fufarinha 27:out:96

Boia B2 em Mongaguá – 27 de outubro de 1996 – Equipe Acauã de Fufarinha: Vanessa, Vivian, Gabi e Lucimeire, Luciana (juíza)

O Estado de São Paulo – Caderno olímpico
29 de julho de 2016

por Vanessa Barbara

Estamos a uma semana da Olimpíada, e posso dizer que sei como estão se sentindo os atletas. No momento, a ansiedade é tão palpável que é possível cortá-la com uma faca e distribuí-la aos bocados entre as delegações que já estão no Rio de Janeiro.

Não é para me gabar, mas tenho vasta experiência em competições esportivas, ainda que não exatamente de nível internacional. Em meados da década de 80, abrilhantei várias edições dos Jogos de Integração do Mandaqui, que contaram com patrióticos hasteamentos de bandeira, juramentos solenes dos atletas e uma banda marcial completa. Posso ou não ter concorrido na modalidade barra-manteiga, mas sinceramente não me lembro de muita coisa. A competição foi apelidada de “Jogos de Entregação”, talvez em menção ao rigor com que os atletas se entregavam ao embate.

Aos 11 anos, já na década de 90, levei para casa a medalha de bronze no salto em distância na Olimpíada do meu colégio, o que meio que mitigou a derrota monumental do meu time nas eliminatórias do basquete (a gente não sabia bater a bola e sair andando, o que, acredito, é um drama por que já passaram todos os atletas olímpicos). Mais tarde, meu grupo bandeirante ganhou o terceiro lugar geral em uma competição realizada em Mongaguá e que contava com modalidades notáveis, tais como: futebol de sabão, vôlei de lençol, cabo de guerra, escultura humana e fufarinha. Éramos imbatíveis neste último esporte, que consistia em soprar uma bolinha de pingue-pongue em direção ao gol numa mesa coberta de farinha, estando ambas as equipes equipadas com óculos de natação. (Há fotos.)

Na adolescência, deixei de lado meu talento poliesportivo e me concentrei nos treinos de vôlei. Lembro de uma partida da Olimpíada dos Colégios Vicentinos na qual me escalaram para uma categoria superior à minha – eu era mirim e joguei com as meninas do infantil –, não por ser habilidosa, mas por absoluta falta de levantadoras. Na ocasião, liderei a equipe numa derrota que ficou inscrita nos anais do esporte brasileiro. O mesmo ocorreu quando fui inventar de jogar futsal e, na estreia, meu time perdeu de 16 a 1.

Trata-se, portanto, de um currículo desportivo de vulto, o que me qualifica para escrever neste espaço às sextas-feiras.

Torcendo contra. A Rio 2016 será a minha segunda Olimpíada como jornalista. Admito: há quatro anos, em Londres, fui responsável pela derrota da seleção brasileira de vôlei masculino na final contra a Rússia. É que eu estava na arquibancada do Earls Court quando o Brasil se viu a um ponto da medalha de ouro. Em pleno match point, quando o time ganhava de dois sets a zero e a torcida já comemorava, virei para o lado e exclamei: “Que droga, já vai acabar. Podiam pelo menos perder um set para o jogo durar mais, porque o ingresso foi caro”.

Então os deuses da superstição esportiva atenderam ao meu pedido e o Brasil perdeu dois match points. Tomado pela inspiração divina, o técnico russo escalou o central Dmitriy Muserskiy, de 2,18 metros, para a posição de oposto, confundindo os nossos jogadores, que perderam o set por 29 a 27. Depois foi ladeira abaixo: os russos fecharam mais um set e ganharam o tie break. Meu ingresso ficou subitamente caro demais, e me arrependo até hoje da zica emitida.

Desta vez, os Jogos mal começaram e já fui acusada de “torcer contra”, por causa de um artigo que publiquei no The New York Times falando sobre os problemas na organização do megaevento.

Se fazer jornalismo é torcer contra, contem comigo na arquibancada pelas próximas semanas. Continuarei torcendo contra o Brasil até não sobrarem mais críticas a serem apontadas, quando então ganharemos cinquenta medalhas de ouro, o Rio se tornará uma cidade menos desigual e só me restará aplaudir de pé com aquele bate-bate inflável do patrocinador.

Ainda assim, tomarei um suco de maracujá para conter a ansiedade.

O Estado de São Paulo – Caderno 2
1 de agosto de 2016

por Vanessa Barbara

Há um mês, publiquei um apanhado com os melhores comentários hostis dirigidos a esta cronista. Embora uma porção de leitores tenha escrito para oferecer um ombro amigo, houve aqueles que se sentiram subitamente inspirados e renovaram seus votos de repúdio, abastecendo a autora de material para mais uma crônica. (Suspeito inclusive que algumas das observações mais maldosas sejam só uma forma de colaborar.)

Muitos são criativos e possuem um estilo erudito de ofender. Um dos melhores, que acabou ficando fora do texto anterior, é um comentário a uma crônica sobre gripe: “Cara colunista, pior do que uma gripe é o tédio que emana de suas colunas”.

Outro falou em “borrachinhas”, um termo misterioso cujo significado desconheço, e redigiu um texto pós-moderno com vírgulas ousadas em locais revolucionários: “Então você é uma daquelas, de média qualificação que, submete-se a escrever ‘borrachinhas’ para o New York Times. Não é mesmo?? Filha. Aproveite o seu tempo e, contribua qualitativamente, com o seu trabalhinho. ok?”

Alguns se referiram a mim como “jornalista”, entre aspas. Outros pediram a minha demissão “para o bem do Brasil”. E há sempre alguém que chuta o balde, como aquele que cravou, a respeito de um texto sobre rolezinhos: “Vamos ver o dia que algum parente dessa ilustre jornalista for vítima desses vagabundos que infestam nossa cidade”.

O fluxo de impropérios só tem se multiplicado.

