores e nem torcedores. Os donos da bola são estes operários, que de Norte a Sul correm contra o relógio para mostrar uma Copa com cara e jeito do país do futebol”. Só aí, foram cinco clichês.

E o ano ainda não acabou.

Leituras radicais

Posted: 20th dezembro 2011 by Vanessa Barbara in Blog da Cia. das Letras, Crônicas
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Blog da Companhia das Letras
20 de dezembro de 2011

por Vanessa Barbara

Durante muito tempo, minha única frustração na vida foi não poder levar os livros comigo para o chuveiro, grudando-os com ventosas à parede do box e tentando virar a página com os dentes. Naquela época, não existiam livros infantis emborrachados e nem audiobooks (até hoje, a Bíblia narrada pelo Cid Moreira me desperta uma curiosidade sem fim).

Fato é que interromper um romance nunca é agradável, e por isso há quem tenha o desastroso hábito de ler pendurado nas alças dos ônibus, ou mesmo enquanto anda — antes isso do que perder o ponto de descer, dizem. Eu mesma já fui vista plantada em plena calçada, nas últimas páginas de O Senhor dos Anéis, dando um passo e parando, outro passo e parando, e só não me sentei no meio-fio porque podiam me prender por perturbação da ordem pública. Há os que leem atravessando a rua e, quando a calçada está excessivamente cheia, fazem uma parada estratégica no canto de um prédio para terminar um capítulo.

Já li em cima do telhado, principalmente volumes de suspense e terror, sob a ameaça constante de quebrar uma telha e cair. Outra vez, instalei-me no beiral externo da praça Buenos Aires, ou seja, na rua, em busca dos últimos raios de sol daquela tarde, e liElizabeth Costello. Ganhei uma moeda.

Os locais mais visados para a prática da leitura são a cama (abajur opcional), a poltrona, o banheiro, a mesa da cozinha, a praia e a sala de espera dos médicos. Alguns leem durante refeições solitárias, no cabeleireiro, no aeroporto, nos trens e nos parques. Há quem devore um volume inteiro enquanto espera um amigo atrasado, mesmo que de pé e procurando um facho de claridade em meio à penumbra.

Cresci numa família de gente que gosta de comer lendo (ou de ler comendo, uma das principais causas de obesidade em intelectuais), o que, se não preza pela sociabilidade em termos de interação familiar, ao menos pode render assuntos dos mais variados, sobretudo quando alguém acha algo engraçado e decide ler em voz alta. Meu sobrinho, do alto de seus 20 meses de idade, já demonstra um nítido comichão literário no decurso das refeições, quando costuma pedir para analisar os folhetos promocionais de supermercado e os cardápios de pizzarias.

Semana passada, o estudante paraense Diego Uchôa postou no Facebook esta foto de um gari lendo um livro dependurado no caminhão de lixo. Mais de 7 mil pessoas compartilharam a imagem, e, embora a maioria se limitasse a enaltecer a força de vontade essencial para vencer na vida, não é bem isso o que me vem à mente. Afinal, qual será o título da obra? Também me pego a pensar nesse braço esquerdo astutamente preso ao suporte do caminhão (ele deve ter prática no desporto radical) e na disponibilidade quase absoluta das duas mãos para o manejo do livro — como qualquer bom leitor também irá reparar, admirado.

É gente que aproveita qualquer brecha no cronograma para ler mais um trecho de um romance policial, nem que, para isso, tenha que o fazer dirigindo, com o livro sobre o volante. Ou enquanto pratica a equitação.

Pesquisando por aí, encontrei relatos de gente que lê enquanto passeia de bicicleta ou toca órgão na igreja — esta última, aliás, é uma ocorrência comum, já que os músicos são obrigados a escutar várias vezes o mesmo sermão nas missas e correm o risco de cochilar bem em cima do instrumento. Devo confessar que já levei um livro de bolso para ler num show de rock, enquanto a banda de abertura tocava, e se não me engano era um Dostoiévski (mas também podia ser um gibi do Cebolinha).

Nesses termos, ninguém supera a minha mãe, que leu um romance inteiro nas arquibancadas de um estádio de futebol. Foi num Juventus vs. Joinville, na rua Javari, pela Taça São Paulo de Futebol Junior de 1986. Os gols foram de Camus (contra), Duras e Dumas (de barriga).

* * * * *

Vanessa Barbara tem 29 anos, é jornalista e escritora. Publicou O livro amarelo do terminal (Cosac Naify, 2008, Prêmio Jabuti de Reportagem), O verão do Chibo (Alfaguara, 2008, em parceria com Emilio Fraia) e o infantil Endrigo, o escavador de umbigo (Ed. 34, 2011). É tradutora e preparadora da Companhia das Letras, cronista da Folha de S.Paulo e colaboradora da revista piauí. Ela contribui para o blog com uma coluna mensal.

