Gripe na TV

Posted: 18th junho 2012 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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Folha de S.Paulo – Ilustrada
18 de junho de 2012

por Vanessa Barbara 

Às vezes é difícil entender o que se passa na TV aberta e quem tem culpa disso, sobretudo durante a tarde. É o momento em que a maioria dos telespectadores está gripada, no sofá, e as coisas parecem ser mais inexplicáveis, como nos mostra uma rápida incursão pelos canais durante uma chuvosa e constipada terça-feira. 

Para mostrar que não estamos exagerando, em todas as quatro primeiras emissoras, distintos senhores de terno gesticulavam a uma plateia de outros distintos senhores de terno que, por sua vez, ocupavam-se jogando Tetris no celular ou cochilando ruidosamente.

Um dos oradores gabou-se de haver construído uma “linda passarela pênsil na cidade, tão linda quanto as deputadas aqui presentes”. Um suposto religioso chamado Mão Santa assumiu a tribuna, mas, quando ele mencionou “a exiguidade do tempo”, ficou claro que a coisa ia demorar. Mudamos de canal.

A emissora seguinte exibia as agruras de um cachorro quadrado, no qual nos detivemos por um bom tempo. A seguir, “Os camundongos aventureiros”, que se provou, de longe, o melhor programa da tarde. 

Em seguida, sintonizamos numa produção ficcional em que as pessoas falavam, mas as bocas não pareciam sincronizadas: era a magia da dublagem sobre um original mexicano. Havia mulheres com penteados extravagantes e rostos alaranjados.

No canal que vinha depois, uma senhora pouco ou nada casadoira remexia as nádegas e cantava de olhos fechados. “Mesmo para quem já nasce com brilho, o brilho é necessário”, explicava. Foi quando uma voz sem dono, tal qual um chamado do Senhor, garantiu que “nossa reportagem teve beleza do começo ao fim, mas, para terminar…”.

Expectativa no sofá. Teríamos enfim um pouco de feiúra? Que nada.

Trocamos de canal. Neste, uma senhora de ombreiras falava sobre a importância das flores – porque são coloridas –, e sobre a necessidade de se chamar um profissional para redirecionar os móveis da casa. Ela possuía os lábios carnudos e as sobrancelhas triangulares, sendo portanto similar a todas as senhoras anteriores, o que pode ser sinal de que estamos alucinando de febre.

Na sequência, vemos uma moça agradecendo a Deus por dar uma empresa a seu marido. Quando retornamos ao canal de início, Mão Santa ainda está discursando e a caixa de lenços de papel acabou.

Morando junto

Posted: 12th junho 2012 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo
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Folha de S.Paulo – Imóveis
12 de junho de 2012
(Especial Dia dos Namorados)

por Vanessa Barbara

A grande desvantagem da coabitação romântica em caráter permanente tem a ver com o comprimento médio das unhas dos pés dos envolvidos: quando seu amor vive na mesma casa que você, poucas são as chances de manter o asseio ungueal com a mesma excelência e desenvoltura – a não ser que você volte mais cedo do trabalho ou se tranque no banheiro com a tesourinha, num contorcionismo constrangedor.

O mesmo ocorre com outras necessidades excretoras da biologia humana, sobretudo as regulares como a caca de nariz e a tosse com pigarro.

Trata-se do teorema da antiprivacidade cinética – não se pode ter micose em paz quando é preciso habitar com outrem em regime de intimidade total. Não se pode desenvolver costumes ridículos em sua própria sala, como praticar o bambolê e andar de cuecas ostensivamente, falando sozinho, a menos que o relacionamento já tenha passado dos dez anos.

Morando com o ente querido não há para onde correr em caso de discussão séria, piada ruim ou azedume. Você pode descobrir, numa manhã chuvosa de terça-feira, que o seu eleito mexe o copo de Nescau com um vigor irritante e solta um ronquinho pelo nariz quando ri. Isso pode ser bom ou completamente desastroso.