Por isso fui procurar como artistas e pensadores consagrados reagiam às críticas da turma. Aprendi que o filósofo David Hume jamais respondia a ninguém, e o mesmo fazia o escritor Truman Capote, que considerava a réplica uma forma de rebaixar-se. “É preciso endurecer-se contra as opiniões”, aconselha o autor de A Sangue Frio. Em seu diário, Susan Sontag concordou com a premissa: “Ler críticas bloqueia os dutos por onde se tem novas ideias: colesterol cultural”.

Aldous Huxley não só se abstinha de responder como não lia nada a seu respeito. Já Toni Morrison faz questão de acompanhar tudo.

Após admitir que se sentia péssimo ao ler apreciações negativas, Kurt Vonnegut disse que achava absurdas as pessoas que destilam ódio contra um romance. “É como alguém que veste uma armadura completa para atacar um sundae.”

Thomas Mann observou que nossa receptividade a elogios não tem nenhuma relação com nossa vulnerabilidade ao abuso rancoroso; não importa quão idiota seja esse abuso ou o quão motivado seja por rancores pessoais, ele nos atinge mais que os elogios. “Isso é muito tolo, já que os inimigos são companheiros inevitáveis de qualquer vida robusta, a própria prova de sua força.”

O cineasta Jean Cocteau foi além: disse que é preciso ouvir cuidadosamente às primeiras ressalvas ao nosso trabalho e notar qual foi o elemento que os críticos não aprovaram. “Pode ser a única coisa na sua obra que é original e que vale a pena.”

O Estado de São Paulo – Caderno 2
25 de julho de 2016

por Vanessa Barbara

Na terça-feira passada, a professora de história Joyce Fernandes (que também é rapper e atende por Preta-Rara) compartilhou nas redes sociais alguns relatos de humilhação que sofreu enquanto era empregada doméstica em Santos. Imediatamente ela começou a receber uma enxurrada de depoimentos no celular, motivo pelo qual decidiu criar uma página no Facebook: “Eu, Empregada Doméstica”, que foi ao ar no dia seguinte. Foram mais de 40 mil curtidas em menos de 24 horas. E as colaborações têm se multiplicado.

São relatos de trabalhadoras obrigadas a limpar janelas com cotonete, que têm uma banana descontada de seus salários e que precisam conviver com patrões abusivos andando de cueca pela casa, enquanto as chamam de vagabundas. Os exemplos mais comuns são os de patroas que dizem que as consideram “praticamente da família”, mas as fazem comer na mesa da cozinha ou lhes designam pratos e talheres diferentes. Ou não a consideram boa o suficiente para beber água mineral.

Em um dos exemplos, uma empregada doméstica de 76 anos que trabalhava num prédio de luxo teve de subir vários andares de escada porque o elevador de serviço havia quebrado e as empregadas não podiam usar o social.

Em outro, o filho de uma doméstica diz que, aos 6 anos, ia junto com a mãe para o trabalho, mas que, na hora das refeições, a patroa dava comida às escondidas para o filho – só para eles não pedirem também. “Certa vez eles deixaram uma caixa de bombom em cima da mesa de manhã e no final do dia contaram quantos bombons tinha na caixa na nossa frente para ver se tínhamos comido algum”, relata.

Uma moça chamada Aryane (e que é chamada pela patroa de Arene) conta que a dona da casa pediu que preparasse duas lasanhas para ela e as filhas almoçarem. Terminada a refeição, ela pediu: “Guarde o que sobrou na geladeira. Se for almoçar tem salsicha e ovo.”

Ou seja: em sua condição de serviçal, Aryane só merecia salsicha e ovo. E água da torneira. E elevador de serviço.

Para a criadora da página, o importante é acabar com a naturalização dos abusos que as domésticas enfrentam. Num dos posts, ela transcreve o que ouviu de uma patroa: “Você foi contratada para cozinhar para a minha família, e não para você. Por favor, traga marmita e um par de talheres e se possível coma antes de nós na mesa da cozinha”. E acrescentou: “Não é por nada, tá, filha? Só para a gente manter a ordem da casa”.

Segundo Joyce, em entrevista para a BBC Brasil, a profissão de empregada doméstica deveria acabar, pois se trata de um resquício da escravidão. “Mas enquanto isso não acontece, temos de lutar por um tratamento mais humano e igualitário. Não queremos ser da família. Também não queremos desrespeitar hierarquia. Queremos apenas um tratamento justo”, diz.

O Estado de São Paulo – Caderno 2
18 de julho de 2016

por Vanessa Barbara

Há um ano, o jornalista americano Ta-Nehisi Coates lançou Entre o mundo e eu, que logo obteve o respeito da crítica e alcançou o primeiro lugar na lista de mais vendidos do The New York Times. Tempos depois, o livro continua atual, sobretudo após a onda recente de protestos nos Estados Unidos e a intensificação do debate sobre conflitos raciais.

É um livro curtinho e impressionante, que dá vontade de deglutir com o Kindle e tudo. Coates escreve uma carta ao filho adolescente falando como os corpos dos negros são descartáveis, sobretudo por obra dos departamentos policiais. “Não interessa se a destruição resulta de uma reação excessiva infeliz. Não interessa se teve origem num mal-entendido. Não interessa se advém de uma política estúpida”, ele escreve. “Venda cigarros sem a autorização devida, e o seu corpo pode ser destruído. Leve a mal que alguém tente cercá-lo, e o seu corpo pode ser destruído. Vire em direção a uma escadaria escura, e o seu corpo pode ser destruído. Os destruidores raramente serão responsabilizados. Em muitos casos, receberão pensões. E a destruição é meramente a forma superlativa de um domínio cujas prerrogativas incluem revistas, detenções, espancamentos e humilhações.”

O texto é pesado, bem escrito e lírico, mas sem sentimentalismo. O autor fala de desigualdade social e da sensação de crescer nesse ambiente. “As ruas transformam cada dia comum em uma série de questões capciosas, e cada resposta incorreta traz consigo o risco de um espancamento, um tiro ou uma gravidez”, diz.

