Críticos de berçário

Posted: 14th agosto 2011 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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Empunhando o valoroso estandarte do jornalismo de utilidade pública, abrimos aqui um espaço para a crítica qualificada de programas do Discovery Kids, conforme avaliação e receptividade do meu sobrinho de 1 ano e familiares correlatos – a saber, meu irmão.

1. Mecanimais (20h30): Apesar de moderadamente bem conduzida, a obra não consegue criar um envolvimento do espectador com as criaturas. Há que se destacar a boa intenção de fazer o não dito expressar mais que qualquer diálogo, mas, ainda assim, “Mecanimais” toca apenas na superfície dos temas que levanta. Avaliação: bom

2. Peixonauta (11h30, 19h30): Construído no improviso de sua narrativa, o “Peixonauta” fala de seres involuntariamente deslocados de seu habitat. Ao optar por uma estética menos clássica e mais frenética, provoca discussões entre o tradicional e o vanguardista. Preocupado em recriar a “nouvelle époque” na animação, o “Peixonauta” consegue acertar na maioria de seus intentos, embora os segmentos com a bola mágica flutuante sejam forçados. Avaliação: ótimo

3. Backyardigans (10h, 21h30): Tolo e frágil, “Backyardigans” é uma ilusão comercial que fracassa na intenção da realidade alternativa. O duelo verbal entre os personagens não convence o mais ignóbil, e a trama perde ridiculamente o impacto graças à incapacidade do espectador em materializar o páthos da obra. Em suma, “Backyardigans” é um desperdício irritante e inócuo. Avaliação: ruim

4. Rob, o Robô (13h30): Intrigante e enigmático, “Rob, o Robô” é arrebatador. Os efeitos visuais prendem a atenção do infante, que se envolve emocionalmente com as descobertas do sujeito ativo enquanto desbravador de mundos. Um marco na arte e um título obrigatório aos amantes da vida. Avaliação: excelente

5. Meu Amigãozão (12h30, 22h30): As técnicas de colorização estendida, frames duplicados e narração em off fazem de “Meu Amigãozão” uma obra estranha. Tal inovação exige maior empenho de sua contraparte (o público), que precisa digerir o trabalho burocrático de personagens como o canguru Bongo. Ainda assim, a conjuntura bivalente do traço expressionista e os diálogos intensos merecem uma análise mais profunda. Avaliação: ótimo

“Tomai o fardo do homem branco”, escreveu o poeta inglês Rudyard Kipling no final do século xix, conclamando os europeus à conquista imperialista dos povos bárbaros. “Encha a boca dos famintos/ e proclama, das doenças, o cessar”.

Foi o que me ocorreu ao assistir a nova temporada de “Extreme Makeover Social” (Record, sáb. 0h30), apresentado pela empresária e socialite Cristiana Arcangeli, que no último sábado marcou 7 pontos no Ibope.

A produção brasileira é derivada de “Extreme Makeover”, reality show em que os participantes passam por transformações no visual ou têm suas casas reformadas. Na versão da Record, o objetivo é contemplar creches, asilos e casas de apoio voltadas à população carente.

Na temporada passada, mais de 400 vagas foram abertas para crianças “em situação de vulnerabilidade social e econômica”. O investimento foi de R$ 10 milhões, e contou com o apoio de 47 empresas e quatro grandes patrocinadores: Nestlé, Kimberly-Clark, Suvinil e Leroy-Merlin.

Os grilhões do patrocinador são facilmente sentidos ao longo do episódio, sempre que há uma cena ensaiada, do tipo: “Nossa, mas que portal bacana. Ai, quer saber? Vou aproveitar e escolher os produtos no catálogo virtual”.

A naturalidade afetada do merchandising é o de menos. Pior é ganhar uma reforma à custa da própria dignidade, já que o programa não perde a chance de dar zoom em órfãos que choram, abusar da trilha sonora pungente e explorar ao máximo as emoções de quem está ganhando um suprimento de fraldas.

Sem contar as demonstrações caramelosas de gratidão: as crianças correm para abraçar a apresentadora, uma espécie de emissária do bem que segura a mão dos necessitados e, condescendente, chama uma voluntária de “bonitinha”. O tom é magnânimo. Só uma vez ela tropeça, trocando “refeitório” por “restaurante”.

Com as câmeras quase dentro das narinas da entrevistada, grava-se a reação de uma diretora de creche, a quem a empresária comunica que decidiu dar uma casa.

“Quem é feliz aqui?”, ela pergunta, e as crianças gritam: “êêêu!”.

O objetivo do programa é realizar sonhos – e, pelo visto, explorá-los. É esse o fardo do milionário.

Sabedoria de Miss

Posted: 31st julho 2011 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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Folha de S. Paulo – Ilustrada
31 de julho de 2011

por Vanessa Barbara

Ilustração: Águeda Horn

 

Em mais uma prova da acuidade jornalística desta coluna e de sua antecipação visionária dos assuntos que dominarão a pauta televisiva interplanetária, viu-se no sábado passado, na Band, um belo close do dr. Hollywood fazendo coraçãozinho com as mãos, em clara referência aos textos de 15/5 e 17/7.

