Victor Moriyama para The New York Times

The New York Times
31 de março de 2022

por Vanessa Barbara
Contributing Opinion Writer

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SÃO PAULO, Brasil — “Sou capitão do Exército,” disse Jair Bolsonaro em 2017. “A minha especialidade é matar.”

Ele tem sido fiel à sua palavra. Em apenas três anos no cargo, Bolsonaro conduziu uma administração notável pelo descaso com a vida humana. Tivemos, mais diretamente, as 660 mil mortes no país por Covid-19 — o segundo maior número do mundo, atrás dos Estados Unidos. Ao longo da pandemia, ele obstruiu o distanciamento social, sabotou o uso de máscaras e dificultou a vacinação. Ele insiste: “Não errei nenhuma durante a pandemia.” Então temos de assumir que tudo seguiu conforme o plano.

E também temos a questão das armas. Uma série de decretos presidenciais flexibilizando o controle das armas de fogo escancarou as comportas. No ano passado, a Polícia Federal fez o registro de 204,3 mil novas armas, um aumento de 300 por cento em relação a 2018. O número de registros concedidos pelo Exército a caçadores e colecionadores cresceu 340 por cento. O país, que registrou o maior número de homicídios do mundo em 2021, está inundado de armas de fogo.

E então temos a questão do planeta. O desmatamento na Amazônia alcançou sua maior taxa nos últimos 15 anos, graças, sobretudo, ao empenho do presidente em desmontar e subfinanciar as agências regulatórias ambientais. Não contente com seus esforços até o momento, Bolsonaro está tentando aprovar cinco projetos de lei que irão eliminar direitos indígenas, abrir a Amazônia para a exploração desenfreada e trazer um prejuízo indescritível ao planeta.

Com a atenção internacional voltada para a guerra na Ucrânia, e faltando seis meses para uma eleição que ele está em curso de perder, Bolsonaro tem pressa de usar seu poder. E parece determinado a trazer morte e devastação para o mundo.

É difícil escolher a pior lei do conjunto, que ativistas chamam “Pacote da destruição.” Mas vamos começar pela que procura invalidar as reivindicações territoriais de tribos indígenas. Ao estabelecer uma data — 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição brasileira — na qual os indígenas precisavam ocupar fisicamente suas terras, o projeto de lei desaloja permanentemente aqueles que já haviam sido expulsos de suas terras ancestrais naquele momento. Especialistas dizem que 70 mil indígenas, quase 8 por cento do total, podem ser afetados.

Outro projeto de lei pretende abrir as terras indígenas para a mineração. Audacioso, Bolsonaro chamou a guerra na Ucrânia de “boa oportunidade para a gente.” De acordo com esse raciocínio, com o deterioramento do acesso nacional aos fertilizantes fornecidos pelos russos, o Brasil precisa redobrar os esforços para se tornar autossuficiente. Mas a maior parte do potássio brasileiro — um dos principais ingredientes em fertilizantes, do qual o país tem grandes reservas — não está localizada em terras indígenas. É uma desculpa tipicamente esfarrapada, o tipo de coisa que se espera de um sujeito que visitou Vladimir Putin uma semana antes da invasão da Ucrânia e então se gabou de ter prevenido a guerra.

A mineração nessas áreas, ainda que formalmente proibida pela Constituição, tem ocorrido de qualquer forma. Operações ilícitas, sobretudo a partir de balsas e dragas ancoradas nos rios, atingiram um número recorde em 2020. Os efeitos nos povos indígenas são terríveis. Em 2021, seis entre dez indígenas em três aldeias do povo Munduruku registraram no corpo níveis tóxicos de mercúrio, que é usado no processo da extração de ouro e então liberado no meio ambiente, contaminando os rios e os peixes. Quinze por cento das crianças abaixo de 9 anos mostraram sintomas neurológicos relacionados à contaminação por mercúrio.

Os garimpeiros de ouro, dos quais há aproximadamente 20 mil trabalhando ilegalmente em território Yanomami, são um problema em particular. Aparentemente encorajados pelo presidente, eles têm intensificado os ataques contra comunidades locais, incendiando casas e ameaçando e matando indígenas com espingardas. Em maio, depois que garimpeiros abriram fogo com armas automáticas a partir de barcos a motor, duas crianças yanomamis entraram em pânico, caíram no rio e morreram afogadas.

Décadas atrás, Bolsonaro lamentou que a cavalaria brasileira não foi tão eficiente quanto “a norte-americana, que dizimou seus índios no passado.” Sem dúvida esses dois projetos de lei — que também pretendem legalizar a extração de madeira, a agricultura industrial, a exploração de petróleo, a construção de hidrelétricas e outros projetos nas terras indígenas, sem nem precisar do consentimento dos seus habitantes — são, para ele, algo como uma correção legislativa. Representam uma atordoante e prolongada agressão à vida indígena.

Isso já seria ruim o suficiente. Mas os projetos de lei não param por aí. Um terceiro pretende flexibilizar as regras para o licenciamento ambiental de uma dúzia de atividades econômicas, como a mineração e a agropecuária, e um quarto planeja dar anistia a grileiros e madeireiros ilegais na Amazônia. O último dos cinco projetos tem o propósito de flexibilizar as regras para aprovação de agrotóxicos, algo com que a administração de Bolsonaro — que registrou 1.467 agrotóxicos, muitos deles com ingredientes altamente prejudiciais — parece estar particularmente entusiasmada.

Tomados em conjunto, esses projetos de lei irão acelerar significativamente a destruição da Amazônia. A maior floresta tropical do mundo, que já emite mais dióxido de carbono do que é capaz de absorver, poderia atingir um ponto sem retorno e se transformar em uma savana. Isso liberaria na atmosfera grandes quantidades de gases do efeito estufa, prejudicaria os ciclos das águas em nível regional e talvez global, e diminuiria nossa capacidade de capturar emissões de carbono. A mudança climática ganharia fôlego com uma velocidade ainda maior. Seria um desastre.

Mesmo assim, Bolsonaro provavelmente vai conseguir seu intento. Ainda que milhares de pessoas tenham ido às ruas em uma exuberante demonstração de dissenso, parece haver apoio parlamentar suficiente — respaldado pelo poderoso lobby do agronegócio — para aprovar os projetos de lei. É provavelmente só uma questão de tempo para que se tornem leis.

Porém, de certo modo, Bolsonaro nem precisa da legislação ao seu lado. Afinal, no campo da morte e da destruição, ele já tem resultados extraordinários para mostrar.