Coates nasceu em Baltimore, uma das cidades americanas com os maiores índices de desigualdade social, racial e econômica. Ele conta que, por lá, justificam-se as prisões e os guetos, bem como a destruição do corpo dos negros, como sendo um inconveniente a se pagar pela preservação da ordem. O escritor fala do assassinato de um amigo de faculdade, Prince Carmen Jones Jr., cujo jipe foi confundido por oficiais à paisana com o de um homem procurado por roubar uma arma da polícia. O oficial sacou o revólver e diz que se identificou, mas sem mostrar o distintivo, o que fez Jones correr de volta para o carro, pensando se tratar de um assalto. Quando ele deu partida, o policial atirou 16 vezes.

Para quem não vive essa realidade, Coates passa uma impressão vívida de sufocamento, um desejo irresistível de se libertar e fugir em alta velocidade. Ele conta como, aos poucos, passou a enxergar a discordância, a discussão e o caos, talvez até mesmo o medo, como uma espécie de poder. “O desconforto corrosivo e a vertigem intelectual não era um alarme. Era um farol”, escreve.

Segundo um crítico da revista Slate, o livro é “uma carta de amor escrita num momento de emergência moral que Coates expõe com a precisão de uma autópsia e a força de um exorcismo”.

O Estado de São Paulo – Caderno 2
11 de julho de 2016

por Vanessa Barbara

Um dia ficaram com pena de mim e me deram um pão velho.

Explico: eu estava voltando a pé de um treino de vôlei, portanto num estado calamitoso de espírito e de indumentária, quando pensei que seria interessante jantar um pãozinho com manteiga e café com leite. Como já era mais de dez da noite e as padarias tinham fechado, entrei na Casa da Esfiha (Avenida Zumkeller, 39) e perguntei se eles tinham pão. O atendente olhou pra mim de relance e não pensou duas vezes: apanhou da bancada a metade solitária de um pão murcho que tinha sobrado de algum sanduíche e me deu, com um ar marcadamente cristão. Eu perguntei quanto era, mas ele falou que não era nada.

Em outra ocasião, desembarquei em Salvador lá pelas onze da noite e fiz o check-in no hotel Dom Passos, no centro. Eu não havia jantado e estava morta de fome. Mas o hotel não tinha serviço de quarto, então fui saindo para procurar um bar onde pudesse comer um sanduíche.

O recepcionista me impediu de passar pela porta, dizendo que aquela região era muito perigosa naquele horário. Eu insisti, dizendo que era rapidinho e que a minha barriga estava roncando. Ele protestou de novo e me pediu para esperar um instante. Ouvi o moço remexendo na despensa e abrindo a geladeira. Naquela noite, ganhei um sorvete Magnum que ele provavelmente tinha guardado para comer de madrugada; também não quis cobrar pelo acepipe. Voltei para o quarto, tomei o sorvete e me senti meio digna de pena, feito a Vivian Leigh em Um bonde chamado desejo.

 A clássica personagem de Tennessee Williams é uma viúva alcoólatra e desgraçada que no fim da peça é violentada pelo cunhado e termina num manicômio, mas vamos ignorar tudo isso e ficar apenas com a sua famosa frase: “Sempre dependi da bondade de estranhos”.

Em certa medida, dependemos sempre da bondade de estranhos em nossos momentos mais vulneráveis – penso, por exemplo, em uma vez que desmaiei na cafeteria do hemocentro da Santa Casa, e em como fiquei irritada quando acordei com uma porção de gente perguntando o meu nome, quando eu evidentemente só estava ali no chão tirando um cochilo.

 Lembro de cair no choro na farmácia da UBS Santa Cecília porque a atendente não quis me dar um antidepressivo por causa da receita incompleta – eu claramente estava precisando – e ser consolada por um velhinho muito piedoso; e do pessoal do bar Zé do Bacalhau (Rua Marins de Araújo Viana, 115), que ajudou a minha mãe quando ela tropeçou na rua e quebrou os óculos; e de um sujeito que desceu uma escadaria com o meu carrinho de compras enquanto eu carregava uma cachorra abandonada no colo – estranhos ajudando estranhos ajudando cachorros.

Às vezes uma pequena gentileza aleatória é só o que nos salva.

O Estado de São Paulo – Caderno 2
4 de julho de 2016

por Vanessa Barbara

Meu pai, de 67 anos, gosta de ler os comentários às minhas crônicas no site do jornal. Ele se refere ao coletivo de leitores como “o pessoal” ou “a turma”, por exemplo: “O pessoal não gostou do texto esta semana” ou “A turma achou muito fraco”.

Esta crônica é um atestado da minha vulnerabilidade perante a turma, que às vezes parece esquecer que existe uma pessoa de verdade por trás dessas letras e fala coisas que jamais diria na vida real, caso estivesse olhando para mim.

Críticas são bem-vindas, sobretudo quando se referem ao conteúdo do texto. Algumas vão um pouco longe demais, com os autores fazendo verdadeiras análises literárias: “Quando você escreve sobre nabos não se sai tão bem, limite-se a temas mais cítricos”, ou: “A colunista não anda numa boa fase. Essa crônica de hoje é o cúmulo da bobagem”.

Duro, porém necessário.

Contudo, a coisa às vezes pode descambar. “Perca tempo com coisas mais úteis”, diz um leitor. “Depois de tantas postagens medíocres, a cara postadora fez bem em colocar algo insosso e aguado”, analisa outro. “Quanta bobagem em espaço nobre!”, desabafa um terceiro, concordando com uma moça que cravou: “Texto piegas e medíocre”.

Num artigo para o Estado, o psiquiatra Daniel Martins de Barros escreveu que na internet o exercício da empatia fica prejudicado, fomentando atitudes de desprezo. E quando não temos freios sociais, como o olhar alheio, podemos funcionar como psicopatas.

“Você é simplesmente ridícula”, escreve um leitor. “Tenho pena de uma pessoa tão vazia quanto você”, vocifera outro, pedindo a minha demissão.

