The New York Times
30 de maio de 2017

por Vanessa Barbara
Contributing Op-Ed Writer

Trad. Luiz Roberto Mendes Gonçalves / UOL Notícias

Em 30 de abril, um grupo de fazendeiros armados com rifles e machados atacou um assentamento de cerca de 400 famílias da tribo gamela, no Estado do Maranhão, no nordeste do Brasil. Segundo o Conselho Indigenista Missionário, um grupo de defesa dos direitos indígenas, 22 índios ficaram feridos, inclusive três crianças. Muitos receberam tiros nas costas ou tiveram os punhos decepados.

Pouco depois do ataque, o Ministério da Justiça anunciou em seu site na web que iria investigar “o incidente entre pequenos agricultores e supostos indígenas”. (Minutos depois a palavra “supostos” foi retirada.)

Isto não deveria causar surpresa. Foi o terceiro ataque relatado contra o povo gamela em três anos e faz parte de uma tendência de atos violentos contra indígenas brasileiros. Toda semana parece trazer a notícia de uma nova atrocidade cometida contra povos indígenas em alguma parte remota do país. Mas nada mais parece chocar a sociedade brasileira. Nem mesmo quando, algumas semanas atrás, uma criança de 1 ano da tribo Manchineri levou um tiro na cabeça.

Esses ataques fazem parte de um padrão mais amplo de abusos, marginalização e negligência. Desde 2007, 833 índios foram assassinados e 351 cometeram suicídio, segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena –índices muito superiores à média nacional. Entre as crianças, o índice de mortalidade é duas vezes mais alto que no restante da população brasileira.

Segundo o Censo, restam cerca de 900 mil indígenas da população original, estimada entre 3 milhões e 5 milhões, que habitavam o país quando os colonizadores portugueses chegaram em 1500. Doenças importadas da Europa dizimaram milhões deles durante o primeiro século de contato. Mais tarde, os indígenas foram escravizados nas plantações.

Mas o genocídio não terminou aí. Durante o século passado, dezenas de milhares de indígenas foram vítimas de estupro, tortura e assassinato em massa, cometidos com a ajuda de um órgão governamental, o Serviço de Proteção ao Índio. Algumas tribos foram completamente eliminadas. Hoje, somente 12,5% da terra brasileira continuam em posse dos povos indígenas.

A história dos guarani-kaiowás, do Estado de Mato Grosso do Sul (oeste do Brasil), é típica dos problemas enfrentados pelos grupos indígenas. Os guarani-kaiowás foram expulsos de suas terras ancestrais no final dos anos 1940, quando o governo concedeu títulos de propriedade aos fazendeiros e pecuaristas da região. Então eles se mudaram para reservas superlotadas e acampamentos à beira de estradas.

A situação da tribo parecia prestes a melhorar em 1988, quando o Brasil aprovou uma nova Constituição que reconhecia os direitos dos povos indígenas às terras que ocupavam tradicionalmente. O governo deveria demarcar esses territórios em cinco anos após a aprovação da Constituição. Demorou mais do que se esperava: a identificação e demarcação das terras dos guarani-kaiowás começou em 1999 e foi concluída em 2005.

Eles voltaram ao seu território –mas só brevemente. Meses depois, seguindo uma petição de fazendeiros locais, um juiz federal suspendeu o decreto que teria demarcado oficialmente suas terras. Mais uma vez a tribo foi expulsa.

Em agosto de 2015, alguns guarani-kaiowás decidiram reocupar parte de seu território. Acamparam em terras de propriedade dos fazendeiros, que tinham outros planos. Segundo relatos, eles contrataram milícias armadas para tentar expulsar a tribo. Semião Vilhalva, um líder tribal, foi morto a tiros.

Houve relatos de tortura, violação e rapto de crianças. Menos de um ano depois, outro ataque matou um líder guarani-kaiowá e nove pessoas foram feridas a tiros. Cinco fazendeiros locais foram detidos por participação no ataque, mas foram liberados após alguns meses.

Os indígenas que não são mortos ou sequestrados enfrentam outro desafio: ser apagados. Como muitos deles foram empurrados para os subúrbios das cidades e obrigados a adotar novos hábitos (como usar jeans, motocicleta e telefone celular), eles também enfrentam o estigma de serem chamados de “falsos índios”. Pouco antes do ataque no Maranhão no mês passado, um congressista chamou publicamente as vítimas de “pseudoindígenas”.

Depois do assassinato de Vilhalva, o líder tribal guarani-kaiowá, o representante de direitos humanos da ONU na América do Sul, Amerigo Incalaterra, pediu que o governo protegesse os direitos dos povos indígenas, incluindo seu direito à terra. O governo do Brasil adiou a demarcação das terras tribais e permitiu que indígenas sofressem violência por causa de conflitos com proprietários de terras, segundo ele.

Incalaterra pediu que as autoridades “detivessem a expulsão das comunidades guarani-kaiowás e concluíssem com urgência o processo de demarcação de suas terras”.

Isso parece cada vez menos provável. Aproximadamente a metade do Congresso brasileiro está ligado aos proprietários rurais. O governo do presidente Michel Temer está tão emaranhado com o lobby rural que recentemente nomeou Osmar Serraglio, um proeminente membro do grupo do agronegócio, para ministro da Justiça.

Temer também indicou um general militar como chefe interino da Fundação Nacional do Índio, apesar de vigorosos protestos das comunidades nativas. No início de maio, uma comissão parlamentar de inquérito criada e formada por membros da bancada rural emitiu um relatório condenando as atividades de “supostos” povos indígenas, uma dúzia de antropólogos, alguns advogados do Estado e membros de organizações de direitos indígenas, inclusive o Conselho Indigenista Missionário.

A menos que haja uma reação pública em defesa dos povos indígenas do Brasil, eles continuarão morrendo –expulsos de suas terras, oficialmente silenciados, assassinados, destruídos pela desnutrição e a doença–, e o genocídio estará completo. 


Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves/ UOL Notícias