A Hortaliça — #087

Posted: 24th novembro 2011 by Vanessa Barbara in Hortaliças
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O bom mandaquiense à casa torna
#087 – São Paulo, 24 de novembro de 2011
Edição especial Volta por Baixo
Fluctuat, nec mergitur*
www.hortifruti.org
*É arremessado pelas ondas, mas não afunda

“Esta vai ser uma semana muito boa”
(eu, aos 23 de maio de 2011)

“Brincando, ele a chamava de minha papoula.”
(James Joyce, “Eveline”)


:: EDITORIAL ::

Há exatos seis meses, numa segunda à tarde, o primo Eduardo foi à janela e viu a vizinha se preparando para o café. Como de costume, ela esquentou o leite, ferveu a água, botou os pãezinhos velhos no forno elétrico. Deve até ter pego alguma coisa para ler – a revista de domingo que ficava debaixo da cesta de biscoitos, sem dúvida, mas havia algo diferente que ele não conseguia explicar. Pela primeira vez em meses, ela parecia saber exatamente o que fazer. Comeu as duas metades do pão com manteiga, guardou tudo de volta à geladeira, mas, naquele dia, não lavou a louça – deixou a xícara suja na pia, e por lá a xícara ficou.

Deve estar lá até hoje, pois, naquela tarde em específico, a moça tirou a mala de rodinhas do armário. Botou lá dentro algumas roupas, dois livros, a caixa de remédios e um computador com nome de legume, tudo em silêncio, como se estivesse regando as plantas. Depois, primo Eduardo reparou que a moça conversava com as tartarugas, tirava os répteis do aquário e os colocava numa bacia de plástico, murmurando alguma musiquinha boba. Não atendeu o telefone e foi embora, levando a mala e o que lhe restava de ar nos pulmões.

Depois daquele dia, primo Eduardo achou tudo muito confuso. As tartarugas jamais voltaram, o aquário se foi num caminhão-baú lamentável e logo apareceu uma outra moça, aliás muito parecida com a anterior, e um dia ele jura que viu a original esparramada no sofá comendo chocolates, como se nada tivesse acontecido. Ela devia estar louca, pois tirava objetos estranhos do lugar com fúria vingativa: botou um rolo de macarrão na gaveta de cuecas, uma lata de ervilhas na prateleira de gibis, um manual de xadrez na gaveta do banheiro, a pomada de micose no lugar da pasta de dente, uma escumadeira junto com as camisetas. Depois desse dia, sumiu. Primo Eduardo passou um tempo tristonho com a sentida ausência, e nisso deve ter sido o único que reparou. Primo Eduardo até hoje tem saudades da vizinha, que falava consigo mesma o dia todo e dançava com as maçanetas da porta – mas já se acostumou com a nova ordem das coisas, como, aliás, sói de acontecer.

Muitos já sabiam o que se passava há meses e todos tiveram a democrática chance de opinar – menos ela – e menos o primo Eduardo, que até hoje não entende, mas também não vai tocar no assunto porque, afinal de contas, a gente se acostuma. Logo vai aparecer um gato, depois uma calopsita, depois um bebê, mais três outros modelos de videogame e o mundo é assim – a gente faz o que bem entende e está muito bom, não havendo motivos para se apoquentar. A moça que trate de viver com isso.

Aos amigos, esta é uma edição d’A Hortaliça que vem com três tipos de molho: agridoce, barbecue e mostarda, conforme a disposição do leitor. Tem quinze assinantes a menos e a Redação de volta ao Mandaqui, terra onde ainda há pochetes e a mobilete tem valor. (Cartas devem ser remetidas à Praça Tito, s/n, onde ergueremos um novo puxadinho espelhado.)

Durante o período de reconstrução pós-Chernobyl, e sem avisar ninguém, adotamos uma terceira tartaruga, o Moisés, que é o homenageado desta edição; também aproveitamos para redecorar nosso sítio e entupi-lo com as mais variadas leguminosas, que é para vocês aprenderem. A inauguração oficial contará com uma espumejante fanfarra descendo a rua, toda de branco, entoando hinos anabatistas, e terá lugar em dia específico que ainda não podemos prever. Segue o endereço.


:: SELETA DE LEGUMES ::

Novo!

Reportagens, crônicas, traduções, preparações e ficções publicadas nos mais diversos veículos da imprensa mandaquiense, nacional e interplanetária, em troca de exíguas patacas que possam custear os meus vícios.

http://www.hortifruti.org


:: ABRINDO OS TRABALHOS ::

Depoimento de Armando Nogueira para o Roda Viva

O poeta Frederico Schmidt, por telefone, leu o último poema dele para Pedro Dantas, jornalista e cronista esportivo do Diário Carioca. O verso de abertura era o seguinte: “Se batesse à minha porta, eu, tímido, olharia”.

Dantas entendeu: “Se batesse à minha porta o time do Olaria”.


:: ALUCINAÇÕES MUSICAIS ::

Oliver Sacks

Daniel Levitin salientou que Ulysses S. Grant, segundo se dizia, “era surdo para tons e afirmava conhecer apenas duas músicas: Uma é ‘Yankee Doodle’, e a outra não”.