Há casos de separação motivados por um trocadilho infeliz, que foi evoluindo para reclamações sobre a tampa da privada, a toalha úmida na cama e, por fim, o tufo de cabelos fossilizado no sabonete. Mesmo o relacionamento mais estável pode desmoronar quando ninguém se digna a trocar as lâmpadas ou passar o domingo reforçando o reboque – literalmente.

Mas há vantagens de morar junto com um consorte: a primeira delas é não ter que voltar pra casa. A segunda se relaciona à mão de obra para abrir potes de conserva (embora o porteiro também possa servir) e pés quentinhos para as noites de inverno (deixe o porteiro fora disso).

Ter companhia para lanches da madrugada, cochilos vespertinos e um chinelo maior com que matar baratas também é vantajoso, mas convém escolher um pretendente complementar em prendas domésticas: por exemplo, alguém que goste de cozinhar se você prefere lavar a louça, alguém que empreenda uma massagem enquanto você costura, ou alguém que simplesmente saiba fazer algo útil, como um eletricista, encanador, carpinteiro ou dedetizador.

A despeito das dificuldades, nada melhor do que chegar em casa e encontrar a luz acesa, uma cebola queimando no fogão e alguém muito querido trancado no banheiro cortando as unhas do dedão.

Respeitar a “météo”

Posted: 11th junho 2012 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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Águeda Horn

Folha de S.Paulo – Ilustrada
11 de junho de 2012

por Vanessa Barbara

Em 1993, uma pesquisa do Instituto Nacional de Audiovisual revelou que 76% dos franceses acompanhavam os boletins meteorológicos na TV pelo menos três vezes por semana.

Num estudo de 2008 realizado pelo centro de estatísticas Médiamétrie, as previsões do tempo do canal France 2 e TF1, combinadas, atraíam 14 milhões de pessoas diariamente.

Os números são fáceis de comprovar: em Paris, todas as conversas começam com um exaltado aparte climático, em geral pessimista, e é só ligar a tevê para ser bombardeado por boletins da Météo-France, a soberana agência de meteorologia do país.

Só na emissora pública France 2, são seis blocos diários de “météo”: às 10h45, 12h55, 13h50, 19h50, 20h45 e 2h35, antes ou depois do noticiário.

Dedicados, os franceses não se limitam às temperaturas mínimas e máximas nas principais cidades; fornecem informações detalhadas sobre a qualidade do ar e das praias, o tráfego nas rodovias e um mapa de vigilância relativo a tempestades, inundações, nevascas e avalanches.

A fonte é quase sempre a mesma: a Météo-France. Ainda assim, cada emissora procura se diferenciar na apresentação dos dados, usando recursos didáticos e cartográficos. O boletim da TF1 é mais clássico, o da M6 é impessoal e o do Canal + é descolado e sexy.

Os cidadãos até possuem um apresentador de sua preferência, como a veterana Evelyne Dhéliat, da TF1, eleita por uma revista como a mais confiável, e o jovem Alex Goude, que vem conquistando admiradores com sua pinta de galã e trocadilhos espirituosos no canal M6.

Pode-se explicar a obsessão climatológica na França em parte por se tratar de um país de temperaturas variadas, sem previsões entediantes, “como talvez no Egito ou na Arábia Saudita, onde faz sol todos os dias”, explicou um técnico da Météo-France.

Emmanuel Garnier, historiador do clima da Universidade de Caen, tem uma explicação mais interessante: os cidadãos locais são intolerantes à variação radical do clima, reagindo com um catastrofismo tipicamente francês. São dramáticos e nunca estão satisfeitos.

“Na Inglaterra, sujeita a mudanças meteorológicas similares às nossas, a situação é diferente. As pessoas falam sobre o assunto e há cobertura na TV, mas é tudo considerado normal”, afirma.

Na França, pega bem reclamar do tempo e lamentar com gosto: é a forma mais segura e imediata de ser aceito entre os parisienses.

