Folha de S. Paulo – Ilustrada
6 de fevereiro de 2012

por Vanessa Barbara

Pode não parecer, mas o Código Brasileiro de Trânsito determina que os pedestres têm preferência, já que são o elo mais fraco do sistema – em comparação a carros, motos, caminhões. A imprensa também devia seguir uma lógica parecida: quando se tem um megaespeculador de um lado e 6 mil sem-teto de outro, a prioridade de entrevista seria dos últimos, que não têm tanto poder para se fazer ouvir.

Mas não é o que está havendo na cobertura televisiva da desocupação do Pinheirinho, uma área em São José dos Campos habitada há oito anos por 1.600 famílias. O terreno pertence à massa falida do grupo Selecta, do empresário Naji Nahas. É avaliado em R$ 180 milhões e foi objeto de desavenças em diferentes esferas do Judiciário, até que, há duas semanas, a Justiça estadual decretou a reintegração de posse.

No dia 22, o “Fantástico” dedicou pouco mais de dois minutos à cobertura. Abriu a reportagem com cenas dos policiais escancarando um portão e adentrando o terreno. Voz em off: “Seis e meia da manhã, a tropa de choque invade o Pinheirinho”. Deu para imaginar os policiais combinando com a Globo, um-dois-três-e-já.

A ação contou com um efetivo de 2 mil homens, dois helicópteros, 220 viaturas, 40 cães e 100 cavalos. “A situação ficou fora de controle”, explicou a locutora, e a cena era de um sujeito jogando uma pedra contra os policiais.

“Os moradores atearam fogo a prédios públicos e oito carros, entre eles o da TV Vanguarda, afiliada da Rede Globo.”

Aparece a repórter, com um colete à prova de balas: “Segundo policiais que entraram aqui nessa área, esses barracos todos estão abandonados porque eles serviam para o tráfico de drogas. Aqui era uma espécie de cracolândia, onde se vendia e consumia droga”.

Outra coisa que ficamos sabendo pelo “Show da Vida”: em protesto, os sem-teto bloquearam por meia hora uma das pistas da Via Dutra. Um homem foi atingido por um tiro de arma de fogo durante a operação, mas a polícia diz que só usou balas de borracha. Fim da reportagem.

Nada foi dito sobre a presença de tanques de guerra e de soldados da cavalaria com suas espadas. Nada foi dito sobre o uso de força contra idosos e crianças e nem sobre o destino dos desalojados. Alguns receberam da prefeitura de São José dos Campos passagens rodoviárias para seus “estados de origem”.

Só que muitos são paulistas.

  1. Danilove disse:

    Incrível como não há senso critico por parte dos telespectadores que engolem tudo que a Globo cozinha, pra seguir a onda gastronômica do blog.
    Globo devia fazer só novelas, e olha que nem são mais tão boas assim!
    Otemo texto, parabéns

  2. Rodrigo disse:

    Excelente texto!

    A Rede Globo sempre estará ao lado dos poderosos e criminalizando os mais pobres, especialmente aqueles que não se resignam e resolvem lutar pelos seus direitos.

    O mais triste e preocupante é saber que boa parte da população brasileira continua tendo na televisão a sua única ou principal fonte de informações. E costuma acreditar em quase tudo que assiste e ouve.

  3. Andremelara disse:

    E digam-me, há então alguma imprensa com cobertura imparcial neste país, há por toda ela movimentos políticos de interesse, os coitados ocupantes são os manipuláveis talvez por necessidade talvez por comodismo deles próprios. Há despreparo no exercício de cidadania, e o que se vê é truculência dos dois lados, com bons negociadores ninguem sairia perdendo.