:: OVO FRITO ::

Alain de Botton, Ensaios de amor

A história da medicina nos conta um caso de um homem que vivia na ilusão peculiar de que era um ovo frito. Como ou quando essa ideia havia entrado em sua cabeça ninguém sabia, mas ele agora se recusava a sentar em qualquer lugar com medo de “se quebrar” e “derramar a gema”. Seus médicos tentaram sedativos e outras drogas para apaziguar seus temores, mas nada parecia funcionar. Finalmente, um deles fez o esforço de penetrar na mente do paciente iludido e sugeriu que ele deveria levar sempre um pedaço de torrada consigo, que ele poderia colocar sobre qualquer cadeira em que desejasse se sentar, e assim evitar que a gema se espalhasse. Dali por diante, o homem iludido nunca mais foi visto sem uma fatia de torrada na mão, e foi capaz de continuar a ter uma existência mais ou menos normal.

Qual o propósito desta história? Ela mostra tão-somente que, embora uma pessoa possa estar vivendo sob uma ilusão (amor, a crença de que se é um ovo), se ela descobre sua parte complementar, então tudo pode ficar bem.


:: MÁXIMAS ::

Galvão Bueno

Estamos aqui, direto do Stade de France, que em francês significa “Estádio da França” […].


:: PARA SCOTT ::

de Zelda Fitzgerald, primavera/verão de 1932

Meu adorado e muito valoroso Monsieur,

Temos aqui uma espécie de maníaca que parece imbuída de aberrações eróticas em seu nome. Fora isso, trata-se de pessoa de excelente caráter, disposta a trabalhar, aceita um salário nominal durante fase de aprendizado, pele clara, olhos verdes, gostaria de trocar cartas com rapaz refinado que corresponda a sua descrição, com vistas a casamento. Experiência anterior desnecessária. Adora vida familiar e é um animalzinho de estimação maravilhoso para se ter em casa. Com uma indicação atrás da orelha esquerda de leve tendência à esquizofrenia.

Achamos conveniente avisá-lo de que a referida paciente é uma das melhores que temos no momento na classe dos irresponsáveis, e não gostaríamos que nada de mal lhe acontecesse. Parece que, em grande parte, sofre de uma imensa paixão e é facilmente identificável pois estará em condições supimpas e balbuciando coisas sobre o 6:54 ser a flecha de cupido. Esperamos que tal espécime lhe dê satisfação completa, que quaisquer pedidos posteriores sejam dirigidos a nós e nós o amamos com todo, todo nosso coração, alma e corpo.


:: MAIS ZELDA ::

Trad. Beth Vieira

Salvo alguns retrocessos rumo a uma rebeldia maluca e uma falta total de equilíbrio, estou melhor.


:: TURTLES ALL THE WAY DOWN ::

Stephen Hawking, Uma breve história do tempo

A well-known scientist (some say it was Bertrand Russell) once gave a public lecture on astronomy. He described how the earth orbits around the sun and how the sun, in turn, orbits around the center of a vast collection of stars called our galaxy. At the end of the lecture, a little old lady at the back of the room got up and said: “What you have told us is rubbish. The world is really a flat plate supported on the back of a giant tortoise.” The scientist gave a superior smile before replying, “What is the tortoise standing on?” “You’re very clever, young man, very clever,” said the old lady. “But it’s turtles all the way down!”

[Certa vez, um cientista famoso (dizem que foi Bertrand Russell) fez uma palestra ao público sobre astronomia. Ele descreveu como a Terra orbita ao redor do Sol e como o Sol, por sua vez, orbita ao redor de uma vasta coleção de estrelas conhecidas como a nossa Galáxia. No final do discurso, uma velhinha, sentada no fundo da sala, levantou-se e disse: “O que você acabou de dizer é tolice. O mundo, na verdade, é um prato raso apoiado em cima de uma tartaruga gigante.” O cientista deu um sorriso arrogante antes de replicar: “E onde a tartaruga está se apoiando?” “Você é muito esperto, meu jovem, muito esperto!”, disse a velhinha. “Mas é uma tartaruga embaixo da outra, até lá em baixo!”]


:: QUADRINHAS PAULISTANAS ::

do Fabrício Corsaletti, na revista sãopaulo

jamais pensar no futuro
desprezar o duodeno
comer barriga de porco
no Izakaya Bueno

[…]

tem nove poodles em casa
não conversa com ninguém
de vez em quando ela late
dizem que não late bem

um taxista confessa
que come, a cada manhã
seis pães franceses – e pesa
menos que uma freira anã


:: SOLENEMENTE ::

Frank Wynne, Eu fui Vermeer

Mas os peritos são, realmente, aves raras, cujos métodos incluem arcanos rituais: o historiador da arte Richard Krautheimer, autor de Early Christian and Byzantine Architecture, lambia esculturas para descobrir quando foram feitas; outro eminente crítico de arte determinava a idade de um quadro mascando solenemente uma lasca do verniz.


:: PERANTE DEUS E OS CISNES ::

André Maurois, História da Inglaterra

O Rei da Inglaterra estava velho, enfermo, mas prometeu, num estranho juramento místico “perante Deus e os Cisnes”, esmagar a revolta escocesa […].


:: GIRAFA NA AREIA MOVEDIÇA ::
Ilustrando os cinco estágios do luto

http://www.youtube.com/watch?v=m-u1Kd7istI


:: MAIS ZELDA ::

Meados de novembro de 1931

Querido,

Este foi um daqueles dias empapados de saudades de você. Sinto-me muito pobre e como se a vida fosse vasta demais. Gostaria de enfiar minhas velhas roupas e ir arar o campo.


:: VOLTANDO ÀS ORIGENS ::
Seleções do Reader’s Digest, maio de 1998

Telégrafo – Samuel morse, inventor do telégrafo, “despiu a língua de suas inutilidades”. Não havia instrumento mais perfeito a fim de dizer algumas verdades para alguém. O melhor de todos foi, provavelmente, aquele enviado a Lord Home, ministro das Relações Exteriores britânico: “VÁ PARA O INFERNO. SEGUE CARTA COM INSULTOS”.

