Revista Vida Simples
Dezembro de 2011 – ed. 113

por Vanessa Barbara 

Possivelmente “o conceito mais importante de nossos dias”, segundo a ambientalista Joanna Yarrow, a pegada de carbono tem sido assunto recorrente nos guias práticos sobre mudanças cotidianas. O termo se refere à quantidade de dióxido de carbono (CO2) emitida como resultado direto ou indireto de uma atividade qualquer.

Quase tudo o que fazemos resulta em emissão de carbono, o que em si não é um problema, mas sabe-se que essa quantia vem aumentando exponencialmente, a ponto de não haver tempo para sua reabsorção natural. O gás em excesso se acumula na atmosfera e provoca todo tipo de alterações climáticas. “Atualmente, a liberação de CO2 ocorre três vezes mais rápido que a capacidade de reabsorção”, afirma a autora.

Yarrow é diretora de uma empresa de consultoria ambiental londrina e autora de dois guias lançados pela Publifolha: Como combater o aquecimento global – Informações completas para você reduzir a sua pegada de carbono (2008, 128 pp.) e 1001 maneiras de salvar o planeta – Idéias práticas para tornar o mundo melhor (2007, 384 pp.). São manuais que sugerem medidas simples como trocar as lâmpadas de casa por fluorescentes compactas, consumir alimentos orgânicos, usar os dois lados do papel (não o higiênico!) e reaproveitar velinhas de aniversário.

Segundo Yarrow, se cada um mantiver seu índice em torno de 1,5 tonelada de CO2 por ano, o ciclo do carbono pode voltar ao normal. “Essa é uma boa notícia se você vive na África subsaariana, onde esse total é o dobro da quantidade de carbono que grande parte das pessoas emite, mas para a maioria de nós significa cortes substanciais”.

Movida pela culpa ocidental, aceitei o desafio proposto pela Vida Simples: seguir as recomendações de Joanna Yarrow por quinze dias e registrar a experiência. Antes de tudo, usei uma calculadora na web para estimar a minha pegada anual (Carbon Footprint, em http://calculator.carbonfootprint.com/calculator.aspx). Descobri, com certo orgulho patriótico, que o fato de eu não ter um carro e raramente usar táxi, preferindo sempre ir de ônibus, metrô ou a pé, me confere uma boa média anual de 2,95 toneladas por ano. As nações mais ricas estão na marca de 11 toneladas. Os principais culpados são o automóvel e o avião.

Início da experiência

Para começar, estudei diligentemente as obras de referência e cheguei a uma conclusão: Joanna Yarrow não deu a mínima para a sua própria pegada de carbono, publicando dois livros desnecessariamente extensos, que podiam ser resumidos num só, com uma dúzia de dicas dispostas em poucas – e concisas – categorias. Ainda que o papel seja reciclado, a sra. Yarrow faria melhor se lançasse seus conselhos em e-book.

Dito isso, vi algumas sugestões interessantes, outras pitorescas e uma grande maioria com aplicação quase que limitada aos países ricos, como as que se referem ao sistema de aquecimento central, serviço de higienização de fraldas de pano, máquinas de secar roupa e lavar louça, embargo ao caviar, comércio ético de diamantes, golfe ecológico e o dilema dos casacos de pele.

Outras estariam ali apenas para fazer número. Como esta:

no 671 – Comemore! Apesar dos problemas que estamos enfrentando, o mundo não é um lugar tão ruim assim. Não se esqueça de celebrar a alegria da vida aqui e agora. Como disse o jogador de beisebol Satchel Paige, “trabalhe como se não precisasse do dinheiro, ame como se nunca tivesse sido magoado, dance como se ninguém estivesse vendo”.

E o que dizer desta?

no 153 – Olhar as estrelas – Para se reconectar com a Terra e todo o universo, passe uma noite sob as estrelas, deitado apenas sobre um lençol.

Além disso, há recomendações repetidas com ligeiras variações, sendo as principais: “tampe a panela ao ferver a água”, “ensine seus filhos a andar de bicicleta”, “aproveite a natureza” ou “use bicarbonato” – esta última com referência a qualquer coisa.

A seguir, como preencher ecologicamente duas semanas da sua vida com 200g de bicarbonato.

Dia a dia

Dia 1: Munida de ótimas intenções, fui pesquisar informações sobre carregadores para laptop ou celular movidos a energia solar – uma fonte limpa e renovável, que aproveita os raios do nosso Astro Rei para gerar energia sem liberar, no entanto, uma grama sequer de CO2 para a atmosfera. Há uma mochila da marca Xonma com duas placas fotovoltaicas embutidas que captam a luz solar e transformam em energia elétrica, carregando baterias e transferindo energia para eletrônicos. Preço: R$ 339,00. As da marca Voltaic são as mais cobiçadas e custam R$ 1.099,00. No Mercado Livre é possível encontrar modelos mais genéricos de R$ 100,00, mas não me arrisquei. Vou esperar baixar o preço.