Blog da Companhia das Letras
5 de junho de 2012

por Vanessa Barbara

Numa coluna anterior, comentamos sobre os benefícios do feijão para a saúde de nossas leituras cotidianas, pois que serve de apoio de página enquanto estamos comendo ou lixando as unhas. Falamos do leitoril, este valoroso objeto que mantém as páginas abertas sobre uma superfície lisa e iluminada, facilitando a fruição dos romances mais volumosos.

Não falamos, porém, de como fazer para ler na cama num dia de inverno, quando só o que você quer é passar a noite ronronando debaixo de quatro mantinhas de lã, de preferência na companhia de algum clássico francês.

O elemento central de uma boa leitura na horizontal é o abajur. Não há nada mais determinante do que o estilo e a intensidade luminosa do mesmo — talvez a qualidade do livro, diriam os mais ortodoxos —, e meu sonho sempre foi ter uma modesta (porém significativa) coleção de abajures nos mais diversos formatos, quilowatts, cores, materiais. O sueco Stieg Larsson, por exemplo, é um autor de luzes fortes e vermelhas. Stendhal e Flaubert requerem uma claridade mortiça, amarelada, em tons amadeirados. Os russos a gente lê à luz de velas quando acaba a eletricidade na rua, e Edgar Allan Poe se beneficiaria de um abajur com defeito, que vai falhando e definhando conforme as páginas avançam, até que, lá pelo fim, você não o esteja mais lendo, e sim imaginando. Luz focada de ônibus é para ler aventuras, diários de viagem e expedições com piratas, cerimônias pagãs e escorbuto.

Acionado o abajur, porém, pouco nos resta senão soterrar-se debaixo do edredom e esperar sair de lá vivo.

E qual a posição ideal para ler na cama? De barriga para cima, o mundo parece perfeito até que seus braços e ombros começam a sentir o peso da gravidade. Então você vira de lado, suponhamos, o esquerdo, e prossegue sua leitura da página 77, julgando assim ter encontrado um estado de coisas assaz satisfatório. A página 78, contudo, traz uma inverossímil reviravolta na trama e uma dificuldade: ela se localiza na parte inicial do grosso livro, que você mal começou. Como equilibrar a página 78 aberta quando se está deitado sobre o flanco corporal esquerdo, sendo esta uma folha par e o lado direito do livro, essencialmente ímpar?

A solução, claro, é rolar para o outro lado, mas a satisfação só dura até avançarmos para a folha ímpar novamente. É hora de rolar de volta, e algum leitor agora pode alegar: nós somos intelectuais, não nascemos para competir na corrida do queijo, de modo que, exauridos pelo rolamento infinito, atolamos de barriga e cedemos à controversa posição de bruços. (Nota: pesquisar o que vem a ser etimologicamente um bruço.)

Ler de bruços é confortável apenas nos primeiros três parágrafos — sim, a bruçalidade é assim fugaz e não compensa, embora seja quase impossível resistir-lhe. Finda a primeira oração subordinada substantiva reduzida do infinitivo, o leitor deve escolher entre a fisioterapia e o pilates, pois que a cervicalgia virá — e virá com todas as forças, pinçando os seus nervos e abrindo terreno para a hérnia discal. Por outro lado, ler de bruços é até considerado uma posição de ioga, só que sem o livro.

Engenhocas como a que ilustra este post podem ser uma solução. O Salonpas Linimento e o Profenid têm se mostrado boas opções paliativas. Uma alternativa muito apreciada é ler com as pernas para o alto, apoiadas na cabeceira da cama ou numa parede, de modo a encaixar o livro na barriga e nas coxas, favorecendo ao mesmo tempo a circulação sanguínea e o alongamento da região dorsal, feito um pilates literário. Na foto abaixo, Paul Newman se rende à prática. Manter a posição até a página 120 com respiração abdominal alternada, descansar e repetir a operação por mais cinco capítulos.

p.s.: Segundo o Dicionário Etimológico Silveira Bueno, bruço — “Tovar explica a expressão por um cruzamento árabe-basco: bus (ar.), beijo; buruz (basco), cabeça. O mais difícil é explicar como é que o árabe se foi cruzar com o basco e como este entrou para o português. Além do que, na loc. “De bruço” não há, nem por milagre, a ideia de beijo, a não ser um beijo dado na terra… Melhor é dizer que até o momento ainda não se conhece o verdadeiro étimo dessa palavra”.