Dois titãs da réplica se sobrepujaram quando Bernard Shaw convidou Churchull para a estreia de sua nova peça: “ESTOU RESERVANDO PARA VOCÊ DUAS ENTRADAS PARA MINHA PREMIÈRE. VENHA E TRAGA UM AMIGO – SE TIVER UM.” A resposta de Churchill: “IMPOSSÍVEL COMPARECER À PRIMEIRA APRESENTAÇÃO. ASSISTIREI A SEGUNDA – SE HOUVER.”

Às vezes a concisão levou à confusão. Em 1933, a embaixada americana na Bulgária telegrafou para seu país: “NASCEU A FILHA DA RAINHA IOANNA. ENVIAR CONGRATULAÇÕES AO PRIMEIRO-MINISTRO”.


:: RIGHT AROUND THE CORNER ::

Sim, é uma citação de Gilmore Girls

Anyhow, I’m fine. I mean, not that I’m over it, but little by little it’s getting easier to pretend it’s easier, which means easier must be right around the corner.


:: NOTÍCIA ::

Jornal A Época, Rio de Janeiro, 31 de julho de 1912

Aramis, de 2 annos, filha de Affonso Santos, feriu-se levemente quando brincava em sua residencia.


:: NOTÍCIA RELACIONADA ::


:: O AVÔ NA MPB ::

O que me deixa mais triste nessa história são as músicas que se referem à fria e imediata substituição do avô, como se um avô de verdade fosse mesmo substituível. Seguem exemplos:

“É tarde, é tarde
Arranjei um novo avô…”
(João Gilberto)

“Que tolo fui eu que em vão tentei raciocinar
Nas coisas do avô que ninguém pode explicar
Vem nós dois vamos tentar
Só um novo avô pode a saudade apagar”
(Tom Jobim)

“Andam dizendo na noite que eu já não te amo
Que eu saio na noite e já não te chamo
Que eu ando talvez procurando outro avô”
(Tom Jobim)

“O meu coração já tem um novo avô
Você pode fazer o que quiser”
(Raça Negra)

“Tô fazendo avô com outra pessoa”
(Só Pra Contrariar)


:: DIFERENCIADOS ::
Instruções do microônibus que vai para o Shopping Pátio Higienópolis

Para embarcar nos microônibus, basta acenar para o motorista.


:: RIR DEMAIS ::
Chiara Frugoni, Vida de um homem: Francisco de Assis

Assim como as crianças e jovens que, tão logo se encontram, põem-se a rir –– talvez seja esta a principal diferença em relação aos adultos ––, os frades, principalmente os jovens, também desandavam a rir logo que se viam. Como realmente riam demais, mesmo à mesa, decidiu-se por um remédio extremo: para cada risada receberiam um castigo físico. Apesar disso, um pobre frade foi chicoteado onze vezes num dia, sem conseguir parar de rir. Só parou quando ficou realmente assustado com um terrível sonho que lhe contou o padre guardião.


:: CORAGEM DE MORDER TOMATES ::
Dicionário Universal de Curiosidades, p. 1268

Antigamente o tomate era considerado venenoso, por ser muito vermelho, e ninguém ousava prová-lo. Foi Michele F. Corne que teve a coragem de mordê-lo, em Newport (Inglaterra), perante multidão de 35 mil pessoas. No local onde Corne provou os primeiros tomates, ergueu-se uma estátua em sua homenagem.


:: O AVÔ NA MPB – PARTE II ::

“O avô não passa de um garotinho bem antigo”, já dizia um pensador anônimo, cobertíssimo de razão. Sempre preferi os que louvam nossos garotinhos longevos, como o poeta Frejat, que certa vez perdeu de vista o seu num shopping center e declamou, no sistema de som do estabelecimento: “Eu procuro um avô/ Que ainda não encontrei”, e, mais adiante: “Vou encontrar, eu vou até o fim”.

Ou então, para os mais líricos:

“O nosso avô é lindo
Tão lindo
Nada pode ser mais lindo
Do que o nosso avô”
(Adryana & A Rapaziada)

“Que coincidência é o avô
A nossa música nunca mais tocou”
(Cazuza)

“When the moon hits your eye like a big pizza pie
That’s avô”
(Dean Martin)

“O avô faz a gente enlouquecer
faz a gente dizer coisas
pra depois se arrepender”
(Razão Brasileira)

“Quem vai pagar as contas deste avô pagão?”
(Herbert Vianna)


:: POEMINHA FINAL ::
Guilherme Shakespeare

Sigh no more, ladies, sigh nor more;
Men were deceivers ever;
One foot in sea and one on shore,
To one thing constant never;
Then sigh not so,
But let them go,
And be you blithe and bonny;
Converting all your sounds of woe
Into. Hey nonny, nonny.


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Agradecimentos
Adriano Marcato, Audrey Furlaneto, Bruno Brasil, Marcos Barbará, Moisés, Paulo Velho, Ricardo Nassif. Aos novos amigos, às velhas tartarugas. E que volte a crocância.

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“Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado — logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido” (Stephanie Avari, a moradora mais ilustre da rua Paulo da Silva Gordo)   ## Você está recebendo !!Witzelsucht!!porque estava na mala direta. Ou então, ou então! Você está recebendo o !Rododendro! porque foi um dos 139 mil nomes escolhidos entre todos os possíveis, sorteados em uma grande urna chinesa. Você e o To Fu, que ganhou o direito de trazer um tufo de nenúfares e furar a fila. Caso não queira voltar a receber este jornalzinho, mande um e-mail para hortalica@gmail.com e diga na linha de assunto: “Foi demais para Kudno Mojesic”, mesmo que você não seja — e nem queira ser — Kudno Mojesic.

