Não, não e não

Postado em: 1st fevereiro 2012 por Vanessa Barbara em Blog da Cia. das Letras, Crônicas
Tags: , ,

Blog da Companhia das Letras
1 de fevereiro de 2012

por Vanessa Barbara

Um dos maiores críticos literários do século, Edmund Wilson nunca primou pela delicadeza. Não hesitava em criticar duramente seus próprios amigos, entre eles Vladimir Nabokov, autor de uma controversa tradução de Eugene Oneguin, de Pushkin. Wilson acusou Nabokov por “erros graves de inglês”, “um estilo desnecessariamente canhestro”, “uma linguagem pobre e deselegante”, expressões vulgares, imodéstia, transliteração imprecisa, falta de bom senso, um apêndice tedioso e interminável, um entendimento pobre de prosódia russa e falhas sérias de interpretação.

No campo do mau humor, porém, sua obra mais conhecida é um bilhete intitulado “Edmund Wilson lamenta”, enviado como resposta a pedidos de participação em palestras, festivais, entrevistas.

Diz o bilhete:

“Edmund Wilson lamenta, mas para ele é impossível:

– Ler originais,
– Escrever artigos ou livros sob encomenda,
– Escrever prefácios ou introduções,
– Dar declarações para fins publicitários,
– Desempenhar qualquer tipo de trabalho editorial,
– Ser juiz de concursos literários,
– Dar entrevistas,
– Ministrar cursos,
– Organizar conferências,
– Dar palestras ou fazer discursos,
– Aparecer na TV,
– Participar de congressos literários,
– Responder questionários,
– Tomar parte em simpósios ou “mesas” de qualquer espécie,
– Doar manuscritos para leilão,
– Doar cópias de seus livros para bibliotecas,
– Autografar livros para estranhos,
– Permitir que seu nome seja usado em cabeçalhos,
– Fornecer informações pessoais a seu respeito,
– Dar opiniões sobre literatura ou outros assuntos.

(Também não aceito convites para fazer leituras públicas, a menos que me ofereçam um bom dinheiro. E.W.)”

À parte a ranhetice e a antipatia, é preciso aplaudir o sr. Wilson. Se fosse contemporâneo, passaria a maior parte do tempo perdido em turnês de divulgação, participando de festivais literários, integrando mesas de debate sobre blogs e literatura, sendo afável em bares, respondendo se dá pra viver de quadrinhos no Brasil, filmando participações em programas de TV e dando entrevistas para estudantes que lhe perguntariam em que ano nasceu. Não teria tempo de escrever, pois gastaria toda a energia em falar sobre o assunto.

Há escritores que gostam de dar aulas e proferir palestras. Outros gostam de viajar para participar de festivais e conhecer colegas de profissão. Alguns acabam até mudando de ofício, ou conciliando a escrita com outras atividades mais sociáveis. Fato é que não dá pra dizer “sim” a tudo o que aparece, sob pena de virarmos pés de tomate e não conseguirmos tempo para escrever.

Já recebi convites para participar do programa do Ronnie Von e de congressos no Amapá. Já me sondaram para apresentar um programa na MTV e virar repórter de um jornal diário. Me pediram para traduzir um livro técnico e participar de bancas examinadoras de graduação. Por mais que a gente queira ajudar, é impossível agradar a todos — de modo que acabo aceitando só o que eu consigo fazer. E o que não me dói em demasia.

Meu bilhete de recusa personalizado atualmente está neste pé:

“Vanessa lamenta, mas para ela é impossível:

– Atender o telefone,
– Participar de congressos,
– Aparecer na tevê,
– Ministrar cursos,
– Tirar fotos fingindo ler ou conversar,
– Comparecer a congraçamentos sociais com mais de sete pessoas,
– Fazer parte de bancas examinadoras,
– Escrever livros sob encomenda,
– Ser afável indiscriminadamente,
– Trabalhar de graça quando o contratante pode pagar,
– Responder questionários com mais de seis itens,
– Responder questionários “pra amanhã”,
– Analisar originais,
– Discursar em jantares (o jantar em si é bem aceito).

(Consulte-nos sobre a disponibilidade de escalar uma atriz contratada para atuar em meu lugar, se necessário. V.B.)”


Vanessa Barbara tem 29 anos, é jornalista e escritora. Publicou O livro amarelo do terminal (Cosac Naify, 2008, Prêmio Jabuti de Reportagem), O verão do Chibo (Alfaguara, 2008, em parceria com Emilio Fraia) e o infantil Endrigo, o escavador de umbigo (Ed. 34, 2011). É tradutora e preparadora da Companhia das Letras, cronista da Folha de S.Paulo e colaboradora da revista piauí. Ela contribui para o blog com uma coluna mensal.