O dr. Robert Rey foi um dos jurados do concurso Miss Brasil 2011, exibido pela emissora no dia 23. Com mais de duas horas de duração, o evento foi apresentado pela ex-miss Nayla Micherif e por Adriane Galisteu, que muito falaram sobre a “sensualidade da mulher brasileira” e cometeram falhas insólitas como anunciar um “biquíni de desfile”, em vez de “desfile de biquíni”.

Logo de início, elas pareciam estar à frente de um show beneficente estilo Teleton. “Você pode ajudar uma dessas garotas acessando o site”, disse Galisteu. Eu quase liguei para fazer uma doação à Miss São Paulo, que parecia estar em pânico, e para uma outra que listou como hobby as artes plásticas (pensei logo em Tupperware).

Mais tarde, Galisteu anunciou ao microfone que a torcida continuava enorme, como se estivesse surpresa com o fato de ninguém ainda ter ido embora. Depois passou à descrição dos estados (Acre significa “touca de penas”, o Ceará é conhecido por ser berço de talentos humorísticos, o Espírito Santo pelas moquecas de peixe e o Rio Grande do Norte pelo maior cajueiro do mundo).

De maquiagem pesada, saltos altíssimos, mão na cintura e sorriso congelado, todas as candidatas pareciam a mesma pessoa. Eram altas e morenas (só havia duas loiras) e flanavam pela passarela como se houvessem acabado de passar por uma cesárea e os pontos fossem explodir.

Quem ganhou foi a gaúcha Priscila Machado, sonoramente vaiada pela torcida, que apoiava outras candidatas e gritava “pelada”, em referência a fotos polêmicas que circularam pela internet.

Outro ponto alto da noite foi a entrega da faixa de Miss Simpatia Lux para a piauiense Renata Lustosa.

Na hora de parabenizá-la, Adriane Galisteu fez uma pausa grave, pousou as mãos no ombro da vencedora e disse, com um ar maternal: “Lembre-se de uma coisa, nunca se esqueça: com Lux, você mantém a sua pele macia e perfumada todos os dias”.

Levanta-te e grifa

Posted: 26th julho 2011 by Vanessa Barbara in Blog da Cia. das Letras, Crônicas
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Blog da Companhia das Letras
26 julho 2011, 10:30 am
 

Por Vanessa Barbara

 

Desde janeiro de 2002, sou a feliz editora de um almanaque eletrônico de periodicidade aleatória, A Hortaliça (www.hortifruti.org), que depende da ativa colaboração de leitores desocupados e da anuência de autores mortos — não os psicografados, entenda-se — para compor um periódico só de citações despropositadas, textos alheios tirados do contexto e textos próprios sem razão de ser.

Vivendo sobretudo à custa de citações, tenho que lidar pacientemente com os paradoxos da marcação livresca, essa grave ciência que trata do realce de trechos para posterior análise e transcrição, a fim de que não se percam para sempre num oceano de páginas intocadas pela experiência humana. Ou num canto escuro da memória onde jazem as senhas do ICQ, o sobrenome daquele japonesinho da quinta série, a área do triângulo-retângulo e o enredo do último filme do 007.

O que nos leva a uma questão absolutamente anterior a essa: marcar os livros, sublinhar parágrafos, fazer orelhas nas páginas, realçá-las com marca-texto, ceder a anotações ininteligíveis nas bordas — vandalismo ou apropriação lícita do texto escrito? Sou da segunda opinião, embora às vezes hesite em macular um volume especialmente novo e cheiroso, sendo meu fervor pró-marcação diretamente proporcional ao matiz amarelado das páginas, às onipresentes mordidas de traça, à mancha primordial de café na página 33 e ao carimbo do sebo de procedência, onde teria custado a bagatela de vinte cruzados novos.

De início, adquiri o hábito de anotar as partes mais pitorescas assim que elas surgiam. Além de impraticável em livros como Tristram Shandy ou Alice no país das maravilhas, que demandariam a transcrição completa no meu caderno espiral, esse método provou-se exaustivo e desanimador: a cada trecho promissor, lá ia a pobre alma que vos escreve apanhar o lápis e o papel, levantando-se pesadamente da cama só para registrar o texto. Interrompia-se a leitura e torcia-se para que o resto do livro fosse uma droga, só para não ter que se esforçar mais vezes. Em nenhum momento cogitou-se usar um bom e velho marcador de livros, que se destina tão exclusivamente a demarcar o andamento da leitura, ou sua utilização seria conspurcada para todo o sempre.

