Último Segundo – SP
01/07/2008 – 16:28

por Marco Tomazzoni

SÃO PAULO – Para um jovem autor, publicar o primeiro livro pode ser considerado um desafio. Dois ao mesmo tempo, então, é algo quase impensável. Pois para a paulistana Vanessa Barbara, 26 anos, aconteceu assim mesmo: chegam quase simultaneamente às livrarias “O Livro Amarelo do Terminal” (CosacNaify, 254 pgs) e “O Verão do Chibo” (Alfaguara, 120 pgs, escrito em parceria com Emilio Fraia), que serão lançados nesta semana na 6ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip.

A trajetória até as prateleiras percorreu um caminho breve, mas acertado. Dona do “Hortaliça”, espécie de fanzine publicado “de quando em quando” na Internet desde 2002, Vanessa chamou atenção na web pela mistura surreal de textos que vão desde a “gestação dos sapos” à “força de aceleração centrípeta do rodopio das baianas da Viradouro”.

Tradutora e também jornalista, é colaboradora desde a primeira edição da revista piauí, onde já escreveu, como mesmo conta, reportagens sobre “hipnose, telemarketing, astrologia, ioiô e anões”. A singularidade desses assuntos se reflete nos textos, uma mistura de inusitado, fantasia, nonsense e lirismo.

A necessidade de um trabalho de conclusão de curso motivou a autora a procurar tema para um livro-reportagem, e o resultado foi um relato original da minicidade que é o Terminal Tietê, em São Paulo, a maior rodoviária da América Latina. Entrevistas, material de arquivo, relatos tocantes e personagens curiosos são costurados capítulo após capítulo naquilo que foi descrito pelo documentarista João Moreira Salles como um “épico do transporte viário”.

O paralelo com “O Verão de Chibo”, apesar de uma leve proximidade no absurdo das situações, não é automático. Enquanto os causos do terminal são crônicas, produzidas em sua maioria em 2003, “O Verão do Chibo” é a estréia de Vanessa na ficção, ao lado do amigo Emilio Fraia. O romance, iniciado numa oficina da Flip de 2004 e concluído recentemente, narra as fantasias de um garoto durante suas férias no campo. Imerso na mata e em um milharal, ele maquina tramóias secretas que envolvem caras mortos, aventuras marítimas, conspirações no reino da Bulgária e o sumiço de seu irmão Chibo, em uma narrativa nada infantil sobre a chatice do amadurecimento.

Vanessa participa na quinta-feira (03), às 10h, da primeira mesa de debates da Flip. Ao lado dos também escritores Michel Laub, Adriana Lunardi e do parceiro Emilio Fraia, ela representa uma parcela da nova geração da literatura brasileira. Em entrevista por email ao Último Segundo, a autora falou sobre seus dois trabalhos publicados, motivações, a cumplicidade com Fraia e, nas respostas, dá um gostinho do texto que vem arrebatando crítica e admiradores.

Por que fazer um livro sobre a rodoviária de São Paulo?
Queria fazer um livro sobre as ruas de São Paulo, mas teria que falar de calçadas, semáforos e meios-fios, então acabei escolhendo a rodoviária porque é o lugar que mais se parece com a rua. O terminal traz histórias que ilustram contradições da metrópole: a modernização, o movimento repetitivo das pessoas que vão-e-vêm sem pensar, a inconstância, a idéia de massas; e, por outro lado, a sensação de não-pertencimento, a vontade de retornar ao lugar de partida, o anacronismo dos personagens, a permanência – aquilo que nunca muda. “Tietê” vem do tupi: “té é té”, um rio que se mostra “muito fundo e corrente” e corta a cidade.

“O Livro Amarelo do Terminal” é descrito como um livro-reportagem, mas não é um exemplar “específico” do gênero. Como você o define? No início ele tinha mesmo a intenção de ser essencialmente material jornalístico?
É um livro-reportagem com crise de identidade, disfarçado de lista telefônica. Foi um projeto experimental de conclusão do curso de jornalismo, que inicialmente era pra ser de crônicas. Aos poucos, foi virando outra coisa porque a pura observação não seria suficiente: eu teria que falar com as pessoas e fazer recortes, inserir diálogos, inventar capítulos e pesquisar bastante. De qualquer forma, gosto do gênero (crônica) e tentei misturar os registros tanto quanto possível.

