Tevê tormento

Postado em: 12th setembro 2010 por Vanessa Barbara em Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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Desde o início do ano, os resignados passageiros do 508-L (Aclimação – Term. Princesa Isabel) vêm acompanhando a vida de gente como Alcino, Domênico e Valvênio, insignes personagens de novelas da Globo.

Em São Paulo, já são 300 ônibus com televisões da Bus Mídia, que exibem uma programação em loop com resumos de novelas, notícias frias, propagandas e receitas, tudo fornecido pela emissora carioca.

Uma das táticas da empresa – que disputa o mercado com a BusTV e a TVO, além da TV Minuto, do metrô – é instalar monitores em pontos estratégicos dos coletivos, a fim de evitar a dispersão dos passageiros, que, cruz-credo!, podem querer olhar pela janela ou puxar assunto com o cobrador.

Além disso, a frota é composta só por veículos com piso baixo total, o que proporciona “um ganho de espaço significativo em relação aos demais ônibus, permitindo acomodar 15% a mais de passageiros. Isso significa mais pessoas expostas à sua mensagem”. Os tais coletivos são como trens de carga em que a maioria viaja de pé e as janelas ficam lá no alto, fora do alcance do pulmão médio do brasileiro. Assim fica mais difícil oxigenar o cérebro, presume-se.

Se considerarmos que a média de permanência por viagem é de 45 minutos e que “a audiência é garantida”, pois não há para onde fugir, temos um público compulsório de 255 mil pessoas por dia.

É gente que vai chegar em casa sabendo que “Jardel fica desesperado ao se deparar com Clotilde” (novela das seis), que “Help diz que vai revelar a identidade de Victor Valentim” (das sete) e que “Fred usa Candê para difamar Bete para Agostina” (das oito). Gente que sabe toda a biografia de Ariclenes, Sinval e Berilo, e que não se espantou quando Maureen contou a Deodora que Nelinha era sua irmã.

São passageiros atônitos, hipnotizados, presos no trânsito e prensados entre um senhor rotundo e uma moça que dorme em pé, numa situação em que só o que resta é assistir pela nona vez uma receita de brigadeiro trufado.

Se é lícito infligir a civis inocentes tamanho suplício, que ao menos o governo forneça um controle remoto por passageiro, a fim de que possamos trocar de canal, desligar a tevê ou acelerar a viagem.