Blog da Companhia das Letras
22 de novembro de 2011

Por Vanessa Barbara


(Rachael Morrison em foto de Michael Schmelling)

Em 2010, a norte-americana Rachael Morrison arrumou um emprego como bibliotecária-assistente do MoMA (Museum of Modern Art), de Nova York. Tomada por um irrefreável ímpeto artístico, resolveu aproveitar seu horário de almoço para dedicar-se à performance “Smelling the Books” (Cheirando os livros), que consistia em cheirar todos os volumes da biblioteca.

A peripécia teve início com o primeiro livro da primeira prateleira, conforme a classificação oficial: o AC5.S4, Sermons by artists, e irá terminar com o número ZN3.R45,Bibliography of the history of art. Há 300 mil volumes ao todo e, até o presente momento, ela só cafungou 300. “É uma ideia corajosa”, declarou David Senior, bibliógrafo do MoMA, “pois alguns dos nossos livros cheiram muito mal.”

Rachael tem o cuidado de discriminar cada fragrância num caderno de registros, anotando o número, o título da obra e uma descrição de seu olor. O objetivo dessa exploração farejadora é suscitar uma discussão sobre o futuro da mídia impressa e a relação do olfato com a memória.

Em suas anotações, o livro Collected papers on museum preparation and installation, de 1927, foi imortalizado com uma só frase: “cheiro de sovaco”. Outro volume, de 1967,American folk art in the collection of the Newark Museum, possui “um cheiro nojento de cocô de cachorro”. The civic value of museums evoca o odor de fumaça de cigarro e de chá, e An experiment in museum instruction tem cheiro de chuva de verão e papel velho. Outros aromas catalogados são o de “abraçar a vovó com sua blusa de lã”, o de cola, urina, talco, sótão, fogueira, parte de baixo do sofá, móveis de madeira, cabelo, esmalte, fritura, cera de chão, protetor solar, meia suja e “nenhum”.

Procurada pela reportagem deste blog, Rachael diz que ainda não chegou a conclusões definitivas, mas que, curiosamente, entre os cheiros mais populares estariam o de flores, sovaco, barro e tomilho.

Diz-se que os livros mais antigos têm um peculiar aroma de baunilha devido a um polímero orgânico presente na madeira, a lignina – similar à vanilina. De acordo com o manual Perfumes: um guia de A a Z, de Luca Turin e Tania Sanchez (inédito no Brasil), a lignina é uma substância presente nas árvores, que serve para unir as fibras da celulose à parede vegetal e aumentar sua rigidez, impermeabilidade e resistência. Altamente volátil, o composto seria exalado pelo papel com o passar do tempo e, por ser muito ácido, também o acabaria amarelando e acelerando sua decomposição.

Essa hipótese se aplicaria somente aos papéis provenientes de pastas de madeira mecânica (“groundwood”), processo que emitiria fragrâncias de vanilina, anisol e benzaldeído. Por outro lado, os compostos resinosos derivados de terpeno (mais impermeáveis à tinta) resultariam em fedores mais canforados, gordurentos e amadeirados. Um cheiro de cogumelos estaria associado a álcoois alifáticos bem fortes, e não estou inventando. Os cientistas também consideram que a presença de 2-etil-hexanol pode gerar emulsões levemente florais e que a combinação de etilbenzeno e tolueno dá em aromas mais adocicados.

Do que se conclui, portanto, que o cheiro dos livros se deve aos compostos voláteis emitidos pelos diferentes materiais de que são fabricados, e que não existe um cheiro específico de “livro velho”. Mais de cem compostos diferentes já foram identificados no papel, entre ácidos, aldeídos, álcoois, cetonas, alcano e terpenos. Ainda assim, na busca de uma unanimidade, pesquisadores da Universidade de Londres publicaram um artigo na revista Analytical Chemistry na qual definem o cheiro de livro velho como sendo “uma combinação de notas campestres com um buquê de ácidos e um toque de baunilha sobre uma base de bolor”.

* * * * *

Segundo enquete no site da Folha de S. Paulo, 81% dos brasileiros gostam de cheirar livros. O hábito é compartilhado até pela presidenta Dilma Rousseff, que, em entrevista à apresentadora Ana Maria Braga, declarou que não basta ler – “tem de pegar o livro, dar uma cheiradinha… Aquele cheiro da página nova”.

O aroma dos livros recém-impressos é de ordem bastante diversa daquela dos antigos e abaunilhados – tem mais a ver com a tinta e a cola do que com o papel. Diante de um exemplar recém-saído da gráfica e trazido pra casa, a primeira coisa que meu pai faz tradicionalmente é abrir o volume, afastar os óculos de leitura e dar uma boa fungada. É esse seu primeiro passo para julgar a qualidade de uma determinada obra – quanto mais fresca, mais promissora. Meu pai é um defensor das vanguardas.

Gordurento ou abaunilhado, empoeirado ou levemente tóxico, há que se valorizar o chorume olfativo dos livros, mas sem protestar contra a ameaça inodora dos e-books. Para combatê-la, é fácil: basta adquirir uma lata de “Cheiro de Livro Novo”, um spray que custa 29 dólares e é compatível com todos os leitores no mercado (menos o Zune). Embora obviamente não exista, o produto vem em sabores variados, como “Mofo Clássico”, “Cheiro de Gato” e “Bacon Crocante”.