Como foi feita a pesquisa para o material histórico do livro?
Fui atrás de recortes de jornais da época, o que é muito mais difícil do que parece. Encomendei uma pesquisa no arquivo da Folha de S. Paulo e microfilmei exemplares do Estadão no Arquivo do Estado. Encontrei edições de A Gazeta da Zona Norte numa biblioteca municipal em Santana. Copiei outras coisas e fui achando clippings do Jornal da Tarde e da revista “A Construção São Paulo” na Casa da Memória Paulistana. Foi um processo lento e difícil, com ofícios e telefonemas para todos os lados. Também pesquisei na internet e procurei testemunhas da inauguração do terminal.

Quais foram as experiências mais incríveis que você vivenciou na rodoviária? É surreal como você descreve ou o texto está um pouco temperado?
Quatro freiras consecutivas e uma senhora que acende velas no Malex é uma coisa incontestável. Talvez eu tenha um olhar esquisito para selecionar os fatos, sim, mas qualquer cidadão respeitável que espera um ônibus no Tietê pode ver que alguma coisa não está bem. A rodoviária é uma cidade profunda e corrente que corta a metrópole, cheia de falas solenes, histórias estranhas e gente perdida.

Você lança também na Flip um livro com Emilio Fraia. Como essa história começou? E de que maneira essa parceria foi operacionalizada: vocês escreviam juntos ou trocavam colaborações? Dá para reconhecer o que é de quem no resultado final?
O Emilio tinha um fanzine na Internet chamado “Givago” e a Vanessa escrevia “A Hortaliça”. Começamos a trocar emails e descobrimos que morávamos no mesmo bairro (o Mandaqui) e fazíamos a mesma faculdade, o que era uma coincidência incrível – é um bairro tão longe que segue até um fuso horário diferente. Um dia, escrevemos juntos um conto sobre o sumiço de um vibrafone. Participamos de uma oficina literária com o Milton Hatoum, na Flip de 2004, e enviamos projetos de romances para concorrer a uma bolsa. Naturalmente não ganhamos porque o livro da Vanessa continha trechos do “Manual de refrigeração e ar condicionado” (Editora Fulton, 1329 pp.), e o do Emilio tinha como protagonista um isqueiro. Depois de suportar o peso da nossa genialidade incompreendida, tivemos a idéia de fazer um romance que começasse com um tiroteio de balas de goma. Começou assim. A idéia inicial era escrever um livro que falasse da dificuldade de dizer coisas importantes, de se comunicar com o outro e de criar besouros campeões. O Emilio escrevia um trecho, eu sapateava e devolvia por email. Foi um processo lento que demorou 2 anos e meio. Hoje não sabemos quem fez o quê, e se tal trecho é meu ou do Emilio. Há certas passagens que não fazemos idéia de quem é a culpa.

Como foi para você mergulhar no universo de um menino? Foi fácil enxergar por esse olhar ou, para você, o ideário é similar ao de uma garotinha?
Não vejo diferenças… o narrador (Menorzinho) é confuso e assustado, e odeia brincar de esconde-esconde. Eu fui um Menorzinho e o Emilio também. Nós repartíamos o cabelo ao meio. Nunca vi muito sentido em falar de “literatura feminina”, senão teria que me incluir na turma da “literatura de baixinhos” e “literatura de gente que não sabe falar ao telefone”.

Como é que você define a “Hortaliça”? É o caso de chamar de almanaque mesmo?
É o único periódico do mundo que sai “de quando em quando” – quer dizer, possui uma periodicidade definida, os leitores é que não sabem. Ela é baseada na gestação dos sapos e na força de aceleração centrípeta do rodopio das baianas da Viradouro. Enfim: é uma mistura de fanzine com almanaque e jornalzinho, com textos alheios tirados do contexto e textos próprios sem razão de ser.

O seu trabalho na Internet ajudou bastante para que você conseguisse ser publicada, com dois livros praticamente simultâneos? Ou é resultado de um trabalho contínuo no ramo jornalístico e editorial?
O “Livro Amarelo” foi escrito em 2003, então não se pode dizer que foi exatamente simultâneo. Mesmo assim, tudo influi, tanto a internet quanto a experiência jornalística (na revista piauí) e editorial (comecei como preparadora de originais na Companhia das Letras e na CosacNaify, depois fui fazendo aparatos e traduções). A “Hortaliça” me ajudou muito porque é um meio onde se pode escrever o que dá na telha na hora que quiser e para quem quiser, então a liberdade é única – tanto que a edição “bobice indomável” atingiu recordes de audiência.

