Não complicarás

Postado em: 16th janeiro 2011 por Vanessa Barbara em Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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Nos últimos dez anos, o “Jornal Nacional” (Globo, 20h30) perdeu 24% de sua audiência. A velha fórmula, que em 1993 chegou a render 80 pontos no Ibope (com o primeiro depoimento de PC Farias após sua fuga), parece enfim ter se desgastado.

De todos os telejornais brasileiros, o “JN” é o mais temente aos mandamentos do gênero. Para começar, a notícia é sempre curta, objetiva e simples, mas não pode ser excessivamente fria e impessoal, sob pena de distanciar o público. Ao apresentador cabe humanizá-la com sorrisos, mudanças de tom e olhares compungidos.

Em segundo lugar, utilizam-se apenas frases incisivas e curtas no tempo presente, a fim de afetar urgência.

No sábado passado, o jornal começou com o anúncio: “Tiros à queima-roupa”. No mesmo tom de quem está em pleno front, o outro apresentador completou, em jogral: “Dezoito pessoas são baleadas por um jovem nos EUA”. Por pouco, os dois não se abaixaram para se proteger.

O texto falado deve dirigir-se a um hipotético telespectador médio –– para Bonner, uma espécie de Homer Simpson que tem dificuldade em compreender notícias mais complexas. Num episódio que causou polêmica, em 2005, o editor-chefe do “JN” chegou a rejeitar uma pauta dizendo: “Essa o Homer não vai entender”.

Outro preceito do telejornalismo padrão é personificar as notícias, remetendo-as a personagens pitorescos ou à opinião de populares. As declarações espirituosas dos anônimos servem para dar leveza ao texto e fazer rir o singelo Homer.

Assuntos como consumo popular, curiosidades tecnológicas, futebol e o florescimento de dicotiledôneas servem para intercalar cenas de desastres ou de crimes hediondos.

É inevitável: o apresentador conclui um dossiê sobre o colapso do sistema de saúde de Rondônia, como na segunda-feira passada, toma novo fôlego e diz: “No zoológico de Brasília, uma fêmea de lobo-guará conseguiu sobreviver a um atropelamento e voltar à natureza”. Sorri.

Uma anedota corrente no mundo dos telejornais diz que, se o Velho Testamento fosse televisionado, a apresentadora o anunciaria desta forma: “Moisés acaba de receber a tábua com uma série de mandamentos”. Entra infográfico explicativo: “Dentre eles, podemos destacar dois…”.