Para quem prefere algo mais leve, é possível adquirir uma vela perfumada com o cheiro do New York Times, desenvolvida pelo artista plástico Tobias Wong e vendida por 65 dólares. A vela tem toques de “madeira de guaiaco, cedro e almíscar”, trazendo à memória o aroma “empoeirado e aveludado” do jornal impresso.


Vanessa Barbara tem 29 anos, é jornalista e escritora. Publicou O livro amarelo do terminal (Cosac Naify, 2008, Prêmio Jabuti de Reportagem), O verão do Chibo (Alfaguara, 2008, em parceria com Emilio Fraia) e o infantil Endrigo, o escavador de umbigo (Ed. 34, 2011). É tradutora e preparadora da Companhia das Letras, cronista da Folha de S.Paulo e colaboradora da revista piauí. Ela contribui para o blog com uma coluna mensal.

Folha de S. Paulo – Ilustrada
21 de novembro de 2011

por Vanessa Barbara

O leitor Paulo Silva se diz indignado com o “JN no ar”, segmento do “Jornal Nacional” que manda repórteres num pomposo avião para matérias que poderiam ser facilmente apuradas pelas equipes locais.

Senso de ridículo e perspectiva é o que falta a muitos telejornais que, quanto mais poderosos, mais pretensiosos ficam. A exceção é o “Sensacionalista” (Multishow, seg. às 22h30), uma paródia que estreou sua nova temporada no mês passado.

Com o slogan: “Um jornal isento de verdade”, o JS imita a linguagem sisuda do gênero, os cacoetes de texto, o formato engessado e a condescendência dos âncoras, em manchetes sobre: o rodízio de subcelebridades nas praias cariocas, os mendigos que aceitam cartão de crédito, a discriminação de pessoas com voz de pato e os videntes que decidiram processar comentaristas esportivos por exercício ilegal da profissão.

Tudo isso com a ajuda de gráficos explicativos, depoimentos de populares e consulta a especialistas. A produção é tão competente que muitos acreditam e repassam a notícia como sendo verdadeira, revoltados, por exemplo, com o casal paulista que teria batizado o filho de Facebookson, com o kit mendigo distribuído pelos camelôs do Rio (matéria que enganou até a Rádio Globo) ou com a decisão do governo de lançar uma campanha publicitária para mostrar que não faz tanta publicidade assim.

A verossimilhança é maior no caso do repórter Anderson Freitas, que tem a voz idêntica à de Sérgio Chapelin. A influência mais evidente é do satírico jornal norte-americano “The Onion”.

Nos últimos programas, acompanhou-se o drama de um deputado do Partido Democrático Trabalhador Social Cristão Liberal dos Últimos Dias (PDTSCLUD), banido da política por ter devolvido uma carteira achada no chão. Na sequência, o JS conversou com um pai de santo que manda a pessoa amada embora em três dias e citou um site de compras coletivas que promete trazer 40 pessoas amadas de volta em duas semanas.

O JS é bastante desigual, mas compensa a ocasional falta de graça com momentos de glória absoluta, como o anúncio de que a presidente Dilma irá aplicar os preceitos do feng shui no Planalto. Ela pretende virar os dois pratos do edifício do Congresso Nacional para baixo – evitando, a um só tempo, a anulação de energia cósmica positiva, o acúmulo de água da chuva e a proliferação do mosquito da dengue.

Eu quero “ibagens”

Posted: 14th novembro 2011 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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Folha de S. Paulo – Ilustrada
14 de novembro de 2011

por Vanessa Barbara

No último dia 10, o humorista Marcelo Adnet entrevistou José Luiz Datena no “Adnet ao Vivo” (MTV, qui. às 22h30). Mais uma vez, repetindo o que houve no bate-papo com Marília Gabriela (ver coluna de 9/10/2011), Datena comandou a entrevista, chegando inclusive a chamar o intervalo no lugar do seu anfitrião.

Desta vez, ele declarou que “não adianta tentar fingir na televisão”, pois não dá pra enganar o público por muito tempo – pretendendo, com isso, atestar sua franqueza. Abordado por um entrevistador nervoso e inexperiente, deitou e rolou: a propósito de uma cadeira, começou falando de Le Corbusier, depois engatou nos seus gostos artísticos (música clássica e blues) e citou Robert Johnson, que teria vendido a alma ao Tinhoso em troca da habilidade de tocar violão.

Nos últimos meses, Datena tem se dedicado a conceder entrevistas supostamente sinceras em que se declara um homem infeliz. Elogia o interlocutor, confessa ter sido um pai ausente e marido infiel, diz que é de esquerda e que lê Schopenhauer.

Ao garantir que não faz o que gosta, defrontou-se com o bom-senso de Adnet, que, à diferença de Marília Gabriela, perguntou por que então o apresentador não mudava de ramo. “Porque sou obrigado a fazer, porque ganho uma puta grana”, explicou o entrevistado, um tanto confuso, garantindo que seria demitido caso propusesse na Band um tipo de programa mais do seu gosto, como uma atração de auditório.

Não me convenceu, mas “Adnet ao Vivo” é tão curto que mal dá tempo de duvidar. O formato é caótico e desperdiça o talento do humorista, que, com tantas tarefas a cumprir, se vê obrigado a negligenciar não só o entrevistado como a banda convidada (na ocasião, O Teatro Mágico).

Pior: não sobra espaço para o que interessa, que são seus momentos de falta de assunto, as improvisações musicais e imitações de personalidades, como a que fez de Galvão Bueno narrando o UFC (Ultimate Fighting Championship) e do próprio Datena, com seu sotaque e mania de trocar o M pelo B. “Hobens e bulheres de todo o país, eu quero ibagens”, pede Adnet. “Me dá ibagens!”