Dia 2: Na condição de adepta ferrenha da reciclagem e do reaproveitamento de materiais em suas mais diversas formas e possibilidades, reduzindo a geração de lixo, descobri que uma das minhas grandes faltas era não aproveitar as sobras de folhas de chá para adubar as plantas (dica no 654). Assim fiz. Querido diário, hoje matei um girassol.

Dia 3: Ainda abalada pelo revés botânico do dia anterior, que continua sem explicação, resolvi partir para algo certeiro. Reduzi o brilho dos monitores da casa (TV e laptops) e tirei da tomada vários aparelhos que permaneciam constantemente em stand-by. No Reino Unido, equipamentos eletrônicos deixados em modo de espera são responsáveis por 8% do consumo doméstico de energia. E o relógio digital do microondas utiliza tanta energia em um ano quanto o próprio microondas. Outro dado interessante: deixar o carregador do celular ligado o tempo todo na tomada, mesmo sem conectar o aparelho, pode desperdiçar até 95% de toda a energia que ele recebe. Também programei o protetor de tela do meu laptop para “nenhum” (tela preta), conforme as recomendações de Yarrow.

Dia 4: Começa a temporada do bicarbonato. A autora assim prega: “Esqueça os produtos de limpeza modernos e use bicarbonato de sódio, que é muito barato. Ele é bom para limpar tudo e tem ação fungicida”. É possível ter uma economia de 63% no supermercado com a troca de produtos (como água sanitária e detergente) pelo bicarbonato. Hoje desentupi os ralos da cozinha e do tanque usando meio copo de bicarbonato de sódio, meio copo de vinagre branco e água fervente. A mistura soltou vapores e ameaçou implodir os canos, mas, fora isso, fez algum efeito. E é divertido. Descobri que essa combinação forma justamente o dióxido de carbono (CO2), o que me deixou um tanto perplexa. (A ideia não é diminuir as emissões de gás carbônico?) A mesma mistura serve para limpar vasos sanitários, azulejos, cortinas com mofo, panelas queimadas, utensílios de aço inox, carpetes, tecidos com ferrugem. O bicarbonato também se presta a eliminar odores quando misturado numa tigela com água. E é utilizado como desengordurante de forno, bastando passar uma pasta com água e deixar descansar.

Dia 5: Verifiquei a vedação da porta da geladeira colocando nela um pedaço de papel. Se o papel escorregasse com a porta fechada, o que não ocorreu, seria hora de trocar o material. Também limpei a poeira acumulada na serpentina que fica atrás da geladeira, pois, segundo Yarrow, isso aumentará sua eficiência em até 30%, otimizando a capacidade do aparelho e economizando alguns Kw na conta de energia no final do mês.

Dia 6: Dia de renegar o azeite de dendê, que é antiecológico: os dendezeiros estão substituindo grandes extensões de florestas importantes para as espécies da Indonésia, como o orangotango e o tigre-de-sumatra. Ainda que a autora não forneça maiores detalhes, sabe-se que a monocultura de dendezeiros é a principal causa de desmatamento nessa região do planeta, com cifras na casa de 1,3 milhão de hectares por ano. A emissão de dióxido de carbono na produção do azeite é tão excessiva que suplantaria os benefícios de sua utilização como biocombustível.

Dia 7: Hoje esfreguei bicarbonato na pele para testá-lo como desodorante (dica no 457). Yarrow diz que muitos desodorantes comerciais contém alumínio, que pode ser absorvido pela pele e afetar órgãos internos, além de trazerem perfume em excesso e implicarem embalagens desnecessárias. Surpreendentemente, o bicarbonato funciona.

Dia 8: Parei de comprar leite longa vida e aderi de vez ao leite orgânico, que consome apenas um terço da energia gasta na produção de leite de caixinha – provavelmente por causa dos altos custos de embalagem, processamento e distribuição. Além disso, tem mais nutrientes – até dois terços a mais de ômega-3.

