Primeiro a gritar

Posted: 30th julho 2012 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
Tags: ,

Folha de S.Paulo – Ilustrada
30 de julho de 2012

por Vanessa Barbara

Na última Copa do Mundo, muita gente fez questão de comprar, em 15 vezes sem juros, um aparelho de tevê digital Full HD com tela de cristal líquido, ângulo de visualização de 178 graus e relação de contraste dinâmico de 9.000:1, de 46 polegadas.

Tudo isso para descobrir que, nos lances mais emocionantes, o porteiro do prédio gritava gol com cinco segundos de antecedência, graças a uma Telefunken analógica instalada na guarita.

De início, o atraso na transmissão digital parecia um simples incômodo. Com o tempo, ficou irritante. Mesmo os torcedores cardíacos não sofriam mais de angústia antecipatória na hora dos pênaltis: se o vizinho pobre não gritou gol na hora da cobrança é porque a bola não entrou, então não adianta se apoquentar.

A tecnologia demoliu a expectativa. Acentuou ainda mais a desigualdade social, só que de forma inversa.

O sinal digital possui um “delay” de transmissão porque precisa primeiro converter a imagem em dados, comprimi-la e só então exibi-la. Quanto maior a definição, maior o atraso, que costuma ser de três a cinco segundos em relação à boa e velha tevê analógica.

A ordem é: primeiro a analógica, depois a digital sem alta definição e, por último, a digital com HD. O sinal digital aberto também é mais rápido do que o sinal a cabo, e o via satélite perde de todos em agilidade.

Além disso, todo aparelho LCD possui um atraso inerente no processamento da imagem, o “time lag”, que pode variar de acordo com a marca e fica em torno de cinco milésimos de segundo. Uma dica que às vezes funciona é botar a tevê na configuração “modo de jogo”, desligando rotinas de pré-processamento da imagem para acelerar ligeiramente o tempo de resposta.

Ainda assim, não há jeito de resolver de forma substancial o “delay” da transmissão – só mesmo voltando para o método analógico. Segundo o blog da revista “Superinteressante”, isso pode ser obtido desconectando o cabo branco – que vem da rua – do decodificador a cabo e conectando-o diretamente à tevê na entrada “antena” ou “RF”. Em seguida, deve-se entrar no menu de configuração do aparelho e mudar o sistema de recepção para TV ou CATV.

Outra opção é esperar até dezembro de 2016, quando o governo migrará o padrão brasileiro para digital – nesse caso, todos gritarão com solidário atraso.

Pensando bem, não faz diferença: sempre vai ter um corintiano com um radinho.

Uma carta

Posted: 29th julho 2012 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, Londres 2012
Tags:

Folha de S.Paulo – Esportes
Especial Olimpíada
29 de julho de 2012

por Vanessa Barbara

Cardiff, 26 de julho

Querido,

Hoje cedo, no trem, conheci um senhor adorável de Essex. Ele reconheceu imediatamente meu sotaque galês, embora tenha sido polido o suficiente para julgá-lo quase imperceptível. Contou que havia confundido a estação de Victoria com a de Paddington e se atrasara para chegar a esta última, de onde saem os trens para Cardiff.

É um milagre que ele tenha conseguido, com o metrô do jeito que está. Na semana passada, antes mesmo de os Jogos começarem, fiquei meia hora presa num vagão, e, naquela noite, o prefeito foi à TV dizer que os trens estavam funcionando perfeitamente. Ele repetiu isso algumas vezes –não é ridículo que alguém tenha de fazer um pronunciamento dizendo que tudo vai bem?

Mas, enfim, em todo caso, o sr. Humphrys –porque era esse o nome dele– o sr. Humphrys confessou estar espantado com a má disposição dos londrinos para esta Olimpíada. Deu risada quando contei da minha camiseta oficial dos Jogos, que costumo usar aí no Japão e que não tive coragem de ostentar nas ruas daqui. Boa parte dos londrinos nem quer saber de Olimpíada.

Aliás, quando contei onde morava, ele soltou um: “Desculpe, mas acho que não ouvi direito”. Expliquei que sou professora de inglês, casada com um japonês e formada em psicologia e literatura.