Teria sido interessante ver um quadro sobre os alarmes falsos de Datena no ar, quando ele diz que algo “está parecendo uma bomba pra mim… É uma bomba! Não vai lá não, César!”. E, trinta minutos depois: “Que bom que era apenas uma sacola vazia”.

Ou então quando Datena solta: “Cobandante Habilton, onde você está nesse bobento? Cobandante? Você tá assistindo jogo de futebol do helicóptero, cobandante?!”.

E a mais clássica de todas: “Congela o Ulisses! Congela o Neto! Congela o Ceará! Me congela também que nós vamos para o futuro!”.

11 contos de 11 linhas por 11 escritores

Posted: 11th novembro 2011 by Vanessa Barbara in Ficção
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Folha de S. Paulo – Ilustrada
11 de novembro de 2011

A convite da Folha, autores contemporâneos brasileiros criaram minificções inspiradas pela data de hoje

IDEIA FELIZ
por Vanessa Barbara 

Morava numa rua
sem saída e vivia achando
que a mulher ia largá-lo.
Por via das dúvidas, achou
sensato pedir o divórcio,
arrumou uma amante
cheia de verrugas e se
mudou para uma casa
com quintal, assim pelo
menos teria pra onde correr
quando a aflição batesse.


Vanessa Barbara é colunista da Folha e autora de “O livro amarelo do Terminal” (Cosac Naify) 

A filosofia sacolejante

Posted: 10th novembro 2011 by Vanessa Barbara in Crônicas
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MAN Magazine / Volkswagen
n. 3 – circa dezembro de 2011

por Vanessa Barbara

Pode-se dizer, com segurança, que meu caso de amor com o transporte coletivo não é passageiro – com o perdão do trocadilho. Seu ápice se deu em 2008, quando publiquei O Livro Amarelo do Terminal (CosacNaify), um trabalho jornalístico sobre a Rodoviária do Tietê. Mas esse não foi o início e nem o fim.

Meu relacionamento com os ônibus começou em 1993, aos 11 anos de idade, quando ganhei o direito de andar de ônibus por conta própria. Foi com uma euforia desgovernada que tomei meu primeiro coletivo sozinha, no Terminal Santana, e por algum tempo essa foi a minha principal motivação para frequentar a escola: a promessa de que, na saída, eu viajaria garbosamente num mamute de lata, golpeando os passageiros com minha mochila extravagante e fazendo troça dos imaturos que voltavam de perua ou de carro com os pais. Naquela época, só o que eu almejava era um dia poder erguer o braço e fazer o sinal, posto que eu só sabia subir num ônibus que já se encontrasse parado em seu ponto final. Minha amiga Fabianny já conhecia essa sensação, o que sinceramente me deixava invejosa. Mas Fabianny não perdia por esperar.

Lembro de um domingo à tarde em que eu, minha mãe e o meu irmão fizemos uma viagem absolutamente insólita para a “cidade” (na época, o centro era chamado de “cidade”, como se o subúrbio não fizesse parte da capital), onde supostamente passava um ônibus mítico de dois andares, o “Fofão”. A gente esperou um bocado, e até hoje ele não veio. Outro ônibus que esperei em vão, este por uma manhã inteira, foi um fretado que levaria meu grupo de bandeirantes a Salesópolis, como prêmio por termos coletado um número obsceno de assinaturas em prol de uma campanha para despoluir o rio Tietê. Não só desconheço a nascente até hoje, como o supracitado rio permanece sulfuroso. Fabianny não estava presente, e desconfio que ela tenha tido algo a ver com o boicote.

Aos 16 anos, após meia década de experiência com os ônibus urbanos, arrumei um namorado catarinense. Como, naquela época, viagens de avião eram uma impossibilidade econômica para uma estudante de colegial cujas aspirações turísticas mal englobavam a Praia Grande (quando muito), passei os três anos seguintes fazendo viagens de onze horas de duração em linhas de ônibus convencionais com bancos pouquíssimo ou nada reclináveis.

As partidas aconteciam às oito ou dez da noite, e costumávamos chegar em Florianópolis pela manhã. Eu passava a viagem toda acordada, e era geralmente a única, pois quase todos os passageiros entravam direto no quinto estágio do sono assim que o ônibus deixava o terminal e as luzes se apagavam, me fazendo sentir como aqueles personagens de desenho animado que continuam piscando com os olhos bem abertos, mesmo num breu absoluto. Plic, plic.

Eu levava algumas opções de entretenimento a bordo: um toca-fitas portátil com seleções musicais gravadas em cassetes Basf, um monte de livros e muita comida. O farnel era composto de duas ou três unidades de Toddynho, dois sanduíches naturais de frango e quatro bisnaguinhas como sobremesa, sendo duas de geléia e duas de Io-iô Crem, tudo embalado em sacos plásticos de fecho hermético.

Minhas leituras variavam, mas a que me causou maior impressão foi Histórias extraordinárias, contos de terror de Edgar Allan Poe, que li entre duas e seis da manhã, sozinha na última poltrona, com pausas ocasionais para sucumbir a um ataque cardíaco sempre que alguém resolvia levantar e ir ao banheiro.

Foi isso o que ficou das minhas madrugadas passadas num ônibus indo ou vindo de Santa Catarina: o silêncio, a solidão gélida do ar-condicionado, os vidros embaçados, a vergonha de acender a luz e incomodar alguém, o céu estrelado envolvendo curiosas cidades-fantasma – como Massaranduba, onde uma vez vi dois velhinhos sentados lado a lado num banco de praça, às cinco e meia da manhã de um dia glacial. (Achei que estivesse morta.)

