Folha de S.Paulo – Ilustrada
16 de julho de 2012

por Vanessa Barbara

Meu irmão é um grande entusiasta dos Jogos Olímpicos, sobretudo em suas manifestações menos heroicas.

Desde março, ele vem se preparando para acompanhar as transmissões televisivas do maior número possível de eventos, num calendário meticulosamente engendrado para encampar vigorosas competições de pentatlo, inesquecíveis peladas de badminton e torneios de esgrima de sabre individual feminino, que para ele serão os destaques do torneio que se inicia no próximo dia 27.

Nos Jogos de Pequim 2008, ele fez questão de tirar duas semanas de férias, enfrentadas com pouco banho e grande alegria, durante as quais redigiu um diário filosófico.

Nele, comenta minuto a minuto a prova de adestramento, que é, sem dúvida, a mais desafiadora para o narrador esportivo.

São três longas horas nas quais “o importante é que o cavalo seja bem adestrado, não no sentido de estar adestrado, e sim no sentido de ser adestrado” (comentarista A). O interessante, nesse esporte, é “estudar o olhar sereno do cavalo, conduzido em maestria pelo seu mestre e senhor” (comentarista B).

Há tempo de sobra para botar as novidades em dia, atualizar o quadro de medalhas (o Tadjiquistão é a surpresa do judô feminino até o momento) e discorrer sobre a vida. “Nesse momento é fundamental que o Animal e o Homem sejam um só, pois o trotar só se torna natural quando o conjunto une não só as mentes, como também os corações” (comentarista A, com o aval do comentarista B).

Ainda relembrando os Jogos de Pequim, ele fala com saudades da noite de 15 de agosto, uma verdadeira ode à história da humanidade, a começar pela prova de Tiro Carabina 50 Metros Deitado, “uma clara alusão aos bons tempos da Guerra da Secessão, quando um bom homem podia pegar sua carabina, deitar no jardim e transformar em alvo qualquer coisa que se movesse a 50 metros de distância”.

Em seguida, foi a vez das regatas de vela, levantamento de peso e, “quando o relógio marcava 5h58 da manhã e a jornada pela natureza humana parecia completa, uma última zapeada pelos canais revelou um tesouro: Austrália e Taiwan, pela fase preliminar do softbol”.

O desenrolar da partida o fez questionar qual evento da saga humana estaria sendo parafraseado, mas, após Tzu-Hui Pan tropeçar no próprio taco, ele descobriu: era uma pungente homenagem à tragédia.