Mais à frente, resolvi anotar apenas o número das páginas que continham o trecho desejado, a ser copiado mais tarde. O sistema durou um bom tempo, até que passei a confundir irremediavelmente as notas, registradas em pedaços de papel na minha cabeceira — a página 116 anotada seria de Alex no país dos númerosSobre a morte e o morrer ou A conspiração franciscana, que estive lendo ao mesmo tempo? E mais: às vezes a tal página continha duas citações interessantes, de modo que uma delas passaria lamentavelmente despercebida, a menos que eu lesse de novo a folha inteira. Embora algumas passagens fossem de identificação gritante — a tal página 116 pertencia a Ensaios de amor, de Alain de Botton, e falava de um homem que pensava ser um ovo frito —, muitas eram tão obscuras ou circunstanciais que era preciso ler a página inteira várias vezes só para concluir que o número havia sido anotado em um momento de grande confusão mental e não correspondia a nada de lógico neste mundo.

Da notação numérica passei, portanto, ao método de grifar a lápis no próprio livro, apontando a localização e extensão do trecho por meio de pequenos colchetes. Às vezes também circulava o número da página só para facilitar a varredura posterior, folha a folha, quando então as marcas seriam apagadas. Esse método não prevê a costumeira ausência de material esferográfico nas redondezas e a preguiça de folhear mais tarde o livro à cata dos trechos.

Seguiu-se a adoção de um método mais limpinho e socialmente invejável — os “post-it flags”, que são aquelas tirinhas estreitas e coloridas que você pode colar e descolar facilmente das páginas, e até preencher com anotações classificatórias. De minha parte, hesito em aderir de corpo e alma ao procedimento pelos mesmos motivos da marcação a lápis, ou seja, ignora-se o dispêndio de energia necessário para apanhar o material e a possível falta deste à mão. Também acho as etiquetas demasiadamente jeitosas e acabo racionando a quantidade de trechos só para não gastá-las demais.

Outra alternativa infeliz foi fazer um vinco com a unha ao lado do trecho desejado, na esperança de que os olhos pudessem depois identificar as marcas, o que só ocorreria em casos de visão biônica. Sem falar no inconveniente de haver edições naturalmente vincadas, o que pode levar um editor à loucura em poucos dias.

A alternativa que por enquanto me parece a mais simples, mais honesta e menos trabalhosa é dobrar a ponta das páginas e entregar a vida ao Altíssimo. A marcação leva menos de cinco segundos (com o necessário calcamento e recalcamento digital, a fim de que a dobra não se desfaça) e pode ser facilmente rastreada olhando-se a borda do livro fechado. O ruim é que aqui em casa acabei ocupando uma gaveta inteira só de livros “a legumar”, o que dá aquela sensação ruim de trabalho infinito e acaba desestimulando a copista. Além disso, pode-se entrar em crise quando há necessidade de marcar um trecho na frente da folha e outro no verso.

A questão da marcação necessária ainda carece de resolução, e nem me venham falar em Kindle, que é leve e prático demais para causar transtorno. Esta coluna se baseia no corolário básico de que livro que é livro tem mesmo é de causar transtorno.

* * * * *

Há alguns anos, comprei num sebo virtual Traçando Paris, de Luis Fernando Verissimo e Joaquim da Fonseca. A foto que ilustra este post dá uma ideia do tamanho da loucura com que me deparei. Em quase todas as linhas de absolutamente todas as páginas, uma certa Maria Solange Corrêa de Barros Oliveira, residente à rua Mostardeiro, n° 1035, Porto Alegre, se pôs a sublinhar, rasurar, realçar, rabiscar e escrever sandices como: “Eu estou com 56 anos et tenho dito. Assim seja. Amém”. Havia ilustrações esparsas de um certo Solar das Amigas, que não tem nenhuma relação com o livro, e alguns devaneios com a língua francesa, como quando ela anota, no sumário, que “quem pegar este cahier(caderno) vai receber um pito”. Escreve que “demi” é “chopinho” e garante que “genre” é “genro” em francês. Afirma, em letra de mão rebuscada: “Cannes fica no Canadá”.

Ela não sublinha apenas os trechos, mas também os créditos autorais, a ficha bibliográfica, a legenda das fotos, a minibiografia da orelha e algumas ruas do mapa de Paris. Há menções religiosas por toda parte e a palavra “diabo” é tachada em vermelho com tanta fúria que sai do outro lado.

O melhor comentário ao livro está bastante apagado e foi feito em lápis cor de laranja: “Marie Solange Olivier Corrêa: vá para a direita e volte para a esquerda. Assim seja. Amém”.

* * * * *

Vanessa Barbara tem 28 anos, é jornalista e escritora. Publicou O Livro Amarelo do Terminal (Cosac Naify, 2008, Prêmio Jabuti de Reportagem), O Verão do Chibo (Alfaguara, 2008, em parceria com Emilio Fraia) e o infantil Endrigo, o Escavador de Umbigo (Ed. 34, 2011). É tradutora e preparadora da Companhia das Letras, cronista da Folha de S.Paulo e colaboradora da revista piauí. Ela contribui para o blog com uma coluna mensal.