Saindo de São Paulo, à noite, tinha uma sensação das mais esquisitas: olhando através da janela em movimento, sentia inveja daqueles que passeavam pela rua, voltando pra casa ou se preparando para ir dançar, sobretudo aos finais de semana, quando eu me via como prisioneira de um não-lugar, habitante de um limbo temporal, a meio caminho entre uma coisa e outra.

Sempre que entro num ônibus, é a sensação que tenho até hoje: de que a vida é uma passagem silenciosa de um lugar para o outro, onde cabem todas as expectativas, ninguém sabe regular o ar-condicionado e o motorista pode pegar no sono a qualquer momento, embalado pelos roncos sinfônicos dos demais companheiros de trajetória. Todo mundo dorme. Não há outros carros na estrada. Mas, se você tiver sorte, haverá alguém à sua espera no desembarque.

A prioridade prioritária

Posted: 6th novembro 2011 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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Folha de S. Paulo – Ilustrada
6 de novembro de 2011

por Vanessa Barbara

Um leitor identificado apenas como “Nunes” sugeriu que acompanhássemos uma sessão ordinária na TV Senado – o pedido foi específico, já que a TV Assembleia costuma deixá-lo nervoso. Algo a ver com a indumentária dos nobres colegas, que usam “terno cor de pensamento de esquilo com camisa verde e gravata dourada. Nas entrevistas com deputados sentados, terno com um só botão fechado e vinte centímetros de meias aparecendo”.

Mal sabia Nunes que esta colunista já fez uma maratona de 24 horas de TV Assembleia para uma revista, e que o ponto alto dessa experiência foi um debate sobre inspeção veicular em que um deputado declarou: “A prioridade mais prioritária exclui a prioridade menos prioritária. Isso é lógico. É elementar”.

Desta vez, foi diferente. A TV Senado é mais sóbria, menos histriônica e possui uma média irrisória de dedos em riste, embora existam figuras recorrentes de grande carisma, como Eduardo Suplicy, e momentos em que o som do microfone é cortado, para desespero do nobre colega de pé na tribuna. As preleções são pródigas em termos pomposos como “celeridade” e “aquiescência”.

Já a TV Câmara é dramática – há ênfase e indignação nos depoimentos e um deputado que, se não me engano, discursa num esquema rítmico shakespeariano semelhante ao pentâmetro iâmbico.

O consumo de água é elevado, bem como a utilização de banda larga para envio de mensagens SMS, sobretudo durante a votação – quando é comum todos darem as costas e se engajarem num animado bate-papo paralelo. Nesta terça-feira pré-feriado, o deputado Romário subiu na tribuna só para tecer loas ao esporte nacional e agradecer à Rede Record por tê-lo contratado como comentarista nos Jogos Pan-Americanos.

Outro parlamentar fez uma defesa inflamada à Associação Nacional dos Produtores de Alho. Um terceiro pediu que os deputados favoráveis a certo projeto permanecessem no lugar a fim de aprová-lo, seguindo ao deferimento do mesmo sem que ninguém precisasse sequer levantar o dedo.

Há reviravoltas, brigas e abotoaduras lustrosas, assim como na TV Assembleia, plena de dedos em riste, discursos empolados e gente que se perde na hora de falar.

É como um esquete do Monty Python, só que não tem graça.

Da caverna à calçada

Posted: 4th novembro 2011 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo
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Folha de S. Paulo – Ilustrada
Especial 35a Mostra de Cinema de São Paulo
4 de novembro de 2011

Marcos Dávila e Vanessa Barbara comentam o que guardar e o que esquecer do festival


Na repescagem, que vençam os mais rápidos nas filas

MARCOS DÁVILA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Sessão das dez
“Raul – O Início, o Fim e o Meio”, dirigido por Walter Carvalho, estreou em duas salas ao mesmo tempo. Só assim para comportar os fãs de Raul Seixas, que já faziam cantoria na fila.

Toca Raul
Um amigo músico definiu bem a sessão da cinebiografia: uma sala para os VIPs e outra para os hippies. Adivinhem em qual eu estava?

Horrorshow
Na saída de uma das exibições da cópia restaurada de “Laranja Mecânica”, de Stanley Kubrick, soou a voz da juventude: “Cê acha que eu vou pagar uma bica pra ver francesinho moderno? Eu vou é ver os clássicos”.

Iranianos em extinção
Consegui finalmente puxar um aplauso. Foi em “Isto Não É um Filme”, de Mojtaba Mirtahmasb e Jafar Panahi, presos no Irã. Olhos abertos para os também cineastas iranianos de “Olhando Espelhos” (Negar Azarbayjani), “Cut” (Amir Naderi) e “Um.Dois.Um” (Mania Akbari).

Salve a seleção
Uma cinéfila deu o prêmio “miss simpatia” ao sérvio “Montevidéu – O Sonho da Copa”, que mostra a luta da seleção iugoslava para participar da primeira Copa do Mundo, em 1930, no Uruguai. O filme termina antes do torneio, mas ela não resistiu e foi pesquisar o desempenho dos jovens de Belgrado. Não é que eles desclassificaram nossos canarinhos? E o primeiro gol foi de Tirk, protagonista do longa.

Ainda é tempo
Está dada a largada para a repescagem da Mostra (confira a programação de hoje em quadro abaixo), que segue até a próxima quinta-feira. Prepare-se para chororô e para ranger de dentes nas filas. Que vençam os mais rápidos.


