O missário da torcida

Postado em: 3rd julho 2014 por Vanessa Barbara em Crônicas, Folha de S. Paulo
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Folha de S.Paulo – Especial Copa
1 de julho de 2014

por Vanessa Barbara

No estádio Mané Garrincha, durante a partida entre França e Nigéria, uma dúzia de franceses gritava tresloucadamente. Não diziam apenas “Allez les Bleus” (Avante, Azuis), mas “Qui ne saute pas n’est pas Français” (Quem não pula não é francês), o que muitos julgaram se tratar de um insulto.

Na dúvida, brasileiros puxaram vaias e o grito: “Ni-gé-ria, Ni-gé-ria”. Destituídos de outras ideias, se calaram.

Vez ou outra, os nativos aproveitavam para entoar aquele hino de 1979 que ninguém aguenta mais (“Sou brasileiro”), ainda que ninguém lhes tivesse indagado sua nacionalidade, e ainda que muitos se mostrassem incomodados com essa demonstração de patriotismo coxinha. “O gancho!”, alguém pediu, lembrando que se tratava de uma partida entre França e Nigéria.

A atuação da torcida brasileira tem sido triste. Não estou me referindo apenas a quem acha patriótico vaiar a escalação completa do adversário, assim como seu hino nacional, como aconteceu na partida contra o Chile.

Também não me refiro à pesquisa do Datafolha que mostrou que, nessa mesma partida, 67% dos detentores de ingressos eram brancos e 90% pertenciam à elite.

Estou me concentrando aqui no fato de a Brahma (um dos patrocinadores da seleção) ter decidido contratar animadores profissionais de torcida, com o intuito de combater o desânimo e a falta de criatividade do público pagante. Como numa missa, chegaram a distribuir folhetos com sugestões de gritos diferentes, e houve quem esperasse alguém anunciar ao microfone: “Todos de pé para entoar o cântico n. 44”.

No missário da elite branca nos estádios, começaríamos com os ritos iniciais, quando a comunidade, de pé, seria orientada a não vaiar a entrada da bandeira rival e respeitar o hino alheio. Depois valeria tudo: um cântico de repreensão ao árbitro, um hino de louvor à catimba, um momento de confraternização entre dizimistas.

Os missários seriam impressos em papel pólen de alta gramatura, teriam aroma de semente amazônica de murumuru e custariam um dinheirão ao erário.

Para muitos, melhor seria destituir os atuais proprietários de seus ingressos e promover uma ocupação maciça do estádio pela torcida do Flamengo, do Corinthians ou equivalente.

Ou, vá lá, pelo MTST.