Algumas ofensas até que me divertem, como a do sujeito que ponderou: “Esperar o que de quem só tira o pijama para colocar outro”. Ou então: “Vai regar umas hortaliças, filha”. E a minha preferida, que foi recebida com veementes protestos da minha mãe: “Pelo seu artigo de hoje, dá pra notar o quanto você comeu de merda quando criança”.

Quando escrevo sobre política ou direitos humanos, a maioria dos comentários contrários não traz argumentos, apenas insultos. Boa parte só diz coisas como: “Tá com pena? Leva para casa” ou “Não gosta da polícia, liga para o Batman”, o que não acrescenta nada à discussão. Uma ou outra vez respondi respeitosamente tentando explicar melhor minha posição, e o leitor confessou que leu rápido o texto ou nem passou do título. Quando erro, peço desculpas.

“Lixo de pessoa”, “medíocre”, “cretina”, “ralé” e “véia” são os xingamentos mais leves. Muitos me mandam tomar no c… e usam um palavreado de fazer corar a Dercy Gonçalves. Já recebi ameaças de morte e teve um cidadão que escreveu: “Jornalistazinha de meia tigela defensora de vagabundinho… Torcemos para que seja você ou alguém da sua família assaltada e morta por um desses vadios que tu defende [sic], jornalista fracassada… Torcemos e há de acontecer.”

Meu pai, assustado, apenas diria: “É, a turma acho que não gostou”.

03barbara-superJumbo

The New York Times
1 de julho de 2016

by Vanessa Barbara
Contributing Op-Ed Writer

RIO DE JANEIRO — É oficial: os Jogos Olímpicos no Rio são um desastre não natural.

Em 17 de junho, a menos de cinquenta dias do início da Olimpíada, o Rio de Janeiro declarou “estado de calamidade pública”. Segundo o decreto, uma crise financeira vem prevenindo o governo de honrar com os seus compromissos para com a realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos. A crise é tão grave que pode ocasionar “o total colapso na segurança pública, na saúde, na educação, na mobilidade e na gestão ambiental”. As autoridades agora estão autorizadas a adotar as medidas excepcionais necessárias à racionalização de todos os serviços públicos essenciais, e o estado está apto a receber fundos de emergência do governo federal.

Medidas como essa são geralmente tomadas por causa de terremotos ou enchentes. Mas os Jogos Olímpicos são uma previsível e evitável catástrofe feita pelo homem.

Fui ao Rio recentemente para ver como estão indo as preparações para os jogos. Spoiler: nada bem. A cidade é um enorme canteiro de obras. Há tijolos e canos empilhados por toda parte; alguns operários empurram preguiçosamente carrinhos de mão como se os jogos estivessem marcados para 2017. Ninguém sabe ao certo o que os locais irão se tornar, nem mesmo os operários: “É para a Olimpíada” era a resposta unânime, seguida por uma especulação sobre “tendas para os jurados de vôlei ou futebol, acho”.

Vista aérea da arena de vôlei de praia em Copacabana. Créditos: Rafael Fabres para The New York Times

 

Pedi à assessoria de imprensa da Rio 2016 para fazer uma visita às arenas, mas eles me ignoraram olimpicamente. Consegui ver uma parte do Parque Olímpico da Barra, que irá sediar a maioria dos eventos, após comprar um ingresso de última hora para uma partida de vôlei da Liga Mundial. Embora as construções estejam progredindo, parecem longe de estar “97% concluídas”, como alegaram recentemente os organizadores.

Também vi boa parte do Parque Olímpico de Deodoro, que está aparentemente aberto para quem quiser visitá-lo. Apenas fui entrando e encontrei arquibancadas abandonadas pela metade em plena tarde de sexta-feira.

Os poucos projetos que já foram concluídos não inspiram muita confiança. Em abril, uma ciclovia recém-construída na orla da praia desabou, matando duas pessoas.

Os trabalhos na arena de vôlei de praia foram paralisados por falta de licenças ambientais. Então a estrutura foi danificada pelas ondas. Os operários ergueram uma barreira de areia de dois metros de altura para proteger o canteiro de obras. O muro também protege assaltantes; os turistas estão sendo roubados atrás dele. Um operário me contou ter visto um homem sendo esfaqueado ali atrás, e recomendou que eu fosse embora. Os assaltantes estavam tão à vontade que deixaram na areia suas mochilas e uma cadeira de praia.

Operários preparam a arena de vôlei de praia em Copacabana. Créditos: Rafael Fabres para The New York Times

 

A segurança é um dos principais motivos de apreensão entre atletas e turistas – e eles têm razão em se preocupar. De acordo com um jornal local, há disputa de território entre facções de traficantes em pelo menos vinte comunidades.

Oito anos atrás, o governo implementou as Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs), forças de segurança altamente armadas que tentam recuperar as favelas do poder dos traficantes. Mas as UPPs parecem ter intensificado a guerra, em vez de extingui-la. Este ano, 43 policiais foram assassinados no estado, e ao menos 238 civis foram mortos por intervenção policial. A ONU disse estar preocupada com a violência da Polícia Militar nas favelas, sobretudo contra crianças de rua. Todos temem um aumento de violência policial durante os jogos. O país irá empregar 85 mil agentes de segurança pública, entre soldados e policiais, o dobro do utilizado na Olimpíada de Londres.

Os frequentes tiroteios nas proximidades das arenas olímpicas e no caminho para elas também são motivo de preocupação: este ano, 76 pessoas foram atingidas por balas perdidas no Rio; 21 morreram. Em 19 de junho, mais de vinte homens com rifles e granadas invadiram o maior hospital público da cidade para libertar um chefe do tráfico da custódia policial, deixando uma pessoa morta e duas feridas.