Quem matou Rosie Larsen?

Posted: 24th julho 2011 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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Nos últimos anos, a emissora norte-americana AMC tem rivalizado com a HBO na produção de séries de qualidade. Em sua reduzida carteira de títulos estão dois dos melhores dramas da nova safra: “Mad Men” e “Breaking Bad”.

O slogan do canal é: “Aqui a história importa”.

Dito isso, confesso que não entendi muito bem qual é a da série “The Killing”, inédita no Brasil e lançada nos EUA em abril, onde conquistou grande audiência e gerou um nível similar de expectativa.

Baseada num original dinamarquês, “The Killing” começa com o assassinato de Rosie Larsen, num início soturno e gélido que exala “Twin Peaks” por todos os poros (até a fotografia é parecida). Cabe à detetive Sarah Linden desvendar o crime, e para isso tem à disposição todos os treze episódios da temporada.

“The Killing” foi indicada a seis Emmy, entre os quais o de elenco, direção e roteiro do piloto de duas horas. Foram feitas comparações ambiciosas com os romances policiais de Stieg Larsson (da trilogia “Millenium”) e Henning Mankell (de “Wallander”), de modo que, a essa altura, a torcida já estava quase ganha. Era só chutar e correr para o abraço.

Apesar de tudo, pelo menos pra mim, foi bola fora. A série é arrastada e sem sal. O roteiro é displicente. Episódio após episódio, a impressão é a de que nada aconteceu.
Há algo, porém, que gera estranhamento: a semelhança randômica com outras séries.

Além do paralelo óbvio com “Twin Peaks”, há uma similaridade perturbadora entre a detetive Linden e Linda Wallander, sobretudo no quesito amargura e ausência absoluta de “joie de vivre”.

Além disso, o vereador Richmond é parecidíssimo com o prefeito Tommy Carcetti, de “The Wire”. E a mãe da vítima é interpretada pela mesma atriz que faz a esposa de Paul Weston no seriado “Em Terapia”. O piloto também tem toques fúnebres de “A Sete Palmos”, mas não chega ao mindinho dos pés de nenhuma dessas séries.

Mas quem, afinal, matou Rosie Larsen? Exibido em fins de junho, o último episódio da temporada prometia a resposta. Público e crítica reagiram com indignação. Ao que tudo indica, quem matou Rosie Larsen foi a roteirista Veena Sud (de “Cold Case”), que definitivamente errou a mão.

A gênese do coraçãozinho

Posted: 17th julho 2011 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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A primeira vez que vi alguém fazendo um coração com as mãos foi na plateia do programa “Manos e Minas”, da TV Cultura. Fiquei imediatamente tomada de curiosidade antropológica.

Em meu afã investigativo, mal consegui me defender da avalanche de mãos em coraçãozinho que assolam a tevê, sobretudo em reality shows e programas vespertinos de fofoca. Há sites com extensas compilações só de celebridades fazendo o tal gesto e confusas especulações sobre quem teria lançado a moda.

No Brasil, diz-se que o precursor foi Alexandre Pato. Ao marcar seu primeiro gol no Milan, há três anos, o atacante comemorou fazendo um coração às câmeras, dedicando-o a Sthefany Brito, sua namorada na época.

Daí em diante, aderiram à moda jogadores como Vágner Love (Flamengo), Ronaldo (Corinthians), Dagoberto (São Paulo) e Rildo (Vitória). Em vez de irem celebrar com os companheiros de time, o técnico ou a torcida, eles procuram as câmeras e sacam um empolgado S2 ao éter. (S2 é o “emoticon” que representa o coração, assim como <3.)

No exterior, o “hand heart” é atribuído a artistas adolescentes como Taylor Swift e Justin Bieber, além de Lady Gaga e Selena Gomez, que costumam acenar aos fãs dessa forma.

O símbolo pode também ser remetido ao Claddagh, tradicional anel irlandês de compromisso que traz uma figura dourada de coração envolvido por duas mãos e uma coroa. Ou, ainda, a uma gangue de traficantes de cocaína em Chicago, chamada Gangster Disciples, que adotava o símbolo do “coração com asas”, com os dedos erguidos, sabe-se lá por quê.

Certo é que o gesto tem relação íntima com a exibicionice popular, visto que é prontamente acionado quando há uma câmera por perto. Trata-se de uma versão mais espontânea do “Filma eu, Galvão” ou dos antiquados tchauzinhos.

Embora não se possa identificar com precisão histórica o criador dessa moda, sei exatamente quem a consagrou, elevando-a ao status de arte: o cantor sertanejo Luan Santana.

Em perfil publicado pela revista “piauí” de janeiro, ele sobe ao palco e diz ter um presente para as fãs. “Finge então procurar alguma coisa nos bolsos, não encontra e finalmente ergue as mãos em forma de coração”. O público entra em êxtase.