Dia 9: Hoje é dia de lavar as mãos e não secá-las, sacudindo-as no ar ou esfregando-as na roupa (na sua ou na dos outros, por meio de um afetuoso abraço). Para Yarrow, não dá pra saber o que é mais danoso ao meio-ambiente: se usar secadores elétricos (movidos a fontes de energia não-renováveis) ou toalhas de papel, que desperdiçam madeira e outros recursos valiosos. Na dúvida, convém chacoalhar. Além disso, hoje encontrei a dica mais útil do livro, a de número 975:

Nuance semântica Hoje em dia, muitos produtos trazem no rótulo o triângulo de flechas pretas que os identifica como “recicláveis”. Em tese, muitas coisas podem ser recicladas, mas, ao comprar essas mercadorias, a responsabilidade pela reciclagem continua sendo sua. Por isso, procure comprar produtos de materiais já reciclados. Eles trazem no rótulo um triângulo ligeiramente diferente, com flechas brancas sobre um fundo escuro. Uma diferença sutil de comunicação com grande impacto no meio ambiente.

Dia 10:  Hora de radicalizar e seguir a dica no 887: “Adote uma família de rãs”. Diz a autora: “Se você tem um laguinho no jardim (com bastante vegetação e margens com acesso fácil para anfíbios), recolha um punhado de ovos de rã de um lago próximo e transfira-os para o seu laguinho, que será o novo lar dos futuros girinos. Não se esqueça de deixar ovos suficientes no ecossistema de onde você os retirou.” Ela não fornece maiores explicações quanto às benesses de se criar uma família anfíbia, mas, convenhamos, mal não há de fazer.

Sendo assim, passei a tarde abrindo um buraco no jardim com uma pá de pedreiro. A quem passava pelas imediações, eu balbuciava frases vagas sobre as obras da futura estação Mandaqui do metrô. No buraco, encaixei uma bacia velha com água e testei sua funcionalidade com minhas três tartarugas. Projeto aprovado, só falta ir ao Horto Florestal buscar uns ovinhos.

Dia 11: O sucesso lacustre da véspera me isentou de seguir a dica no 455: “Se você tem quintal grande, crie algumas galinhas poedeiras”. Aí já é demais. Segundo Yarrow, elas comem de tudo, exceto casca de frutas cítricas, sendo uma boa solução para o reaproveitamento do lixo orgânico. Os galináceos também ajudam a combater as pragas do jardim, como lesmas e caracóis, e trazem “ovos fresquinhos e saborosos para toda a família”. A ideia de fazer um minhocário tampouco me atraiu.

Dia 12: Uma das sugestões para refrescar a casa é plantar trepadeiras em treliças em seu lado mais quente. A quinze centímetros da parede, elas formam um colchão vertical de ar frio. Aproveitando uma planta que já existia em casa, improvisei uma treliça na grade da minha janela que ficou bastante simpática, e espero que dê uma ajuda no verão.

Dia 13: Hoje enfim choveu e pude me valer de uma tina vazia que deixei estrategicamente sob o cano de escoamento da calha para recolher a água da chuva. Ainda que turva e possivelmente ácida, a água coletada serviu para regar as plantas e lavar o chão da lavanderia.

Também decidi parar de comprar sabão em pó com fosfatos. Ao entrar na rede fluvial, a substância estimula a proliferação de algas que consomem todo o oxigênio da água, sufocando plantas e animais. “É pior do que a morte”, enfatiza a autora. Ainda no quesito supermercado, darei preferência a produtos vendidos a granel, que poupam o uso de embalagens, com opção de refil ou aqueles embalados em vidro (material mais fácil de reciclar e de se decompor).

Dia 14: Por sorte, meu cabelo é oleoso. Sendo assim, fui obrigada a dispensar a dica no 839: “Espalhe cerca de 100 gramas de maionese no cabelo seco, espere 15 minutos, enxágue a cabeça e depois lave. Como alternativa, misture abacate amassado com leite de coco”. O livro tem outras receitas caseiras de beleza que evitam a compra de produtos industriais, como uma máscara facial de iogurte e aveia. “Se a mistura sobrar, coma-a!”

Dia 15: Para terminar a maratona ecológica, escolhi a dica no 843, que dispõe sobre os benefícios de “usar os intervalos comerciais dos programas de TV para remendar roupas, afiar facas ou até consertar a bicicleta”. Como justificativa, ela diz apenas que “nossos pertences duram muito mais se forem bem cuidados”, e que, de quebra, essa política de produtividade poderia diminuir nosso consumo de porcarias televisivas. Sei que é estranho assistir a uma partida de futebol com uma pedra-pomes na mão esquerda e uma peixeira na direita, mas é o preço que se paga para salvar o planeta.

Legal mesmo seria encerrar com a dica no 1001, que diz: “Veleje ao pôr-do-sol”. Mas não vai dar. Preciso cuidar dos meus bebês girinos.

 

  1. Edson Junior disse:

    Olá, olá. Muito boa a matéria; o que mais impressiona é você ter conseguido ler esse livro. Meio boring, não?

    Vale pela prosa.

    Beijo.