Pressa de pousar

Postado em: 29th novembro 2012 por Vanessa Barbara em Crônicas
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Revista Viagem e Turismo
novembro de 2012

por Vanessa Barbara

Passageiros desembarcando: por que a pressa?

Se ninguém vai tirar o pai da forca, por que a pressa?

 

Durante onze horas e meia, os passageiros do voo 456 da Air France (Paris–São Paulo) comportaram-se de forma exemplar. Afora um sujeito na minha frente, que se mostrou irritado com a falta de macarrão no almoço (seu desprezo espumante pelas coxas de frango chegou até o chefe dos comissários), afora, portanto, o xiita do frango, todos seguiram religiosamente as recomendações de apertar os cintos, não fumar e nem fazer bagunça nos corredores.

É de se espantar, portanto, que, tão logo o avião baixe o trem de pouso, os civilizados passageiros se levantem descontroladamente e passem a abrir os compartimentos de bagagem, ignorando os avisos luminosos para manter os cintos afivelados e a súplica do piloto para que se aguarde o estacionamento definitivo da aeronave.

É só as rodinhas tocarem no chão que a obediência, o comedimento e mesmo o alívio da chegada são substituídos pela fúria cega de arrancar os cintos e ir pegar a bagagem de mão, postando-se no corredor rumo à saída.

Os comissários tentam conter a movimentação, que, porém, tem caráter de motim escolar, como se, após onze horas de bom comportamento, não se consiga mais esperar um minuto para sair de lá.

A atitude é quase unânime e pode ser observada em voos de inúmeras procedências e durações – num voo de Berlim a Paris, o piloto foi pessoalmente ao microfone passar um pito nos apressados: “Por favor, observem os avisos luminosos e mantenham os cintos afivelados. Aguardem a parada total da aeronave. Por favor, todos sentados. Os avisos sonoros continuam acesos”.

Quando, enfim, todos retornaram aos assentos, os avisos se apagaram. “Agora sim”, brincou o piloto, constrangido.

No voo 456, a aeronave ainda estava a dezenas de pés do solo quando um sujeito se levantou para pegar a mala. Em meio ao processo de aterrissagem, duas ou três comissárias foram ralhar com ele. Como resultado, ele demorou trinta segundos a mais do que seus vizinhos na hora de apanhar as coisas e dirigir-se à saída, ainda que o avião levasse mais quinze minutos para taxiar e encontrar sua vaga, e ainda que as portas custassem a abrir.

Lá na frente, era a humilde e universal espera diante da esteira de bagagem. 

→ *Vanessa Barbara prefere assentos na janela para evitar a sanha dos apressados