É um mestre.

Como se faz um “Columbo”

Posted: 10th julho 2011 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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O tema desta coluna ia ser outro, mas o recente anúncio da morte de Peter Falk (dia 23, aos 83 anos) foi a desculpa perfeita para promover uma maratona doméstica de “Columbo”, a melhor série de TV com protagonista zarolho. (Embora “Popeye” não fique tão atrás.)

O tenente Columbo é um detetive aparentemente simplório, amarfanhado e irritante da polícia de Los Angeles. A série segue o formato da “história de detetive invertida”, em que o espectador vê o crime ocorrer e sabe de antemão quem é o culpado, cabendo ao herói juntar as pistas e pegá-lo.

Os episódios têm longa duração, estendendo-se por até 90 minutos. É o tempo necessário para que os roteiristas possam desenvolver a investigação sem pressa, embaralhar as pistas, encurralar o pobre suspeito e encafifar o público quanto ao método escolhido por Columbo para pegá-lo.

Pouco a pouco, após ir embora e reaparecer várias vezes, lembrando-se de “só mais uma perguntinha”, o policial vai expondo as incongruências do álibi, até que o assassino não tenha outra saída senão se entregar.

As soluções encontradas pelo detetive são por vezes geniais, como num episódio em que ele desmascara um homicídio por meio do laço de sapato da vítima. Ou quando encontra uma carta incriminadora em que o culpado destaca o selo de forma descuidada, guardando a cartela na própria escrivaninha – neste caso, um legítimo jogo de encaixar.

Morro de vontade de saber qual o método usado pelos roteiristas para estruturar os scripts e, na falta de detalhes, fico tentada a “columbar”. É provavelmente uma escrita do tipo “de trás pra frente”, mas, nesse caso, o crime é só o início; o flagrante é que é o final. Imagino que eles devam procurar em primeiro lugar uma sacada investigativa, como a pista dos cadarços ou do selo, e desenvolver o crime a partir daí.

Conta-se que a equipe perseguia meticulosamente esses tais “estalos” investigativos (no original, “pops”), e que o próprio Falk se tornara obcecado por eles – a ponto de, certa feita, pedir que todos no estúdio da Universal tirassem as calças, só para checar que perna eles tiravam primeiro.

E toca inventar um crime passível de ser solucionado pela ordem das pernas fora das calças.

Foi com o meu pai que aprendi a importância de assistir grandes partidas de futebol mambembe, como Santacruzense vs. Penapolense, pela série A3 do Campeonato Paulista.

Foi através dele que descobri o programa “Jogos Perdidos” (ClicTV, ter., 10h), mantido por meia dúzia de abnegados que pegam a estrada para ver clubes desconhecidos em campeonatos regionais obscuros, registrando-os num blogue.

A equipe do JP costuma prestigiar times com 100% de aproveitamento negativo, desses que, no jogo inteiro, dão apenas um chute no gol, “e mesmo assim sem direção”. Recostados ao alambrado e enchendo a cara com Guaraná Poty, fotografam os lances de atletas chamados Pomarola, Papão, Alamir e um atacante de uniforme azul que atende pela alcunha de Amarelo.

“O jogo foi assustador em ruindade. No primeiro tempo, a maior emoção foi tentar achar um saleiro para salgar a pipoca, que estava horrorosa”, postou um dos membros. Mas não é sempre assim.

Acompanhar o futebol mambembe é uma lição de caráter que nos faz refletir sobre a pequenez das glórias mundanas e a importância de se esperar a autorização do juiz antes de irromper pela linha lateral, desgovernado, como fez um reserva do Elosport em partida contra o Capivariano pela Segunda Divisão do Paulista.

Para além dos “Jogos Perdidos”, há as clássicas transmissões da Rede Vida aos fins de semana, com ótima narração de Luiz Carlos Fabrini, que no final agradece ao Senhor por existir e aos espectadores pela agradável companhia. Há closes recorrentes da arquibancada semivazia, de um vira-lata sarnento e de um grupo de tiozinhos de moletom, logo atrás de uma placa do Açougue e Mercado Chicão.

A partir de maio passado, quem também entrou de sola no futebol de várzea é a TV Cultura, que aos domingos às 13h exibe as partidas amadoras do Campeonato Estadual de Seleções – Ligas Municipais.

Na semana passada (Araraquara vs. Serrana), houve até um espetacular passe de calcanhar. Mas a narração ainda está engessada e merecia uma boa reportagem prévia – informando ao leigo, por exemplo, quem é e o que pensa o atleta Zoião, qual a profissão de Weltinho, quantas vezes por semana treina o escrete de Votuporanga e se tem coreto lá em Jaboticabal.