Os 500 mil visitantes esperados durante o evento também devem se preocupar com a probabilidade de se perder em áreas perigosas: há escassez de placas e informações turísticas nas ruas e no transporte público. Eu, que sou brasileira, passei meia hora na estação central de trens tentando descobrir onde tomar o ônibus para o Parque Olímpico – e eu havia pesquisado antes. A cabine de informações localizada dentro da estação estava vazia. Lá fora, poucos pontos de ônibus continham dados sobre quais linhas passavam em que local. Tive de ficar pedindo informações para vendedores e transeuntes. A sorte é que falo português.

*

MAS como tudo ficou tão bagunçado? O dinheiro é um dos fatores. “O Rio de Janeiro está falido”, admitiu o governador interino Francisco Dornelles há duas semanas numa entrevista para a revista Época.

O governador titular está de licença para se tratar de um linfoma. Pouco antes do Natal, ele declarou estado de emergência no sistema de saúde, conforme hospitais fechavam as portas e faltava dinheiro para equipamentos, materiais e salários. Meses depois, o estado começou a atrasar os salários dos funcionários públicos e as aposentadorias. Os professores entraram em greve e os alunos ocuparam dezenas de escolas em protesto. O estado tem uma dívida de R$ 72 bilhões com o governo federal e de R$ 35 bilhões com bancos estatais e credores internacionais. A previsão é que o Rio de Janeiro feche as contas em 2016 com déficit de R$ 19 bilhões. Um empréstimo de mais R$ 3,5 bilhões já foi aprovado para cobrir os custos com segurança na Olimpíada.

O desastre fiscal pode ser atribuído a inúmeros fatores, incluindo uma crise econômica nacional – mas entre as causas prováveis estão a dramática expansão da folha de pagamento e os gastos descuidados com a Olimpíada.

Contudo, o prefeito da capital, Eduardo Paes, alega que a prefeitura está em boas condições financeiras e que a situação fiscal do estado não irá afetar as preparações para a Olimpíada.

Então, se não é só o dinheiro, o problema é também político. O Brasil, claro, está passando por uma enorme crise. A presidente Dilma Rousseff foi forçada a afastar-se no dia 12 de maio após alegações de haver manipulado o orçamento. A instabilidade política paralisou o país e congelou a economia. Decisões em reformas importantes e projetos de infraestrutura foram adiadas, e a incerteza desencorajou os investimentos. Mas Leonardo Picciani, que assumiu o Ministério do Esporte logo após o afastamento de Dilma, assegura que os jogos serão “fantásticos”. Quase tudo estava pronto quando ele assumiu, afirma.

Picciani também tentou minimizar as preocupações com o vírus Zika, declarando que todas as medidas preventivas foram tomadas. Isso não impediu atletas como Jason Day, o número um do golfe, de anunciar sua desistência dos jogos por causa da epidemia. Em uma carta aberta no mês passado, 150 médicos, bioeticistas e cientistas do mundo todo pediram que a Olimpíada fosse transferida de lugar ou adiada por esse motivo.

No Brasil, tais preocupações são em geral recebidas com escárnio. Primeiro porque agosto é mês de inverno, quando o clima estará mais seco e frio, o que significa menor quantidade de mosquitos. Segundo, e mais importante, porque o vírus parece ser um problema relativamente menor: de acordo com um cálculo, no Rio de Janeiro as mulheres têm dez vezes mais chances de serem estupradas do que de pegar Zika. (Os homens têm mais chances de tomar um tiro e morrer.)

Certamente não é a primeira vez que um país-sede organiza uma Olimpíada que parece se tornar desastrosa. Os Jogos Olímpicos de Inverno de 2014 em Sochi, na Rússia, foram tomados por relatos de encanamentos deficientes em hotéis porcamente construídos. O medo da gripe suína rondou os jogos de 2010 em Vancouver, no Canadá. A Grécia mal havia terminado a construção antes da cerimônia de abertura em 2004.

Talvez, como às vezes acontece no Brasil, tudo corra bem e a Olimpíada seja um sucesso. Os jogos irão completar um período de dez anos de megaeventos no Rio que começaram com os Jogos Pan-Americanos em 2007, seguidos pelos Jogos Mundiais Militares em 2011, a Copa das Confederações FIFA em 2013 e a Copa do Mundo FIFA 2014. Curiosamente, todos decorreram sem catástrofes muito evidentes. (O mesmo pode ser dito sobre o Carnaval e o Réveillon, que atraem milhões de turistas à cidade todo ano.)

Ponte sendo construída para uma nova linha de metrô no Rio de Janeiro. Créditos: Rafael Fabres para The New York Times

 

Mas todos esses projetos tiveram uma coisa em comum: os cidadãos normais foram excluídos do processo de decisão. O governo tem usado os jogos para acelerar certos projetos de desenvolvimento – nem todos prioridades públicas. O prefeito brincou sobre o assunto numa entrevista de 2012 para a TV Folha: “Esse negócio de Olimpíada é sensacional, preciso usar como desculpa pra tudo, então tudo o que eu tenho que fazer agora vou fazer para a Olimpíada. Isso é para a Olimpíada. Tem coisa que tem a ver com a Olimpíada, tem coisa que não tem nada a ver, mas eu uso.”

A favela Providência é um bom exemplo do que há de errado com o modo de proceder do prefeito. Os moradores do local pediram água e saneamento básico; em troca ganharam um teleférico de R$ 75 milhões, sobretudo para turistas. De modo similar, seis novas estações de metrô serão construídas numa linha que liga bairros ricos ao Jardim Oceânico, uma estação relativamente próxima ao Parque Olímpico. Mas a maioria dos cariocas teria preferido a construção de uma outra linha que liga o centro às municipalidades menos chiques de Niterói e São Gonçalo, onde moram muitos trabalhadores, um projeto que teria custado metade do preço.

Até agora, o custo previsto da Olimpíada é de R$ 39,1 bilhões. Mais de 40% virá do dinheiro público, o resto da iniciativa privada. Mas os críticos alegam que o orçamento oficial não inclui isenções fiscais dadas às empresas envolvidas na organização e hospedagem do evento, nem o custo de arquibancadas temporárias ou as indenizações dadas a famílias removidas de suas casas para dar lugar a construções olímpicas.