Ele arregalou os olhos azuis. Me encheu de perguntas sobre o Japão e sobre as mudanças que eu percebia na Inglaterra atual. Apesar de seus 78 anos, parecia muito lúcido e bem-humorado –lembrava da Olimpíada de 1948, quando Londres se ofereceu como sede.

Foi logo após a guerra, a Europa estava em recessão e ninguém mais se prontificou. “Os atletas ficaram hospedados em alojamentos militares”, contou o sr. Humphrys, que mais tarde serviu o Exército e virou arquiteto. “O Japão e a Alemanha não foram convidados.”

Quando ele se levantou para ir ao banheiro, reparei que tinha dificuldades de andar. Costumava correr, disse, mas teve de abandonar o esporte por questões de saúde –fui educada o suficiente para não pedir detalhes. Ele tampouco perguntou a minha idade, e eu só disse que nasci após a Segunda Guerra. “Não muito depois”, expliquei, rindo.

A certa altura, ele pareceu constrangido e perguntou se aquele era o meu pé sob a mesa –olhamos para baixo e demos de cara com Charles, um pitbull branco que estava no banco de trás e lambia vigorosamente os sapatos do sr. Humphrys.

Ele desceu em Newport e nós nos despedimos cordialmente. Ao nosso lado, uma moça brasileira (aposto) estava prestando atenção demais na nossa conversa.

Saudades,
Christine

Folha de S.Paulo – Esportes
Especial Olimpíada
27 de julho de 2012

por Vanessa Barbara

Na tradicional casa de apostas Ladbrokes, as chances são de 2.012 para um de que o Monstro do Lago Ness irá aparecer no rio Tâmisa. Na William Hill, outro estabelecimento do gênero, alguém apostou US$ 23 na certeza de que um OVNI irá pairar sobre o Estádio Olímpico hoje, durante a cerimônia de abertura.

Há sérios prognósticos de que o prefeito Boris Johnson irá tropeçar enquanto estiver carregando a tocha, ateando fogo ao próprio cabelo. Chances de chover na festa: 5 para 2. Chances de a rainha correr o último trecho com a tocha e acender a pira olímpica: 500 para um.

Dirigida por Danny Boyle, a cerimônia tem sido alvo de acaloradas especulações por parte dos súditos da coroa. De confirmados, apenas o tema – a Inglaterra rural, com um cenário similar às colinas dos Teletubbies – e a identidade dos principais convidados: 70 ovelhas, 12 cavalos, dez galinhas, três vacas, dois bodes, oito gansos, dez patos e três cães. (A sentida ausência de tartarugas não foi comentada pelo porta-voz do comitê de abertura.)

Nos dois ensaios gerais, na segunda e na quarta, os participantes e voluntários receberam instruções de guardar segredo absoluto.

Ainda assim, nesta semana, o jornal “The Sunday Times” garantiu que haverá uma sequência de ação com personagens ficcionais britânicos, quando um gigantesco lorde Voldemort (vilão da série “Harry Potter”) tentará assustar Alice, o Capitão Gancho e Cruela Cruel. Mas será detido por uma série de Mary Poppins que descerão do teto com seus guarda-chuvas.

O prognóstico é divertido. Aparentemente haverá enfermeiras dançantes, Paul McCartney, “Bohemian Rhapsody” e um lago repleto de patos com licença para voar (dificilmente serão abatidos pela bateria antiaérea do primeiro-ministro).

No cenário, um sino de 23 toneladas e uma nuvem artificial para fazer chover, caso a mãe natureza dê uma de G4S (a desastrosa empresa de segurança responsável pelos Jogos) e não dê conta de suas atribuições fenomenológicas. Não se sabe, porém, qual será o destino da nuvem, caso não seja utilizada.

Baseada em “A Tempestade”, de Shakespeare, a festa durará três horas e custará 27 milhões de libras.

*

E, por falar nisso, às 8h12 – 12 horas antes da abertura –, os principais sinos do país se juntarão a uma manifestação artística promovida pelo músico Martin Creed: “Obra nº 1197: Todos os Sinos de uma Cidade Tocam o Mais Rápido e Barulhentamente Possível por Três Minutos”.