O sem-carro

Posted: 1st julho 2011 by Vanessa Barbara in Crônicas, Revista Piauí
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Tipos paulistanos: O sem-carro
Sinistro foi o dia em que Diesel concebeu o seu funesto engenho

por Vanessa Barbara

Piauí n. 58
Julho de 2011

Apesar da tolerância padrão de duas horas, as reuniões da Sociedade Paulistana dos Sem-Carro (SOPASECA) sempre começam atrasadas. A chegada dos associados e o estabelecimento de quórum dependem de fatores meteorológicos, geográficos, sísmicos, sindicais (greve dos metroviários, operação tartaruga da Viação Sambaíba) e subjetivos. Ainda que os encontros sejam marcados na vizinhança de estações de metrô, os membros geralmente precisam tomar duas conduções, seguidas de um trem (com baldeação), uma van clandestina, uma carona na rabeira de um caminhão e um trecho de paralelepípedo vencido a pé, totalizando um percurso que leva, em média, uma hora e quarenta minutos. Sem chuva.

Os sem-carro podem sê-lo por opção ou circunstância. No primeiro caso, minoritário, alinham-se autofóbicos e descoordenados. No segundo, pobres e novos-pobres. Em ambos, trata-se de uma condição penosa, que implica desafiar a normalidade social e as prerrogativas vigentes de sucesso, como quem tem seis dedos na mão direita ou torce para a Portuguesa – há quem padeça de ambas as condições, e ainda assim tem um possante na garagem.

Os sem-carro ostentam um senso de equilíbrio aguçado e nunca estão fora de forma. Não só conseguem se manter de pé como caminham galhardamente pelo estreito corredor de um Jardim Pery Alto–Santa Cecília com vistas a cumprimentar os presentes, tudo isso com uma sacola de travesseiros na mão esquerda, uma samambaia na outra, um triciclo debaixo do braço e um caso crônico de labirintite.

De índole liberal, não se deixam abalar pelo contato físico com os demais passageiros e não se envergonham de cair no colo de desconhecidos nas curvas mais fechadas. Nem fazem caso de, por conta de uma freada brusca, quicar vigorosamente pelos balaústres, bater a barriga na catraca ou colidir com o passageiro à frente, que tem feridas e uma verruga gorda que solta pus.

***

Os sem-carro sabem de cor o poema de W. H. Auden que diz: “Odioso foi o dia em que Diesel concebeu seu motor maléfico.” Eles odeiam os motorizados. É por culpa dessas criaturas torpes que somos obrigados a gastar quarenta minutos para percorrer três quadras da avenida Paulista, constipada de trânsito e de filas quádruplas de carros ocupados por uma única e peçonhenta alma, que ainda por cima canta em voz alta e aproveita o sinal fechado para cutucar o nariz. Da estação Brigadeiro até a avenida Angélica, na hora do lufa-lufa um peregrino a pé, com seu cajado, vence o percurso na mesma velocidade do ônibus, e ainda toma um café, troca ideias com um Hare Krishna e fortalece a panturrilha.

Só não se pode garantir que ele chegará a salvo no destino, pois, como todo motorista sabe, pedestre não é gente: é alvo. Em grande parte dos cruzamentos não há semáforos com bonequinhos verdes à espreita, a via tem três mãos de tráfego e só falta caírem carros do céu, bem em cima do desprotegido passante. Nessas horas, o sem-carro deve se valer do senso acurado de timing que possui desde a infância, e que vem a ser a mesma habilidade que nós, meninas, temos de entrar e sair de uma corda dupla em movimento, na época da pré-escola, sem tropeçar ou levar uma chicotada. Atravessar a rua sem farol é como pular corda pela própria vida, devendo o pedestre ter noções de física, velocidade angular, direção do vento e intensidade mínima do pique. Também é recomendável vestir roupas chamativas e ter boa capacidade pulmonar, sob pena de tombar exausto, em plena via, e terminar como um ex-pedestre.

Os sem-carro são acrobatas das ladeiras, equilibristas do coletivo, intrépidos beduínos a quem dá mais trabalho chegar ao trabalho do que trabalhar. Ainda assim, são pacientes, pois sabem como ocupar a mente no interior de um sacolejante Santana–Jabaquara. Filósofos por falta de opção, têm revelações profundas sobre a existência humana sempre que o ônibus quebra, o motorista erra o caminho ou a composição estanca, por conta do que se costumou chamar de “objeto na via” – um guarda-chuva ou um suicida nos trilhos.

“Nada como um bonde lento para meditar sobre o significado de todas as coisas”, afirmou Luis Fernando Verissimo, numa crônica sobre Porto Alegre. “O bonde Petrópolis subia a Protásio Alves como um velho subindo a escada, devagar e se queixando da vida. Sempre achei que se a linha do meu bairro fosse um pouco mais longa eu teria decifrado o Universo.” E acrescentou: “Se hoje tenho um pouco de equilíbrio emocional, bons reflexos e o mínimo de caráter para não dar na vista, devo tudo ao Petrópolis até o fim da linha ou J. Abbott.”