De acordo com um relatório divulgado em novembro por um comitê que está monitorando os preparativos para a Olimpíada, ao menos 4.120 famílias foram removidas por motivos relacionados aos jogos. (O governo contesta essa cifra, dizendo que muitos dos removidos viviam em áreas sujeitas a enchentes e desabamentos.) “Em todos os casos, as remoções aconteceram sem que os moradores tivessem acesso às informações que justificassem a necessidade de remoção e sem que o projeto de urbanização para a área fosse debatido com os moradores e a sociedade”, diz o relatório. Essas famílias muitas vezes receberam indenizações bem abaixo do valor de mercado ou, com sorte, novos apartamentos em bairros distantes até 60 quilômetros de suas residências originais.

Moradores de rua me contaram que estão sendo expulsos das calçadas pela polícia e transferidos para abrigos imundos, com vistas a “limpar” as ruas para receber o fluxo de visitantes. As remoções às vezes acontecem às 3 da manhã e contam com a ajuda de cães, spray de pimenta e até cavalos. Há também relatos de que crianças de rua têm sido arbitrariamente recolhidas e depositadas em centros de detenção juvenil.

Alguém irá lucrar com os jogos, mas não será a maioria da população do Rio. Cerca de 80% dos investimentos foram feitos na vizinhança abastada de Barra da Tijuca, também conhecida como “a Miami do Rio”. Um campo de golfe olímpico foi construído na região, dentro de uma Área de Proteção Ambiental. A cidade já conta com dois outros campos de golfe, sendo que pouquíssimos brasileiros se dedicam ao esporte.

Dois dos maiores vencedores da Rio 2016 serão os empreiteiros e proprietários de terras – sobretudo Carlos Carvalho, que detém cerca de 6 milhões de metros quadrados de terras no interior e nos arredores do Parque Olímpico da Barra e da Vila dos Atletas. No ano passado, ele disse ao The Guardian que queria ver a Barra limpa de comunidades pobres. Quando os jogos chegarem ao fim, a vila será convertida em um condomínio de luxo chamado “Ilha Pura”.

O governador estava certo: é uma calamidade.

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The New York Times
July 1st, 2016

by Vanessa Barbara
Contributing Op-Ed Writer

RIO DE JANEIRO — IT’S official: The Olympic Games in Rio are an unnatural disaster.

On June 17, fewer than 50 days before the start of the Games, the state of Rio de Janeiro declared a “state of public calamity.” A financial crisis is preventing the state from honoring its commitments to the Olympic and Paralympic Games, the governor said. That crisis is so severe, he said, it could eventually bring about “a total collapse in public security, health, education, mobility and environmental management.” The authorities are now authorized to ration essential public services and the state is eligible for emergency funds from the federal government.

Measures like these are usually taken for an earthquake or a flood. But the Olympics are a man-made, foreseeable, preventable catastrophe.

I went to Rio recently to see how preparations for the Games are going. Spoiler: not well. The city is a huge construction site. Bricks and pipes are piled everywhere; a few workers lazily push wheelbarrows as if the Games were scheduled for 2017. Nobody knows what the construction sites will become, not even the people working on them: “It’s for the Olympics” was the unanimous reply, followed by speculation about “tents for the judging panels of volleyball or soccer, I guess.”

An aerial view of the Olympic beach volleyball arena on Copacabana Beach in June. Credit: Rafael Fabres for The New York Times

 

I asked the Rio 2016 press office for a tour, but it olympically ignored me. Almost all venues are still under construction. I managed to see part of the Barra Olympic Park, which will host many of the events, after buying a last-minute ticket to a Volleyball World League match. Although construction for the Games is progressing, it appears far from “97 percent complete,” as the organizers claimed recently.

I also saw most of the Deodoro Olympic Park, which is apparently open to anyone who wants to see it. I walked straight in and found half-built grandstands abandoned in the middle of a Friday afternoon.

The few projects that have been completed don’t inspire much confidence. In April, a newly built bike path along Rio’s seashore collapsed, killing two people.

Work on the beach volleyball arena at Copacabana stalled because the organizers failed to get the proper environmental licenses. Then the structure was damaged by waves. Workers erected a six-foot-high sand barrier to protect the site. It also protects thugs; tourists are being mugged behind it. A construction worker told me he’d seen a man stabbed there, and warned me to stay away. The robbers were so comfortable that they had left their backpacks and a beach chair nearby on the sand.

Workers prepare the beach volleyball arena on Copacabana beach. Credit: Rafael Fabres for The New York Times

 

Safety is of great concern to athletes and tourists. They are right to worry. According to local news reports, drug traffickers are involved in territorial disputes in at least 20 Rio neighborhoods.

Eight years ago, the government established the Pacifying Police Units, a heavily armed force that tries to reclaim favelas from the gangs. But these units seem to have worsened the drug war rather than ended it. This year, 43 police officers have been killed in the state, and at least 238 civilians have been killed by the police. The United Nations has said it’s concerned about violence by the military police and the officers in the favelas, notably against children living on the streets. Everybody fears an increase in police violence during the Games. The country will deploy 85,000 soldiers and police officers, about twice the number used in the London 2012 Olympics.

Frequent shootouts near the Olympic arenas and on routes to them are also a concern: 76 people have been hit by stray bullets in Rio so far this year; 21 of them have died. On June 19, more than 20 men carrying assault rifles and hand grenades stormed the city’s largest public hospital to free an alleged drug kingpin in police custody, leaving one person dead and two hurt.

And the 500,000 people expected to visit for the Games should be worried about how easily they could wander into dangerous areas: There’s a dearth of signs and tourist information on the streets and on public transportation. A native Brazilian, I spent half an hour at the central train station just trying to figure out where to catch a bus to the Olympic Park — and I’d looked it up beforehand. The information booth inside the station was empty. Outside, few of the bus stops displayed information about which lines went where. I resorted to asking popcorn vendors and passers-by for directions. I’m glad I speak Portuguese.