Beijinho, dona Iara!

Posted: 19th dezembro 2011 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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Folha de S. Paulo – Ilustrada
19 de dezembro de 2011

por Vanessa Barbara

Campeão de audiência em consultórios de ginecologista e salões de beleza, o programa “Mulheres” (Gazeta) é a atração de fundo mais sintonizada nesses locais. Parece durar a vida inteira, mas passa de segunda a sexta, das 14 às 18h, em quatro horas diárias de atração.

“Mulheres” é o programa feminino de maior longevidade da TV brasileira, no ar desde 1980. Tem quadros de culinária, artesanato, saúde, fofocas de celebridades, desfiles de moda e a presença ocasional de bebês.

Na última terça-feira, o programa começou com a participação de Mamma Bruschetta, interpretada pelo ator Luiz Henrique Benincasa, uma senhora italiana fofoqueira que comenta a vida das celebridades. O diálogo inicial foi algo insólito.

“Ah, deixa eu te perguntar”, disse Mamma à apresentadora Cátia Fonseca, após se queixar do calor e elogiar seu vestido. “O motorista que me trouxe aqui tem uma esposa chamada dona Iara, aí eu conversei com a dona Iara pelo telefone, porque ela é fã da gente (beijinho, dona Iara!) e ela quer saber o seguinte: o nome da tua sogra”.

Depois de ouvir a resposta, Mamma dispara: “É ela! Elas foram amigas há muito tempo. Diz que tem uma foto em que está o seu esposo, está a dona Elza…”. Cátia reflete por um instante e informa que “a dona Elza trabalhou na Caixa Econômica a vida toda. Quando se aposentou, foi para o Guarujá”.

Sou imediatamente teletransportada para uma conversa de comadres na manicure, ainda mais quando a apresentadora pede o telefone da referida senhora e diz que o mundo “não é um ovo comum, é um ovo de pardal”.

Logo mudam de assunto, passando a dar pitacos no planejamento familiar da atriz Angelina Jolie e no funcionamento intestinal do cachorro de Leonardo DiCaprio (que sofre de flatulência). Em meio a comentários sobre carma e doenças, Cátia apresenta receitas culinárias, como o “sonho com recheio recheado” – que na sala de espera do ginecologista incitou uma conversa sobre sopa de mandioquinha e seus benefícios para a saúde.

Mas o que verdadeiramente preenche a programação do “Mulheres”, além de receitas e artesanato (25 minutos só de patchwork), é o merchandising de produtos.

No programa de terça, foram anunciados uma frigideira antiaderente de titânio, uma pirâmide de cápsulas de ômega 3, uma centrífuga milagrosa, três tipos diferentes de implantes dentários e um remédio antivarizes.

Haja cutícula.

Quem é morto sempre aparece

Posted: 12th dezembro 2011 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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Folha de S. Paulo – Ilustrada
12 de dezembro de 2011

por Vanessa Barbara

Os direitos de licenciamento da série juvenil “Julie e os Fantasmas” (Band, seg. às 20h25) foram vendidos antes mesmo de sua estreia, em outubro. Os cadernos exclusivos com fotos e estrelinhas já estão no mercado e há planos de lançar uma linha de tênis.

Produzida pela Band em parceria com a Mixer e a Nickelodeon Brasil, a série fala de uma adolescente de 15 anos que muda de casa e acidentalmente liberta uma banda de fantasmas da década de 80, um trio de galãs teen com o visual de integrantes do The Cure.

Os vistosos ectoplasmas ajudam Julie a desenvolver seu talento musical e a lidar com a paixão por Nicolas, o menino mais popular da escola, que é também um nerd enrustido. Diz o release que “Julie tem uma beleza diferente. Seu cabelo foi cortado por ela mesma, o uniforme sutilmente personalizado, caderno e tênis cobertos por palavras”. Paradoxalmente, esse gosto de Julie pela personalização é outra aposta de merchandising dos produtores.

O episódio piloto é interessante e simpático. Há personagens como o fantasma-bateirista Félix, neurótico e hipocondríaco mesmo depois de morto, e o baixista Martim, que “se sente bem como fantasma, mas se sentiria bem como qualquer outra coisa”.

A atriz Mariana Lessa passa longe de qualquer afetação típica de novelas adolescentes, à diferença de alguns de seus coadjuvantes. Após o fracasso na audição de estreia, ela diz, impassível: “Se você pensar que a Lady Gaga vomitou a primeira vez que subiu no palco, até que não fui muito mal”. Até os fantasmas fazem trocadilhos respeitáveis, como o do título desta coluna.

Uma das boas cenas é quando Julie, irritada com o visual infantil de seu quarto, recebe uma dica dos fantasmas e arranca todo o papel de parede, revelando por baixo vários pôsteres de rock.