Além de se revelarem pensadores compulsórios e promissores, os sem-carro também aprendem a dormir impassíveis, sem cabecear ou apoiar-se no ombro de um desconhecido ao lado. Para um bom membro da SOPASECA, a habilidade mais invejada é a de cochilar em pé, feito um sábio hindu em estado de graça. Os sem-carro acordam antes de o sol nascer, moram longe e vão a pé. Têm sono o tempo inteiro e, no Mandaqui, já foram pegos dormindo enquanto caminhavam, numa espécie de sonambulismo ao contrário.

***

“A gente chamava isso de ‘piscina’”, explicou Millôr Fernandes. O humorista morou quinze anos no subúrbio do Méier, no Rio, e ia trabalhar e estudar de bonde. “Quando você mora muito longe é assim, você chega em casa meia-noite, uma hora, duas, bate com a mão na parede e volta. Já está na hora de trabalhar de novo.”

Os sem-carro agradecem diariamente ao Altíssimo pela ausência de escoriações graves e por permanecerem razoavelmente vivos. Eles são atropelados na calçada, na faixa de pedestres, no corredor de ônibus, nos estacionamentos e postos de gasolina por veículos que dão preferência a si mesmos, buzinando alegremente para apressar os velhinhos tísicos que estão no caminho. Os sem-carro incomodam desde Fuscas a caminhões, passando por vans, táxis, motos e os que querem estacionar no meio-fio, bem onde um cego está esperando para atravessar.

No que tange à orientação espacial urbana, os membros da SOPASECA só sabem fazer o “caminho do ônibus”, e por isso se quedam extremamente confusos quanto às rotas mais simples e a menor distância entre dois pontos – sobretudo quando o metrô entra na terra e eles se põem automaticamente a dormir, como em estado de animação suspensa.

Quem não é do time vai às festas usando vestidos de crepe e sandálias de salto agulha, enquanto os sem-carro vão de galochas, metidos num impermeável cor de laranja e com uma mochila nas costas cheia de lanches, livros, mapas, canetas, uma muda de roupa, esmalte, tesourinha de unha e equipamentos para enfrentar cataclismos climáticos. Quando perdem o Bilhete Único, cedem ao desespero.

Os sem-carro chegam à balada com os pés encharcados, ainda que tenham tido o cuidado de meter um saco de supermercado por dentro do tênis, e tentam ignorar os olhares de incredulidade dos demais. Enfrentam frio, vento e fuligem. Quando enfim alcançam o destino, já é hora de voltar – o último ônibus sai à meia-noite e meia, o metrô só abre às quatro, meus pés estão gelados e amanhã a Portuguesa vai jogar. Sabe como é.

Eu sou Moby Dick

Posted: 28th junho 2011 by Vanessa Barbara in Blog da Cia. das Letras, Crônicas
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Blog da Companhia das Letras
28 junho 2011, 3:44 pm

Por Vanessa Barbara

Baseado no romance homônimo de Ray Bradbury, o filme Fahrenheit 451 (1966, François Truffaut) fala de um futuro opressivo onde os livros são proibidos e incendiados. “É um trabalho como outro qualquer”, diz o protagonista Guy Montag, um bombeiro designado para apreender e tostar os objetos ilegais. “Às segundas, queimamos Miller; às terças, Tolstói; às quartas, Walt Whitman; às sextas, Faulkner; e aos sábados e domingos, Schopenhauer e Sartre. Queimamos até virar cinzas e depois queimamos as cinzas. É o nosso lema oficial.”

Certo dia, levado pela curiosidade, ele decide trazer pra casa alguns dos livros que confiscou. O primeiro que lê às escondidas é David Copperfield, de Charles Dickens. Daí pra frente passa a ler de tudo, com destaque para o verbete “rinoceronte” da enciclopédia.

Por fim, Montag é denunciado, mas foge e acaba encontrando um foco clandestino de resistência, formado por Pessoas-Livro (Book People). É gente que se propôs a decorar um volume inteiro de sua preferência, com vistas a salvá-lo do extermínio. “Guardamos os livros aqui dentro, onde ninguém consegue encontrá-los”, explica o líder, apontando para a cabeça. “Por fora, somos vagabundos. Por dentro, bibliotecas”, diz.

Uma moça se aproxima do forasteiro e pergunta: “Você se interessa pela República de Platão? Bem, eu sou a República de Platão. Posso me recitar pra você quando quiser”. O líder se apresenta como A vida de Henri Brulard, autobiografia de Stendhal, e aponta para os amigos: “Lá está O Morro dos ventos uivantes, de Emily Brontë. E aqui O corsário, de Byron. Aquele sujeito magrinho é Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll. E onde está Alice através do espelho hoje? Deve andar por ali.”