O Big Ben confirmou sua participação. Será a primeira vez que o portentoso relógio sairá de seu cronograma habitual desde o funeral do rei Jorge 6º, em 1952, quando também tocou feito louco.

 

Olimpíada pra quem tem asma

Posted: 25th julho 2012 by Vanessa Barbara in Londres 2012
Tags: , ,

Clique para ver o vídeo

Folha de S.Paulo – Esportes
Especial Olimpíada
25 de julho de 2012

por Vanessa Barbara

No último sábado, acompanhei a passagem da tocha em Hackney, um bairro pobre da Zona Leste de Londres, onde vivem nigerianos, turcos, indianos, míopes, asmáticos e gente que não lava o umbigo. É onde estou orgulhosamente hospedada – originária do Mandaqui, na Zona Norte de São Paulo, senti-me em casa desde o primeiro dia.

Era cedo quando os populares começaram a ocupar as calçadas à espera da tocha, na esquina da Rectory com a Armhurst Road. Alguns abriram as janelas do quarto e ficaram pescoçando. Outros desceram com cadeiras e garrafas de cerveja, junto com os vizinhos e as crianças dos vizinhos.

Nervoso, um menino de dez anos mastigava compulsivamente balas de goma no formato de ovos fritos, enquanto seu irmão mais novo consultava o relógio de cinco em cinco minutos. “Já era pra ter passado”, informou uma senhora com poucos dentes. “Vai ver que roubaram a tocha”, disse o menino, completando: “Seria bem legal”. 

Entediado, um policial brincava de levantamento de peso, erguendo duas crianças pelos braços, e um garoto de uns 13 anos passava de lá pra cá num meio de transporte notável – era um praticante de hóquei em monociclo, modalidade popular em Hackney.

Alguém, ao longe, anunciou a chegada de um carro de polícia, provavelmente o batedor da tocha. “É só um carro de sorvete”, informou um dos garotos, sempre na vanguarda da visualização da esquina.

Conforme o atraso se adensava, ele perdeu a paciência: “Onde está essa tocha estúpida?”.

Em questão de instantes, três ônibus de patrocinadores rasgaram o cruzamento, distribuindo frisbees e bandeirolas com a Union Flag. Malandros, policiais de moto passaram cumprimentando a multidão com um “toca aqui”. No fim de tudo, veio o portador da tocha, um rapaz negro que arrancou reações extasiadas do popular sentado (que se levantou), da senhora sem dentes, do garoto das jujubas, de seu irmão mais novo e de uma menina cega, que por pouco não passou a enxergar.

Num arroubo de patriotismo, o rapaz brandiu o símbolo olímpico enquanto praticava um tipo pimpão de “silly running”, modalidade inspirada no grupo cômico Monty Python, que consiste em correr de forma tola e esquisita. A multidão de Hackney correu atrás – nós, os participantes mancos, míopes e asmáticos desta Olimpíada que está só começando.

P.S.: Não fomos muito longe.

Os jovens essenciais escritores

Posted: 25th julho 2012 by Vanessa Barbara in Clipping
Tags:

A antologia de novos autores brasileiros da “Granta” evitou os clichês das décadas anteriores

Folha de S.Paulo – Ilustrada
25 de julho de 2012

por Marcelo Coelho

Saem de cena os motoqueiros atropelados, o pequeno traficante morto pela PM, o barraco, o boné e o “busão”. Também desaparecem as estratégias do choque, do surrealismo e do grotesco. Nada de anões búlgaros decapitados na fila do INSS, de contorcionistas lésbicas entaladas no vaso sanitário, de papagaios cocainômanos atuando em filmes pornô de baixo orçamento.

Outro sumiço: o das noites de muito sexo e maconha ao som de Chet Baker, das discussões godardianas no Baixo Augusta, das roupas pretas e dos tênis de cano alto.

Quanto ao antigo padrão da prosa regionalista, seus coronéis e jerimuns, nem pensar – por mais que ainda pululem, nos concursos de contos, as imitações de Guimarães Rosa.

A antologia de novos autores brasileiros da revista “Granta” evitou, o que já não era sem tempo, os clichês das décadas anteriores. Praticamente não há traços da violência urbana nos textos destes escritores, nascidos depois de 1972.