Se a série pretende imitar o estilo de “Glee”, o que estraga é justamente a parte musical, que devia ser menos enlatada para o consumo e mais autêntica e autoral. A trilha sonora é de Rick Bonadio, produtor das estrelas, responsável pelas trilhas de “Floribella” e “Dance Dance Dance”, além de formatar bandas de apelo comercial como Mamonas Assassinas, Charlie Brown Jr., NXZero e Fresno.

O tema de abertura é lamentável e trata a audiência como se fosse um pires. A letra parece ter sido composta a partir de palavras-chave publicitárias: “Julie, ela é mais ela/ Lá vem Julie/ Ela vai te conquistar”.

Blog da Companhia das Letras
7 de dezembro de 2011

[Texto escrito por Liberty Hardy para o site BookRiot e reproduzido aqui com autorização. Tradução de Vanessa Barbara.]

Akron 293 AA Meeting

No subsolo de uma igreja unitarista em Portland, o escritor Chuck Palahnuik se dirige a um grupo de pessoas sentadas em cadeiras dobráveis. Na parede, fotos de Albert Camus e Aleksandr Solzhenitsyn. Estou parada no fundo da sala, junto à mesa do café, sondando o ambiente. Consigo identificar vários dos participantes: Chimamanda Ngozi Adichie, Abraham Verghese, Eoin Colfer. Trata-se de uma reunião dos Grandes Nomes e Obras, ou GNEO — um grupo de apoio para escritores com sobrenomes difíceis de pronunciar.

Palahniuk é uma escolha óbvia como líder do GNEO, não só porque no passado trabalhou no transporte de pessoas que frequentavam grupos de apoio como este, mas porque ele próprio costuma ter seu nome deturpado. Naquela manhã, nos falamos pelo telefone, enquanto acertávamos os pormenores da minha cobertura do evento. “Você se entrega de coração ao trabalho durante dias, meses, anos, e fica feliz com o resultado. Ganha prêmios, torna-se um autor de best-sellers, namora modelos. E então alguém põe tudo a perder errando a grafia do seu nome”, ele me disse. “Você é o seu trabalho. Se as pessoas não conseguem sequer pronunciar corretamente o seu nome, o que isso diz de você? É tão frustrante”.

Vou acompanhando a apresentação de cada um dos escritores presentes, que articulam os próprios nomes com cuidado e compartilham testemunhos. “Ganhei o Prêmio Nobel de Literatura”, declarou a poeta Wislawa Szymborska, “e eles ainda não conseguem acertar o meu nome”.

“Aquele palhaço do Matt Lauer arruinou a minha estreia em rede nacional”, disse Slavoj Zizek. “Tive que me segurar para não largar o microfone e ir embora”.

É a primeira reunião de Siddhartha Mukherjee. “Ainda não me acostumei com o nível de exposição após o anúncio do Pulitzer. É um alívio saber que não estou sozinho”, declara.

Há uma única interrupção, quando um senhor grisalho de olhar bondoso abre a porta. “Não, não, DeLillo”, diz Palahniuk. “Você está procurando a ViFraCoDe, na sala ao lado”. O escritor agradece e fecha a porta. (“ViFraCoDe?”, perguntei a Palahniuk mais tarde. “Viciados em Frases Compridas e Desconexas”, ele explicou.)

Após os testemunhos, juntei-me aos participantes. “As pessoas sofrem com isso desde que existem escritores”, conta Raefel Yglesias.

“Como Ayn Rand?”, eu pergunto.

“Não falamos sobre esse assunto”, ele me sussurra.

Um membro do grupo, que pediu para permanecer anônimo, diz invejar autores com sobrenomes fáceis, como “Waters” ou “Roth”. “Joe Hill? Quer dizer, como assim? O nome inteiro dele só tem duas sílabas”, ele zomba. “E Sara Gran? Claro, seus livros são ótimos, mas ela não sabe o que é sofrimento!”

“Se é tão frustrante assim, por que não trocam de nome?”, eu pergunto, e de imediato a sala cai num silêncio mortal. O grupo me encara como se eu tivesse pedido para urinar no adorado bicho de estimação da família. Chris Bohjalian sorri com desprezo. Ninguém mais fala comigo pelo resto da noite, e a reunião é encerrada pouco depois. O que é bom, pois acho que alguém batizou o ponche. Aposto que foi o Duane Swierczynski.

Folha de S. Paulo – Ilustrada
5 de dezembro de 2011

por Vanessa Barbara

Todas as sextas à noite, antes de existir televisão, a família se reunia em torno do rádio. Apagavam a luz e ouviam “PRK-30”, um programa de humor criado pela dupla Lauro Borges e Castro Barbosa, que parodiava atrações da época (noticiários, novelas, shows de calouros, transmissões esportivas) e caricaturava os clichês da radiofonia.