Vanessa Barbara tem 29 anos, é jornalista e escritora. Publicou O livro amarelo do terminal (Cosac Naify, 2008, Prêmio Jabuti de Reportagem), O verão do Chibo (Alfaguara, 2008, em parceria com Emilio Fraia) e o infantil Endrigo, o escavador de umbigo (Ed. 34, 2011). É tradutora e preparadora da Companhia das Letras, cronista da Folha de S.Paulo e colaboradora da revista piauí. Ela contribui para o blog com uma coluna mensal.
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Folha de S.Paulo – Ilustrada
4 de junho de 2012

por Vanessa Barbara

Semana passada, falamos de séries canceladas abruptamente pelos executivos das emissoras, em geral insatisfeitos com os índices de audiência. As ótimas “Carnivale”, com 24 episódios, “Deadwood”, com 36, e “Roma”, com 22, da HBO, são bons exemplos de séries que mal chegaram a ganhar uma chance.

Da CBS, “Jericho” existiu por 29 episódios e foi cortada. Da ABC, “Life on Mars” sustentou-se por dezessete e “My So-Called Life” (“Minha Vida de Cão”), dezenove. A lendária “Twin Peaks” durou apenas trinta e a comédia cult “Freaks and Geeks”, da NBC, teve uma breve existência de dezoito capítulos.

Uma ficção científica promissora chamada “Caprica” foi revogada pelo SyFy em 2010, pois, “apesar de sua qualidade inquestionável, não foi capaz de reunir a audiência necessária para justificar uma segunda temporada”.

Bem mais afortunada, “My Name is Earl” durou quatro anos. Preocupado com a crescente queda da audiência, seu criador, Greg Garcia, perguntou aos executivos da NBC se eles pretendiam cancelar a série ou renová-la. Ele considerava duas possibilidades para o último episódio: a primeira era escrever um final de série que amarraria todos os fios soltos da trama, e a segunda era optar por um “cliffhanger” (cena de suspense) que deixaria os espectadores ansiosos pela próxima temporada.

A emissora garantiu a renovação do programa. Feliz da vida, Garcia exibiu o “cliffhanger” e, logo em seguida, a série foi cancelada.

Fico imaginando como deve ter se sentido o pobre homem. Pior ainda deve ter sido para Bryan Fuller, criador de “Wonderfalls” (ver coluna de 21/08/2011), cancelada pela FOX após treze episódios e inúmeros remanejamentos na grade. Isso em 2004. No mesmo ano, ele emplacou “Dead Like Me” na Showtime, que sobreviveu por 29 episódios.

Em 2009 foi a vez de “Pushing Daisies”, morta aos 22 pela ABC.

Triste fim para uma série que definia o abraço como “um Heimlich emocional: alguém enlaça os braços ao seu redor, aperta bem forte e você se livra de todos os seus medos e ansiedades de uma vez, voltando a respirar”.

E que apresentava um detetive viciado em tricô, duas solteironas campeãs de nado sincronizado, um trio de advogados menonitas (que não conseguem mentir), um assassino maneta incapaz de ser algemado, um cachorro redivivo e dois meios-irmãos (que valem por um irmão).

Mortinha da silva

Posted: 28th maio 2012 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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Folha de S.Paulo – Ilustrada
28 de maio de 2012

por Vanessa Barbara

Primeiro, a ABC exibiu nove míseros episódios de “Pushing Daisies”. A série cômica de fantasia estreou em outubro de 2007 e durou até dezembro, mas a greve dos roteiristas forçou uma pausa, justamente quando se consolidava a audiência.

