Dez anos de conduta absurda

Postado em: 29th janeiro 2012 por Vanessa Barbara em Crônicas, Folha de S. Paulo
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Folha de S.Paulo – Ilustrada
29 de janeiro de 2012

por Vanessa Barbara

Em 22 de janeiro de 2002, tomada por um tédio sem precedentes, resolvi reunir todas as anotações coletadas em meus 19 anos de vida e criar uma audaciosa compilação de tolices. Cursava a faculdade de jornalismo e vivia no Mandaqui, Zona Norte de São Paulo, uma localidade digna de boas movimentações anedóticas. Mantinha um caderno espiral onde registrava tudo o que me parecia digno de nota. Foi como nasceu A Hortaliça, um almanaque eletrônico de humor com ênfase em legumes, recheado de trechos de obras literárias, fotos pitorescas e afirmações alheias tiradas do contexto. (Disponível em www.hortifruti.org.)

Há exatos dez anos, na madrugada do dia 23, às 3h15 da manhã, a primeira Hortaliça foi enviada por e-mail a uma população de aproximadamente vinte vítimas. Era uma época pré-blogs e pré-Facebook, de modo que compilar insignificâncias era uma relativa novidade. Entre os assinantes primordiais estava a também mandaquiense Stephanie Avari, que cunhou um de nossos 364 slogans: “Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado – logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido”.

De lá pra cá, foram enviadas eletronicamente 87 caudalosas edições aos nossos atuais 703 assinantes – a octogésima oitava sai amanhã, se não chover – e muitas madrugadas perdidas na organização e catalogação das besteiras que nos mandavam. Foi por causa d’A Hortaliça que fui chamada para trabalhar como preparadora de texto na Companhia das Letras e, mais adiante, como repórter na revista piauí e colunista na Folha, em nada servindo para tais propósitos minha douta formação universitária, a fluência em quatro idiomas (além de Código Morse) e nem aquele curso de sobrevivência na selva que fiz em 1998.

Nosso maior diferencial é a periodicidade: sempre que dá, ou um pouco depois disso. Não há como prever a chegada de uma edição, assim como não dá para desejar que ela vá logo embora – A Hortaliça respeita um tempo próprio regido pelos ventos, pelas chuvas e pela colheita do algodão. Somos também conhecidos pela utilização aleatória do plural majestático e pelo péssimo hábito de tirar as declarações do contexto, como esta frase do crítico de arte Rodrigo Naves, catalogada sob a alcunha “Heróis da abolição” e proferida numa aula de história da arte: “O sujeito que dá autonomia ao pastel é o Degas”.

Outras boas citações nestes dez anos de Hortaliça:

“Tudo, aliás, é a ponta de um mistério. Inclusive, os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo.” (Guimarães Rosa, A Hortaliça #001)

“A vida é apenas uma tigela de cerejas” (letra de canção popular americana, #004)

“Se você não sabe aonde está indo, qualquer lugar servirá” (Lewis Carroll, #018)

“Se teu olho te irrita, arranca-o!” (Lutero, #020)

“Todo fazedor de jornais deve tributo ao Maligno” (La Fountaine, #042)

“Meu Deus! Por que lhe terão crescido tanto as orelhas?” (Tolstói, #049)

“Que cara engraçada! Seria uma mulher ou uma alcachofra?” (Fellini, A estrada, #054)

“Os tolos vão correndo por caminhos que os anjos temem trilhar” (Alexander Pope, #055)

“Tudo escorre” (Lucrécio, #061)

“Como consegue dormir de bruços com esses botões tão grandes?” (Groucho Marx, #063)

“Pode-se perdoar a um homem a realização de uma coisa útil, contanto que ele não a admire. A única desculpa para se fazer uma coisa inútil é admirá-la imensamente.” (Oscar Wilde, O retrato de Dorian Gray, #066)

“Oito dias com febre! Poderia ter escrito mais um livro” (Balzac, #068)

“Cangaceiro Zeferino: ‘Céus! Que burrice extraordinária!’ Graúna: ‘Agora preciso cuidar para que a consagração não me suba à cabeça!’” (Henfil, #071)

“Ai! Por que estas coisas, e não outras?” (Beaumarchais, #077)

“Todos os pensamentos de uma tartaruga são tartaruga.” (Ralph Waldo Emerson, #081)

“É arremessado pelas ondas, mas não afunda” (#087)