Anfíbios fazem

Postado em: 2nd setembro 2013 por Vanessa Barbara em Crônicas, Folha de S. Paulo, Revista

Folha de S.Paulo – revista da Folha
1 de setembro de 2013

por Vanessa Barbara

Quando eu era pequena, não entendia por que o governo mandava todo mundo usar camisinha. Apareciam uns artistas na tevê repetindo a recomendação federal muito sérios, como se fosse uma questão de vida ou morte, e nunca explicavam ao certo o que havia de errado com o restante do guarda-roupa. E mais: qual o tamanho máximo do referido item da indumentária, em proporção ao torso do indivíduo? Qual a diferença entre camisinha, camiseta e camisola?

Eu realmente imaginava cidadãos em trajes muito apertados, cumprindo seus deveres cívicos, e olhava desconfiada para os que andavam por aí com roupas folgadas.

Um pouco mais tarde, encontrei umas edições velhas da revista Capricho e fui me instruir. Àquela altura, as crianças da rua já circulavam informações mais precisas sobre a origem dos bebês (sem repolhos ou cegonhas nessa equação), mas pairava uma certa dúvida sobre o verdadeiro significado de sexo oral: seria só ficar falando sacanagem ao telefone? Teria algo a ver com dentistas?

Na mesma época, havia um programa de televisão chamado “Cocktail”, que passava altas horas da noite e só uma das meninas da nossa turma conseguia assistir.

Ela vinha contar como rebolavam as mulheres seminuas, e nós lhe fazíamos perguntas objetivas sobre a circunferência e o formato dos glúteos – tínhamos um fascínio curioso por essa parte da anatomia tão redonda e sofrida.

Sempre que alguém fazia uma piada obscura, de interpretação duvidosa, a melhor política era dar risada e nunca admitir que não entendeu – depois vinha o silêncio e todos podiam pensar no possível teor do duplo sentido que, na verdade, ninguém captou. Em geral, nem quem contou a piada.

Muitos de nós ainda achavam que era possível engravidar sentando num banco de ônibus recém-ocupado por um desconhecido, outros pensavam que gays namoravam lésbicas e que coito interrompido era quando você estava aos beijos e alguém abria a porta.

Lembro também da história de um menino que foi dissecar um sapo na aula de ciências e, depois da aula, contou à mãe como foi a experiência. Esta, julgando estar diante de uma boa oportunidade de ensiná-lo sobre os órgãos reprodutores, empreendeu uma longa e truncada explicação de como os sapos se reproduziam e de onde vinham os girinos, julgando mandar bem na metáfora.

Por muito tempo, ele achou que as relações sexuais envolviam necessariamente um bom par de sapos. (A logística ainda era fonte de especulação, mas que aquilo tinha a ver com anfíbios – isso era certeza.)