Ao término da paralisação, os executivos decidiram dar a temporada por encerrada e retomar direto com a segunda.

Nesse meio tempo, as reprises emplacaram e o programa ganhou três Emmy, motivo que fez a ABC contratar mais treze episódios, em regime de desconfiança.

Mas a procrastinação afetou os índices de audiência da série, que, dizem, nunca teve condições de se estabelecer. No início da segunda temporada, a média de 9,5 milhões de espectadores caiu para 6 milhões.

Recomendaram que o criador Bryan Fuller preparasse um décimo terceiro capítulo capaz de “cobrir todas as possibilidades”, resolvendo alguns mistérios da temporada em caso de nova interrupção.

Logo após a filmagem, porém, eis que Fuller recebe a notícia de que haviam cancelado a série, sem chances de desenvolvê-la melhor ou planejar um bom episódio de encerramento.

Foi preciso improvisar na pós-produção, inserindo montagens e recapitulações pontuadas pelo narrador. O final ficou abrupto, corrido, com eventos “que não são e nunca devem ser considerados um final – porque o final, como sabemos, é exatamente onde começamos”.

A série se inicia com a morte da mocinha, ressuscitada por um fazedor de tortas que possui o dom de reviver os mortos com um toque. Mas só por um minuto: depois disso, Ned deve tocá-los (e matá-los) de novo, do contrário outra vida será tomada em seu lugar. A partir dessa premissa inventiva, ele desvenda crimes, interrogando diretamente o cadáver.

É uma atração na qual o par romântico não pode se encostar em nenhuma hipótese – pois um segundo toque mataria a garota. É por isso que eles só se beijam através de plástico, se abraçam com roupas de apicultor e o melhor amigo do protagonista se cansa de “dar a mão por delegação”.

E é por isso que a mocinha pergunta: “Você acha que morrer me deixou mais mórbida?”.

Pois esse conto de fadas de humor negro e detetivesco é um dos casos mais conhecidos (e injustos) de séries subitamente descontinuadas pelas emissoras – a despeito de ser doce e criativa, com visuais à la Tim Burton e diálogos inteligentes.

Cadernos expedicionários

Posted: 27th maio 2012 by Vanessa Barbara in Cadernos Expedicionários
Bela crítica de cinema.

Folha de S.Paulo – Ilustrada
21 de maio de 2012

por Vanessa Barbara

“Tem gente que gosta de futebol, tem gente que adora futebol e tem gente que não gosta de futebol”, enunciou Cléber Tadeu Machado, locutor esportivo que acaba de completar 50 anos de idade.

Apesar de às vezes empurrar os colegas em rede nacional (ele foi pego pelas câmeras dando um chega pra lá em Caio Ribeiro, por questões de enquadramento), Cléber se consagrou como principal locutor da Globo, atrás apenas de Galvão Bueno.

Seu currículo inclui transmissões de Fórmula 1, judô, hipismo, bicicross, natação, handebol, boxe e Carnaval. É também o nosso melhor filósofo, ainda que poucos saibam disso.

Em seu ofício, encarna um Soren Kierkegaard bonachão e rosado, dilacerado pela angústia e pela Weltschmerz (desespero de quem sabe que a realidade física não pode satisfazer as demandas da alma). Seus arroubos de existencialismo são brilhantes: “Isso não é falta, Arnaldo? Isso não é pênalti, Arnaldo? O que é isso, Arnaldo?”.

É um filósofo da dialética, da complexidade, da confusão: “Volta e meia o Rogério Ceni acaba tomando um gol enquanto está de joelhos, mas você tem que pensar que antes disso ele estava de pé”, explica. “Ou seja, ele caiu, mas caiu só pela metade e acabou de joelhos”.

Niilista, admite que “jogar bola muita gente joga, quero ver jogar bola sem a bola”. E lamenta que “hoje você espirra e não ouve mais ‘saúde’ do cara que está ao lado. O mundo te deseja saúde. Ou não”.