O que mais aparece nos escritores da revista “Granta” é uma vida feito de cursos em Amsterdã, trabalhos para galerias de arte na Califórnia ou viagens à Rússia. É até possível matar saudades do Brasil por uns tempos, ocupando de novo o apartamento que ficou vago durante sete anos na orla carioca.

Alguns dos escolhidos trabalham como editores na Companhia das Letras ou na Cosac; outros colaboram naFolha; vários foram traduzidos para o inglês, o espanhol, o italiano e o alemão.

Natural que, com uma antologia dessas, cresça o coro dos excluídos. Se um simples convite para a Flip pode provocar sérios ataques de inveja nos meios literários, ouvem-se de longe as manifestações de agonia e desdém das dezenas ou centenas de “off-Granta”, ecoando nas páginas do Facebook.

Tinha, e tenho ainda, minhas prevenções contra essa antologia. Deixo-as para o fim.

É que, logo no começo, aparece um excelente conto de Michel Laub -sem firulas, sem frivolidades, sem “flipices”. Ou seja, não se trata de alguém encantado com o fato de ser escritor, mas sim de quem tem algo forte para contar. E que, por isso mesmo, não precisa exagerar na brutalidade narrativa, ou resolver a ausência de narrativa com atos de violência no desfecho.

Também me impressionou a contenção de Daniel Galera ao tratar, com mais ameaça do que concretização, do mesmo tema -morte e violência na família. Vanessa Barbara, uma das poucas vozes com sotaque zona norte na antologia, parece adquirir um tom mais maduro -sem tanta apelação humorística- em “Noites de Alface”.

Não é conto, mas fragmento de romance. Mesmo assim, a vida de Ada e Otto, em sua casa amarela lá pelos lados do Mandaqui, é retratada com um senso de acabamento, de desfecho, que falta a muitas páginas da antologia. Emilio Fraia, num conto estranho, e Antonio Prata, numa delicadíssima lembrança de infância, também têm esse domínio da forma curta.

Vejo que gostei mais dos autores em que o “sentimento nacional” está mais presente do que o “sentimento de globalização”, predominante na antologia. Mas, afinal, é uma seleção da “Granta”… feita, sem dúvida, já com olhos para o consumo externo.

Daí uma das minhas prevenções. O “franchising”, que antes funcionava para lanchonetes e lojas de roupa, já entrou para o mundo das galerias e museus (há Guggenheims pelos quatro cantos do mundo) e entra firme no sistema editorial.

Exemplo disso é a associação entre a Penguin e a Companhia das Letras, que chega a ter títulos quase em inglês, como “Essencial Joaquim Nabuco” (em vez de algo como “Joaquim Nabuco – Textos Essenciais”).

Com exceção de um crítico convidado, são brasileiros os responsáveis pela seleção da “Granta” em português. O que há da “Granta” inglesa nisso, exceto a marca?

Outra coisa. Naturalmente quem escolheu achou que os escolhidos foram os melhores. Mas sou dos que implicaram com o uso do termo “Melhores” na capa da edição. É fazer da capa de um livro a sua própria propaganda. Para não falar da moda, especialmente irritante, de indicar algumas edições como “o Drummond definitivo”, “o Proust definitivo”. Logo estarão dizendo “o definitivo Drummond”.

Aí, os jovens escritores brasileiros poderão passar a fazer seus contos diretamente em inglês, e não se fala mais nisso.

 

Folha de S.Paulo – Ilustrada
23 de julho de 2012

por Vanessa Barbara

“Som e Fúria” foi uma das melhores coisas que a Rede Globo já produziu, embora tenha sido breve. Veiculada em julho de 2009, a minissérie contou com doze capítulos sob a direção geral de Fernando Meirelles.

Foi dele a ideia de adaptar a premiada série canadense “Slings And Arrows” [“Pedras e Flechas”, expressão retirada do monólogo “Ser ou Não Ser”]. A obscura comédia dramática mostra os bastidores de uma companhia de teatro especializada em Shakespeare, conforme ela tem de lidar com a morte de seu diretor, atropelado por um caminhão de presunto.