A PRK-30 se apresentava como estação clandestina e permaneceu vinte anos no ar, de 1944 a 64, exercendo influência sobre toda uma geração de comediantes. Há pouco, a editora Casa da Palavra lançou um livro com dois CDs remasterizados – “No ar: PRK-30”, de Paulo Perdigão –, que foi como conheci a verve retórica dos locutores Otelo Trigueiro e Megatério Nababo d’Alicerce (respectivamente, Lauro e Castro).

Um roteiro típico: o português Megatério introduz o prefixo musical, completamente desafinado e “executado com a coragem habitual por uma descongestionante orquestra de violinos de vara e trombones de corda”. Mas logo interrompe a desengonçada banda com um: “Chega! Não precisa caprichar tanto!”. E elogia a valsa que acabaram de tocar, “em compasso de ópera, ritmo de conga e marcação de bugre-bugre”.

Separados por uma gongada, os quadros duravam segundos ou não eram sequer transmitidos (depois de anunciados, mudava-se de assunto). O humor era inocente e desprovido de cinismo, não apelava para a grosseria, não ofendia e recaía num desvairado nonsense, com total desrespeito às normas linguísticas.

A PRK-30 era uma rádio 48% honesta, um colosso que seguia de popa em vento e uma emissora que raramente provocava náuseas em seus delicados ouvintes, veiculando as mais “avariadas” notícias de todas as partes do mundo e adjacências. Desdenhavam-se as outras estações, “que encerraram suas atividades porque quando nós começamos a ‘funcionejar’ fazemos um completo ‘manepólio’ das ondas ‘artrosianas’”.

Em “soberbas e abobalhantes” transmissões, Lauro e Castro exploravam o avesso das coisas. Eram os reis do trocadilho tolo e da adjetivação furiosa. Não faziam graça a partir do que era dito, mas de como era dito.

Ainda hoje os humoristas da TV teriam muito a aprender com Otelo, dono de uma “voz suave e quase destituída de gosma”, e Megatério, o único locutor que já mordeu a língua mais de dez vezes sem ter tido hidrofobia. E que sabia “falar inglês em vários idiomas”.

Nos episódios anteriores…

Posted: 28th novembro 2011 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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Folha de S. Paulo – Ilustrada
28 de novembro de 2001

por Vanessa Barbara

Nos últimos capítulos desta coluna, falamos de 79 assuntos dos mais disparatados, como a concordância gramatical em novelas, os canais de televendas, a TV Senado, os chimpanzés cineastas, Ronnie Von, zumbis e o BBB.

É com grande júbilo que entramos agora no episódio 1×80, intitulado “Recapitulação”. Aos leitores mais ordeiros, que acompanharam esta série desde o início, esperamos que ela faça sentido como um todo, até porque não garantimos que todos os mistérios serão explicados no final – somos desses roteiristas que não sabem para onde vão, confundem-se o tempo inteiro e, se bobear, nossa verba é cortada e teremos de dizer que eles estavam todos mortos (desde o começo).

Nas séries de TV, a recapitulação inicial é um elemento narrativo que visa inteirar o espectador dos últimos eventos da trama, sobretudo os que terão relevância logo a seguir. A colagem de cenas tem a duração média de 20 a 40 segundos, mas nem sempre: a de “Lost” (“Previously on Lost”) podia exceder 1 minuto e era bem atordoante.

Mas existem maiores: as de “24 horas” eram longas, atabalhoadas e duravam 2 minutos e meio; o mesmo acontece até hoje em “True Blood” e “Dexter”. Esta última destaca-se pelos resumos quase em tempo real dos capítulos anteriores – como o mapa de Borges que possuía a proporção de um para um, o mesmo tamanho da província cartografada, com a qual coincidia ponto a ponto.

Intitulado “Pai Nosso”, o episódio 3×01 tem uma recapitulação recorde de 4 minutos e 16 segundos. Fala-se de temporadas há muito esquecidas, da infância de Dexter, de seus últimos homicídios, da criação do Universo, da evolução das espécies e de Funes, o Memorioso.

Já os resumos de “Lost” e “Fringe” são apenas um pálido vislumbre do contorcionismo de suas tramas. Quem perde uma ou duas semanas pode se deparar sem aviso com um universo paralelo adicional e um irmão gêmeo malévolo que é a mesma coisa, só que ruivo, e quem ficava uns meses sem assistir “Lost” reagia ao “recap” com uma expressão de angústia que até dava pena.

Segundo um dos criadores da série, Damon Lindelof, o propósito de toda recapitulação é atender às necessidades daquele sujeito cuja esposa acaba de chegar e pede pra saber do que se trata o programa – e ele precisa dizer em 30 segundos. “O avião cai na ilha e depois disso eu me perdi. Mas tem a ver com ciborgues.”