Há quem tenha ganas de lhe dar um abraço, mas Cléber dispensa esse tipo de interação. É o inventor do método autossocrático na TV, em que se coloca no lugar do interlocutor, faz uma pergunta e ele mesmo dá a resposta.

Sua digressão mais célebre ocorreu no “Arena SporTV”, em 2008. “Houve uma crise aérea? Houve. A vida inteira? Não. Todo tempo em que o Brasil teve transporte aéreo houve crise? Não. Mas houve uma? Houve. A discussão é pontual? É, mas não é! Porque é estrutural”.

Na fatídica corrida em que Barrichello permitiu a ultrapassagem de Schumacher, ele falou com os próprios botões: “Hoje não! Hoje não! Hoje sim… Hoje sim?!”.

A autossuficiência é a regra do método clebermachadiano, que busca refletir as angústias do homem comum.

“Se macarrão fosse bom não começava com maca”, declarou, numa mesa-redonda. “Maca que lembra um ambiente hospitalar… [Silêncio geral. Constrangimento.] O Macaé que está na segunda divisão também começa com maca… Maca não é bom”.

Ser imigrante em Coimbra

Posted: 14th maio 2012 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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Folha de S.Paulo – Ilustrada
14 de maio de 2012

por Vanessa Barbara

Há três anos, estreou em Portugal o “Programa do Aleixo”, show de variedades apresentado por uma mistura de cachorro com urso de pelúcia, tendo como assistente de palco um busto de Napoleão.

Criada pelos humoristas João Moreira, Pedro Santo e João Pombeiro, a bizarra atração propagou-se pela internet e virou fenômeno no Brasil, com seus quadros nonsense, sotaque carregado e estranhezas gráficas.

Os episódios de meia hora parodiam o formato dos “talk shows”. Bruno Aleixo comanda o programa sentado numa poltrona em seu apartamento sisudo, com uma manta nos joelhos, ao som de música clássica e ao pé de uma lareira.

Entrevistando personalidades, a criatura canina faz apartes agressivos, ofende-as com o bordão “cá burro” e monopoliza a conversa. “Se tenho coisas mais interessantes para dizer do que o entrevistado, digo-as! Não tenho culpa que isso aconteça quase sempre.” Por vezes, expõe o interlocutor a constrangimentos e charadas.

No segmento “Revista de Imprensa”, Aleixo analisa notícias da “Gazeta de Coimbra”, todas de importância discutível. Em “O Busto Apresenta um Mito Urbano-Rural (E Eu Logo Digo se É Verdade ou Não)”, acontece exatamente o que diz o título. Em “Opinião Civil”, promove-se uma obtusa enquete telefônica, como: “Tabaco: bom ou mau?”.

Os episódios terminam com Aleixo e Busto tocando uma versão ao piano de “grandes êxitos nacionais e internacionais”, sem qualquer tipo de critério.

A excentricidade do programa é evidente: cenários e personagens são fotos estáticas, mas bocas e olhos se mexem. As pausas, cortes e silêncios são incômodos, muitos com “timing” equivocado. Constantemente irritado, Bruno Aleixo tem o raciocínio truncado e infantil. Num debate escolar sobre profissões, ele afirma que quer ser “imigrante em Coimbra”. Em vão, a professora explica que ser imigrante não é profissão e que não é possível sê-lo em seu país natal. “Então quero ser proxeneta”, conclui.

Alguns de seus conselhos: “Depois de comer um frango não há nada melhor que cortar as unhas”; “Não vás pelo caminho bom, vai pelo acidentado que não te aleijas”; “Os homens que usam brinco são todos drogados”; “O poder do Hulk é saltare!”; e “Recolha sempre as bolas de naftalina; se as crianças as apanham, comem-nas todas, pensando que são amêndoas”.

E ainda: “Se visses mais televisão e lesses menos livros sabias muito mais coisas da vida”.