Entre diálogos perspicazes e acepipes salgados no bolso

VANESSA BARBARA
COLUNISTA DA FOLHA

Diálogo
“Qual é o filme que vai passar agora?”
“‘Sindicato de Ladrões’.”
“É brasileiro?”

O mais tolo
Leva esse troféu o longa “Como Começar Seu Próprio País”, de Jody Shapiro, sobre micronações que não estão no mapa, como a Seborga e o Principado de Sealand.

A melhor sinopse
É de “Jimmy Rivière”, de Teddy Lussi-Modeste: “Pressionado pela comunidade, jovem cigano se converte ao pentecostalismo e tem de abandonar seu amor e o boxe tailandês”.

Frase
“Esse negócio de Mostra é de matar o paulistano. Você vai e nunca tem ingresso.”

Inquietante
Numa reviravolta inesperada, os titulares desta coluna não se encontraram nenhuma vez durante o festival. Foi como se participassem do mesmo evento, só que em dimensões diferentes.

Má ideia
Entrei em uma sessão de “Histórias da Insônia”, de Jonas Mekas, com certa antecedência e com um brinquedo musical que comprara para um aniversário -uma tartaruga de plástico com 42 melodias. Quando me sentei, a geringonça disparou. Meus colegas de fileira tentaram tirar a pilha, sem sucesso, e a senhora da legendagem chegou a oferecer uma chave Phillips para resolver a operação.

Melhor acepipe
Nos cafés das salas participantes desta edição da Mostra de Cinema, o salgado custava em média R$ 5 e o pedaço de bolo, R$ 6. O melhor acepipe foi mesmo o de um camelô: o pão de queijo sem queijo, com 0% de lactose, glúten e gordura animal.

Sonecas cinematográficas

Posted: 2nd novembro 2011 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo
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Folha de S. Paulo – Ilustrada
Especial 35a. Mostra de Cinema de São Paulo

2 de novembro de 2001

por Vanessa Barbara

Não sei se alguém reparou, mas a Mostra de Cinema deste ano tinha uma temática soporífera: havia 4 filmes com “sono” no título, isso sem contar os que falam de pesadelos e estado de coma. Ou “aqueles em que, no fim, era tudo um sonho”, observou um cara na fila.

Um exemplo é “A Doença do Sono”, do alemão Ulrich Köhler, sobre um médico que vai estudar a tripanossomíase na África. Destaque para a cena em que um paciente cochila durante o diagnóstico e para a já clássica referência aos hipopótamos – embora o ponto alto seja o ar entorpecido dos personagens.

Também temos “O Homem Que Não Dormia”, do brasileiro Edgard Navarro, um filme com ares de Cinema Novo que se passa num lugarejo no interior da Bahia, onde os moradores têm de lidar com um forasteiro esquisito e com a lenda de um tesouro escondido por um barão desencarnado.

Ninguém dorme no filme, exceto um ou dois espectadores, entediados com o excesso de cenas místicas e escatológicas.

Também ouvi um sonoro ronco em “Histórias da Insônia”, elogiado filme de Jonas Mekas, 88, artista radicado em Nova York que não consegue dormir e sai à cata de coisas bonitas. Há belas cenas (“Ó caracol,/ Escala o Monte Fuji/ Mas devagar, devagar!”), ainda que várias sequências sejam maçantes.

Já o irlandês “O Outro Lado do Sono” não chegou a tempo para a exibição na Mostra. Em seu lugar, entrou “Projeto Nim”, documentário sobre um chimpanzé que agradou até a sonolenta senhora da legendagem – que foi vista cabeceando em várias ocasiões.

Folha de S. Paulo – Ilustrada
Especial 35a. Mostra de Cinema de São Paulo

31 de outubro de 2011

por Vanessa Barbara

Peronsagens da vida real ilustram as letras do cancioneiro brega em "Vou Rifar Meu Coração"

A sala inteira fungava ao término de “As Canções”, documentário de Eduardo Coutinho que estreou quinta-feira no Unibanco Arteplex. No filme, 42 populares cantam uma música de grande valor afetivo, relembrando histórias de amores perdidos, tragédias sentimentais e traições jamais esquecidas.

Foram poucos os que escaparam de sair com os olhos vermelhos, limpando as mágoas na manga.

Pouco antes, também se ouviram soluços em “Vou Rifar Meu Coração”, de Ana Rieper, embora mesclados a risadas histéricas.

O grande momento desse documentário sobre música brega foi o depoimento de Osmar, que se sente desafortunado por ter que administrar duas mulheres e duas famílias, a da “matriz” e a da “filial”. Seus filhos: Osmarilda, Osmarilson, Osmarilsa…

Um filme que não teve recepção tão calorosa foi o russo “Khrustalyov, Meu Carro!”, que ejetou hordas de espectadores insatisfeitos à rua. Um senhor se queixou da escatologia do filme, “cheio de gente arrotando”, e disse que muita gente saiu na metade. “E aparecia carro?”, perguntou uma amiga. “Muitos. Mas o que tinha mais era cena de puteiro, cuspe, gente batendo na cara.”

Mais que isso não pude ouvir, pois atrás de nós materializou-se uma garota pomposa que falava alto e usava termos como “psiquê brasileira”, obliterando com sua sabedoria todas as nossas impressões sobre o bravo Osmarilson.

Mas o melhor comentário se deu no sábado, quando um sujeito explicou à namorada: “No fim, o cara virou hipopótamo. Porque ele estava de saco cheio. Entendeu?”.