A versão brasileira é praticamente uma cópia fiel do original, sobretudo no que se refere ao ótimo roteiro, escrito por Susan Coyne (dramaturga), Bob Martin (comediante) e Mark McKinney (ex-integrante do grupo cômico The Kids in The Hall, da série de TV homônima). A belíssima trilha sonora é reaproveitada, bem como os personagens, que sofrem leves alterações.

Mas há, na remontagem global, destaques impressionantes que por vezes superam a matriz canadense: a protagonista Andréa Beltrão atua de forma excepcional, bem à altura de seu parceiro de cena, Felipe Camargo. O núcleo jovem da trama, Maria Flor e Daniel de Oliveira, também surpreende.

Outro ponto alto é a versão em samba de uma das sátiras a Shakespeare, composta por Wandi Doratiotto e interpretada numa roda de boteco. “Pega leve, Hamlet, e sai dessa deprê”, diz a letra, pedindo para o príncipe relevar os atos do tio Cláudio: “Matar seu pai, pegar sua mãe/ Não foi legal/ Mas isso não é motivo pra tamanho baixo astral.”

(O músico, vocalista do grupo Premê e apresentador do “Bem Brasil”, da TV Cultura, figura em dois dos meus filmes brasileiros favoritos, “Sábado” e “Boleiros”, ou seja, deve dar sorte.)

Cecília Homem de Melo foi outra revelação no papel da secretária, com seu tom de voz fraco, inseguro e de interjeições antiquadas. Algumas das falas do personagem de Antônio Fragoso, um diretor afetado e pernóstico que salpica expressões em inglês, são bons exemplos de um texto confiado em mãos competentes.

Ainda assim, a série alcançou uma decepcionante média de 19 pontos de audiência (menos do que “Toma Lá Dá Cá”, sua predecessora) e não foi renovada. Passava às onze da noite, com grande atraso nos dias de futebol.

Resignada, a produtora O2 anunciou, no mês passado, a volta de “Som & Fúria” – só que nos cinemas.

Fraqueza, teu nome é televisão.

Cadernos Expedicionários – Felinos IV

Posted: 16th julho 2012 by Vanessa Barbara in Cadernos Expedicionários

Ficou decepcionado porque passei uns dias fora.

Folha de S.Paulo – Ilustrada
16 de julho de 2012

por Vanessa Barbara

Meu irmão é um grande entusiasta dos Jogos Olímpicos, sobretudo em suas manifestações menos heroicas.

Desde março, ele vem se preparando para acompanhar as transmissões televisivas do maior número possível de eventos, num calendário meticulosamente engendrado para encampar vigorosas competições de pentatlo, inesquecíveis peladas de badminton e torneios de esgrima de sabre individual feminino, que para ele serão os destaques do torneio que se inicia no próximo dia 27.

Nos Jogos de Pequim 2008, ele fez questão de tirar duas semanas de férias, enfrentadas com pouco banho e grande alegria, durante as quais redigiu um diário filosófico.

Nele, comenta minuto a minuto a prova de adestramento, que é, sem dúvida, a mais desafiadora para o narrador esportivo.

São três longas horas nas quais “o importante é que o cavalo seja bem adestrado, não no sentido de estar adestrado, e sim no sentido de ser adestrado” (comentarista A). O interessante, nesse esporte, é “estudar o olhar sereno do cavalo, conduzido em maestria pelo seu mestre e senhor” (comentarista B).

Há tempo de sobra para botar as novidades em dia, atualizar o quadro de medalhas (o Tadjiquistão é a surpresa do judô feminino até o momento) e discorrer sobre a vida. “Nesse momento é fundamental que o Animal e o Homem sejam um só, pois o trotar só se torna natural quando o conjunto une não só as mentes, como também os corações” (comentarista A, com o aval do comentarista B).

Ainda relembrando os Jogos de Pequim, ele fala com saudades da noite de 15 de agosto, uma verdadeira ode à história da humanidade, a começar pela prova de Tiro Carabina 50 Metros Deitado, “uma clara alusão aos bons tempos da Guerra da Secessão, quando um bom homem podia pegar sua carabina, deitar no jardim e transformar em alvo qualquer coisa que se movesse a 50 metros de distância”.