HOW did everything get so messed up? Money is one problem. “The state is bankrupt,” Francisco Dornelles, the interim Rio governor, admitted in an interview with a magazine two weeks ago.

The incumbent governor, who has lymphoma, is on sick leave. Just before Christmas, he declared a “health system emergency” as hospitals closed units and money ran out for equipment, supplies and salaries. Months later, the state started delaying civil servants’ salaries and pension checks. Teachers have gone on strike and students have occupied dozens of schools in protest. The state already owes $21 billion to Brazil’s federal government and $10 billion to public banks and international lenders. A budget shortfall of $5.5 billion is projected for this year. An $860 million loan has already been granted to help cover the cost of security at the Games.

The fiscal disaster could be attributed to many factors, including a national economic crisis — but the huge expansion of the government payroll and reckless spending for the Olympics are likely causes.

However, the mayor of the capital, Eduardo Paes, claimed that City Hall is in good financial shape and that the fiscal situation would not affect Olympic preparations.

So if it’s not only money, maybe the problem is also politics. Brazil is, of course, having a major political crisis. The president, Dilma Rousseff, was forced to step aside on May 12 because of allegations that she manipulated the state budget. The political turmoil has paralyzed the country and frozen the economy. Decisions on important reforms and infrastructure projects are being delayed, and the uncertainty has discouraged investment. But Leonardo Picciani, who took over as sports minister after Ms. Rousseff’s suspension, asserts that the Games will be “fantastic.” Almost everything was ready by the time he took up his post, he claims.

Mr. Picciani has also tried to minimize concerns over the mosquito-borne Zika virus, declaring that all the proper preventive measures are in place. That hasn’t stopped athletes like Jason Day, the world’s No. 1 ranked golfer, from announcing that they’re skipping the Olympics because of Zika. In an open letter last month, 150 prominent doctors, bioethicists and scientists from around the world asked for the Olympics to be moved or postponed because of the Zika epidemic.

In Brazil, these concerns are generally greeted with scorn. First, August is the middle of winter here, so the weather will be drier and cooler, meaning fewer mosquitoes. Second — and more important — the virus seems like a relatively minor problem: According to one calculation, in Rio a woman is more than 10 times more likely to be raped than catch Zika. (Men are more likely to be shot to death.)

This is certainly not the first time a host country’s handling of the Games has looked disastrous. The 2014 Winter Olympics in Sochi, Russia, was plagued by reports of faulty plumbing in shoddily built hotels. Fears of swine flu stalked the 2010 Games in Vancouver, Canada. Greece barely finished construction before the opening ceremony in 2004.

Perhaps, as sometimes happens in Brazil, everything will turn out fine and the Olympics will be a success. The Games will cap 10 years of mega-events in Rio, starting with the Pan-American Games in 2007, followed by the 2011 Military World Games, the 2013 FIFA Confederations Cup and the 2014 World Cup. Remarkably, they all went off without any notable catastrophes. (The same could be said about the Carnival and New Year’s Eve, both of which attract about a million tourists every year.)

A bridge under construction for a new metro line in Rio de Janeiro. Credit: Rafael Fabres for The New York Times

 

All these projects had one thing in common: Regular citizens were excluded from the decision-making. The government has used the coming Games to speed up certain development projects — not all of them the public’s priorities. The mayor joked about it in a 2012 TV interview: “The Olympics pretext is awesome; I need to use it as an excuse for everything,” he said. “Now all that I need to do, I will do for the Olympics. Some things could be really related to the Games, others have nothing to do with them.”

The favela Providência is a good example of what’s wrong with the mayor’s approach. The residents there asked for water and basic sanitation. Instead, they got a $22 million gondola, primarily for tourists. Similarly, six stations were built on a subway line that connects wealthy beachside neighborhoods to Jardim Oceânico, a station (sort of) near the Olympic Park. But most of Rio’s residents would have preferred to see the construction of a different line that connects the city center to the less-ritzy municipalities of Niterói and São Gonçalo, where many working people live, a project that would have cost half the price.

The Olympics are predicted to cost $12 billion. More than 40 percent of that will come from public funds, the rest from private lenders. But critics say that the official budget doesn’t include tax exemptions for the companies involved in organizing and hosting the event, the cost of temporary grandstands and compensation for families evicted to make way for Olympic construction.

According to a report released in November by an advocacy group that is monitoring the preparations for the Olympics, at least 4,120 families have been kicked out of their homes because of the Games. (The government disputes this number, saying that most of the displaced were moved because they lived in areas prone to flooding and landslides.) “In all cases, evictions occurred without residents’ access to information and without public discussion of the urbanization projects,” the report says. These families were often offered compensation well below their homes’ market value or, if they were lucky, new apartments in neighborhoods as far as 35 miles away.

Homeless people in Rio told me that police officers are forcing them off sidewalks and dragging them to filthy shelters to start “cleaning up” the streets before the influx of visitors. The evictions often take place at 3 a.m. with the help of police dogs and pepper spray, and sometimes horses. There are also reports that street children have been arbitrarily placed in juvenile detention centers.

Somebody will profit from the Games, but it won’t be the majority of Rio’s population. Eighty percent of the investments were made in the wealthy Barra da Tijuca neighborhood, known as Rio’s Miami. An Olympic golf course was built there, inside an Area of Environmental Protection. The city already has two big golf courses, and very few Brazilians play golf.

Two of the biggest winners of Rio 2016 will be the contractors and the landowners — particularly Carlos Carvalho, who owns at least 65 million square feet of land in and around the Barra Olympic Park and the athletes’ village. Last year he told The Guardian that he wants Barra to be cleared of poor communities. When the Games are over, the village will be converted into an area of luxury housing called “Ilha Pura” — Pure Island.

The governor was right: It’s a calamity.

Dia da noiva

Posted: 3rd julho 2016 by Vanessa Barbara in Caderno 2, Crônicas, O Estado de São Paulo
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O Estado de São Paulo – Caderno 2
27 de junho de 2016

por Vanessa Barbara

Às vezes não dá para negar que a humanidade passou dos limites. Um exemplo claro é a exótica oferta de tratamentos estéticos e rituais de beleza oferecidos pelas clínicas e spas.