Outros residentes: uma alegoria cristã de John Bunyan chamada O progresso do peregrino(o sujeito comeu o livro para que não pudessem queimá-lo), a peça Esperando Godot, de Samuel Beckett, As crônicas marcianas, de Ray Bradbury, as Memórias de Saint-Simon As aventuras do sr. Pickwick, de Charles Dickens. Quando o recém-chegado diz conhecer o autor inglês, pois já lera David Copperfield, o interlocutor responde: “Oh! Nós temos umDavid Copperfield conosco. Ele está com outro grupo, mais ao sul” — o que provavelmente deve ter entristecido Montag, que bem podia querer ser ele mesmo tal obra. Ao protagonista, porém, cabe saber de cor Histórias de mistério e imaginação, de Edgar Allan Poe, que, se não é o seu preferido, pelo menos não é tão grande quanto o primeiro.

Já O príncipede Maquiavel, é um gordinho careca de jaqueta surrada e meia azul, que postula: “Como você vê, não se pode julgar um livro pela capa”. Orgulho e preconceito, de Jane Austen, recém-editado pela Penguin-Companhia, são dois irmãos gêmeos, cada qual com seu tomo. “Costumamos chamar um deles de ‘Orgulho’ e o outro de ‘Preconceito’. Acho que eles não gostam muito”, informa A vida de Henri Brulard.

Ou seja, trata-se de uma biblioteca incongruente, na qual romances clássicos se misturam a livros de poemas, teoria, biografia e teatro, numa barafunda editorial que me incomoda um bocado. Nada é disposto em ordem cronológica ou alfabética, e não há uma coerência entre os títulos — podia existir, por exemplo, um foco de resistência só de literatura francesa, ou de ensaios em latim, ou de ficção contemporânea. Aos mais velhos, reservar-se-iam os escritos mais antigos, e aos mais novos só os romances com uma quantidade moderada de mesóclises.

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Entre outros méritos, a história de Ray Bradbury dá novo significado à frase de Gustave Flaubert, “Madame Bovary sou eu”. Ninguém reparou, mas naquele momento ele anunciava sua opção, aludindo também ao fato de ter reescrito o livro demasiadas vezes. A má notícia aos que pretendem ser Pessoas-Livro vai para os fãs de Dostoiévski, obrigados a convocar esforços externos só para memorizar o glossário de nomes próprios de Os irmãos Karamazov, além de terem de se apresentar da seguinte forma: “Muito prazer, eu sou O idiota”.

Tudo isso pra anunciar que, diante da cervicalgia galopante e do recente colapso do espaço nas estantes (ver colunas anteriores acerca de feijões e prateleiras), decidi fazer como o povo da resistência e descentralizar mentalmente a minha biblioteca. À diferença da seleção de Fahrenheit 451, ela seria enxuta e criteriosa — mais criteriosa do que enxuta —, abrigando só ficção de estirpe, com ênfase nos clássicos, e alguma coisa de jornalismo literário e não ficção. Embora eu infelizmente não possa decorar livros que nunca li, espero que haja alguém disposto a memorizar o Mahabharata para quando eu tiver vontade de ouvi-lo.

Também darei preferência aos amigos com comprovada habilidade mnemônica, com exceção feita à minha mãe, que bem que gostaria de ser um épico como O senhor dos anéis ou Exodus, mas vai acabar tendo de se contentar com um soneto rimado, como este do Alphonsus de Guimaraens:

Hão de chorar por ela os cinamomos,
Murchando as flores ao tombar do dia.
Dos laranjais hão de cair os pomos,
Lembrando-se daquela que os colhia.

Se bem que sua memória não é lá essas coisas nem para as trovinhas e haicais, de modo que “cinamomos” logo serão substituídos por “reis Momos”, assim como “amor” sempre acaba virando “avô”, arruinando por completo os anseios de precisão do projeto, ainda que agregando criatividade ao conjunto. Em questão de semanas, A terra devastada se transformaria numa ode indefinida às tesourinhas de unha e supercomputadores, ao passo que A outra volta do parafuso, de Henry James, seria enriquecido com uma longa descrição de um pesadelo que ela teve outro dia, sendo Flora “aquela loirinha que fala engraçado” e a governanta impiedosamente cortada da versão final.

Ainda não sei qual livro pretendo me tornar (O grande Gatsby está na disputa, assim como Moby Dick Tristram Shandy), mas sei que gostaria de conhecer Bouvard e Pécuchet, de Flaubert, Da pequena toupeira que queria saber quem tinha feito cocô na cabeça dela, de Werner Holzwarth.

E você, que livro quer ser?

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Vanessa Barbara tem 28 anos, é jornalista e escritora. Publicou O Livro Amarelo do Terminal (Cosac Naify, 2008, Prêmio Jabuti de Reportagem), O Verão do Chibo (Alfaguara, 2008, em parceria com Emilio Fraia) e o infantil Endrigo, o Escavador de Umbigo (Ed. 34, 2011). É tradutora e preparadora da Companhia das Letras, cronista da Folha de S.Paulo e colaboradora da revista piauí. Ela contribui para o blog com uma coluna mensal.