Em seguida, foi a vez das regatas de vela, levantamento de peso e, “quando o relógio marcava 5h58 da manhã e a jornada pela natureza humana parecia completa, uma última zapeada pelos canais revelou um tesouro: Austrália e Taiwan, pela fase preliminar do softbol”.

O desenrolar da partida o fez questionar qual evento da saga humana estaria sendo parafraseado, mas, após Tzu-Hui Pan tropeçar no próprio taco, ele descobriu: era uma pungente homenagem à tragédia.

Linguagem contida distingue seleção acima da média

Posted: 16th julho 2012 by Vanessa Barbara in Clipping
Tags:

Figuras familiares, viagens e a presença do estrangeiro e ditaduras latinas são temas recorrentes na “Granta”

Folha de S.Paulo – Ilustrada
16 de julho de 2012

por Adriano Schartz

Logo no quarto texto da antologia da “Granta”, o conto “O Que Você Está Fazendo Aqui”, de Luisa Geisler, surge uma personagem chamada Meike (“As coxas dela se tocam quando ela fica em pé. Ela é linda. Nunca estaria na capa de nenhuma revista. É linda, loira, aqueles olhos verdes”).

Mais para o final do volume, em “Fragmento de um Romance”, de Carola Saavedra, o nome reaparece, quase igual, agora é Maike, a irmã perfeccionista da narradora da história.

Talvez estivesse aí um bom modo de escrever esta resenha difícil: apontar coincidências, pontos em comum entre os 20 “melhores jovens escritores brasileiros” selecionados pela revista.

TEMAS RECORRENTES

Mostrar como certas figuras e temas (o pai ou a mãe, a viagem e a presença do estrangeiro, as ditaduras latino-americanas) são recorrentes ou quase inexistentes (o sexo), ou discutir a dominância de narrativas em primeira pessoa, muitas delas de caráter semibiográfico.

Quem sabe constatar como tantos desses jovens estão ligados profissionalmente ao universo do texto (resenhistas, jornalistas, editores, muitos com mestrados ou doutorados em letras, não mais médicos, advogados ou funcionários públicos…).

Ou também especular qual imagem esse ente estranho para alguns, conhecido como “a literatura brasileira”, adquire aos olhos dos tantos leitores de outros países que terão contato com a antologia.

Talvez interessasse discutir também os critérios da seleção, recordar um ou outro nome ausente.

POUCO RISCO

Outro caminho seria afirmar que o nível médio dos 20 contos e trechos de romance é bastante bom, ainda que a contenção da linguagem seja uma marca mais presente do que o risco (a principal exceção aqui é a “Natureza-morta”, de Vinícius Jatobá).

Nomear os destaques, aliás, teria possivelmente relevância: “Noites de Alface”, de Vanessa Barbara, tem o melhor início, um parágrafo forte que termina com um definitivo “Desde então, a casa sem Ada é de gavetas vazias”.

Também impactantes são os textos de Emilio Fraia (“Temporada”), Cristhiano Aguiar (“Teresa”), Javier Arancibia Contreras (“A Febre do Rato”) e a carta do pai, de Leandro Sarmatz (“Você Tem Dado Notícias?”).

“Animais”, o conto de Michel Laub que abre o volume da “Granta”, é perturbador em seu inventário numerado de mortes de bichos e homens (“1. Quando eu tinha onze anos, em Porto Alegre, meu cachorro Champion foi morto pelo dobermann do vizinho.”), mas, como acontece tantas vezes na obra dele, é calculado demais, contido demais.

Há, enfim, várias alternativas. Esta é de fato uma resenha difícil.

**

ADRIANO SCHWARTZ é da USP e autor de “O Abismo Invertido – Pessoa, Borges e a Inquietude do Romance em ‘O Ano da Morte de Ricardo Reis'” (ed. Globo).

GRANTA – os melhores jovens escritores brasileiros
AUTORES vários
EDITORA Alfaguara
QUANTO R$ 34,90 (288 págs.)
AVALIAÇÃO bom

Cadernos Expedicionários – Cartão postal

Posted: 14th julho 2012 by Vanessa Barbara in Cadernos Expedicionários
Tags: , ,