Não estou falando aqui de cirurgia plástica, mas de serviços igualmente alarmantes como “corrente russa” (eletroestimulação dos músculos para combater a gordura localizada), “carboxiterapia” (aplicação de injeções de gás sob a pele para eliminar marcas de celulite e estrias), “sutura silhouette (aplicação de um fio de ácido polilático nas áreas caídas da testa, pescoço e bochecha), “drenagem linfática” (técnica de massagem para diminuir a gordura localizada), “criolipólise” (algo a ver com o congelamento das células de gordura), “bambuterapia” (surra de bambu?) e outras coisas que me deixaram assustada antes mesmo de saber o que são, como “endermoterapia vibratória”, “radiofrequência”, “eletroporação”, “talassoterapia” e “fotobioestimulação”.

Foi-se a época em que bastava botar umas rodelas de pepino nos olhos e um CD com som de chuva para se considerar renovado; hoje temos uma vasta gama de massagens com pedras quentes (para “reacender a força interior”) e tratamentos de rejuvenescimento das mãos, além de uma técnica antirrugas que injeta o plasma do sangue no rosto do próprio paciente. Existem também cremes específicos para as pálpebras. (Em todo caso, no Japão há uma esfoliação com cocô de passarinho, de modo que os limites estão aí para serem ultrapassados.)

Às vezes tenho a impressão de que alguém um dia apareceu com vários objetos desencontrados – por exemplo: uma ventosa, uma vela e um fio desencapado –, e desafiou um amigo a inventar tratamentos estéticos baseados naqueles itens. O pessoal comprou fácil. Mas as coisas realmente úteis não vejo no rol de serviços de nenhuma clínica.

Seguem duas sugestões da minha lavra para acrescentar a uma típica programação de Dia da Noiva:

– A higienização da parte de trás da orelha, procedendo à retirada do cascão localizado com talhadeira tipo cinzel e aplicação de creme hidratante siliconado para prevenir o acúmulo de nojeira na localidade. O pacote envolve massagem holística nos pontos de tensão e realinhamento dos chacras auriculares. Mediante um pagamento extra, é possível aplicar uma porção de citronela atrás da orelha para espantar mosquitos. Aí a terapeuta pode dar aquela elogiada técnica para ganhar o cliente, tipo: “sua fossa escafoide é tão conservada!”. Duração: 45 minutos.

– A cuidadosa extração da flunfa umbilical (muco de resíduos têxteis acumulado na cavidade), seguida de esfoliação, adstringência e hidratação do umbigo, utilizando óleos emolientes com essência de alecrim (que traz vitalidade), hortelã (que purifica) e hamamélis (que favorece os gases). Cotonetes suíços de lã de ovelha serão utilizados no processo, que é indolor e promove uma desintoxicação espiritual. Duração: 60 minutos.

O Estado de São Paulo – Caderno 2
20 de junho de 2016

por Vanessa Barbara

No momento em que escrevo, já são seis moradores de rua mortos em São Paulo, possivelmente de frio. Numa semana em que os termômetros chegaram a zero grau, os sem-teto continuam a ter seus pertences roubados pela Guarda Civil Metropolitana; em entrevista ao Estado, o comandante da GCM afirmou que a corporação confisca colchões e papelões porque existe “uma demanda de reclamações de muitos cidadãos, que dizem que, muitas vezes, têm de andar no leito carroçável (a rua) porque têm dificuldade de caminhar pela calçada.”

Nos últimos anos, houve incontáveis relatos de que a GCM leva também roupas, cobertores, documentos e até remédios. Um sem-teto com quem conversei disse que é normal ser agredido pelos guardas e que uma vez lhe roubaram o sapato, deixando-o descalço. Outros perdem seu único meio de subsistência: a carroça para recolher recicláveis. Quando vão tentar recuperá-la em algum depósito da prefeitura, recebem a notícia de que o material foi destruído.

Não é por gosto que ficam ao relento, em barracas improvisadas ou debaixo de viadutos. Por viverem de serviços precários, é impossível alugarem algo.

De acordo com o censo da prefeitura, existem 15.905 pessoas nessa situação e 9 mil vagas para pernoite. Na periferia da Zona Norte, por exemplo, só existe o Centro de Acolhida, no Parque Edu Chaves, com 100 vagas regulares e 40 extras em dias frios; na noite em que telefonei, todas já haviam sido preenchidas. Nos últimos anos, cinco espaços de convivência (tendas) foram fechados.

Além da escassez de albergues em diferentes pontos da cidade, é consenso entre o povo de rua que os espaços estão em condições precárias. Em dezembro de 2013, quatro sem-teto foram presos por protestar contra a falta de higiene e água e por maus tratos. Muitos reclamam de roubo.

Até o fechamento deste texto, o prefeito Haddad só se manifestou sobre as mortes para dizer que, ao recolher os colchões, estaria tentando impedir a “refavelização” das praças.

Mas, como disse o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua, “o critério do bem é quem sofre, e não eu”. Na rua moram deficientes mentais, travestis, indígenas, imigrantes, ex-presidiários e dependentes de drogas, vistos como lixo a ser varrido. Em entrevista para a TV Folha, o padre declarou que “a população de rua é uma síntese do que a cidade não quer. Aqueles que ninguém quer são os nossos”.

Um dos projetos religiosos é a Missão Belém, hoje com 152 abrigos no Brasil. Só no Centro de Triagem Guadalupe (rua Doutor Clementino, 608, Belém) são servidas 800 refeições por dia. A conta de água chega a 12 mil por mês. A Missão é mantida apenas por doações.

Enquanto a prefeitura zela pelo senso estético das praças, outros acolhem o problema. Quem administra a Guadalupe é um ex-dependente de crack que chama os outros moradores em situação de rua de “irmãos”.