O que transpassou de um livro para o outro? Você nota influências do “Livro Amarelo” no “Verão de Chibo” e vice-versa?
Acho que os dois têm muita coisa em comum, principalmente no olhar. É claro que todo mundo quer ter um estilo tão particular que inviabilize as cartas anônimas – mas é uma pergunta difícil de responder. Não sei, espero que sim.

E agora a parte fácil (ou não): quem são teus heróis na literatura, que influenciam teu trabalho?
Para o “Livro Amarelo”, li muitos jornalistas literários e escritores como Joseph Mitchell, Gay Talese, Truman Capote, Hemingway, John dos Passos, João do Rio, Rubem Braga, Luis Fernando Verissimo, George Orwell, Charles Dickens e até um quadrinista, o Will Eisner. Na literatura, gosto de Flaubert, Cortázar, Borges, Kafka, Campos de Carvalho, Cervantes, Sterne, Drummond, Poe e Lewis Carrol.

O Verão do Chibo – Playboy

Posted: 1st julho 2008 by Vanessa Barbara in Clipping
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Revista Playboy
01/07/2008

Flip 2008 – Recortes

Posted: 1st julho 2008 by Vanessa Barbara in Clipping
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http://recorte.org/flip2008/wp-content/themes/default/images/kubrickheader.jpg

 

Vanessa Bárbara é jornalista. Chegou a cursar Ciências Sociais, mas não concluiu. O Livro Amarelo do Terminal, que será lançado pela Cosac & Naify durante a FLIP foi seu trabalho de conclusão na faculdade de Jornalismo. Sua vida profissional começou na Companhia das Letras como preparadora de originais, atividade que ainda exerce. Aos poucos foi se envolvendo em outras fases do processo de produção de livros além de começar a fazer traduções. Cabeça-tubarão, de Steven Hall (Companhia das Letras) é um exemplo. Atualmente está traduzindo Três vidas, livro de novelas de Gertrude Stein que será lançado pela Cosac & Naify e o Guia da Molvânia, com lançamento previsto para o final do ano pela Companhia da Letras.

Em sua primeira participação na FLIP, Vanessa Bárbara chega com tudo. Além do O Livro Amarelo do Terminal e O Verão do Chibo (Alfaguara, 2008), escrito em parceria com Emilio Fraia, Vanessa preparou o livro de José Miguel Wisnik e revisou a segunda prova do livro de Humberto Werneck.

Vanessa trabalha como jornalista para a revista piauí (com letras minúsculas mesmo) desde o primeiro número. Escreve reportagens, esquinas, horóscopos e o que mais aparecer. “Por causa da piauí, tenho diplomas de hipnose, telemarketing e astrologia, cobri campeonato de ioiô e maratona de samba, enfim, só coisas realmente relevantes” diz ela.

A idéia do livro O Verão do Chibo escrito em parceria com Emilio Fraia, surgiu durante a FLIP 2005, quando os dois participaram de uma oficina literária ministrada por Milton Hatoum. Em 2006 começaram a escrever.

Há seis anos e 72 edições, Vanessa mantém a Revista Eletrônica A Hortaliça. Mora no Mandaqui, bairro da Zona Nordeste de São Paulo e não gosta de polvo.

Participação na FLIP
Quinta-feira, 03 de julho
10h – Mesa 1 – Primeiro Tempo
Adriana Lunardi, Emilio Fraia, Michel Laub e Vanessa Barbara, Mediador: João Moreira Salles

Mundos em miniatura

Posted: 28th junho 2008 by Vanessa Barbara in Clipping
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RODAPÉ LITERÁRIO

São Paulo, sábado, 28 de junho de 2008
MANUEL DA COSTA PINTO

COLUNISTA DA FOLHA

 


Romance de Emilio Fraia e Vanessa Barbara e livro-reportagem da escritora marcam estréia literária


 

COM UMA ficção em parceria com Emilio Fraia e uma reportagem em tom de crônica, sobre o terminal de ônibus do Tietê, em São Paulo, Vanessa Barbara conseguiu fazer miniaturas de mundo com experiências localizadas no tempo e no espaço. É essa sensibilidade para o minúsculo que chama a atenção em dois livros recém-publicados.

O romance “O Verão do Chibo” foi saudado por conta da autoria a quatro mãos, mas não se percebem grandes alternâncias estilísticas. Sua qualidade é de outra ordem: reside na capacidade ímpar de incorporar o olhar de um garoto que transforma seus jogos com os amigos em aprendizado das relações afetivas e sociais.

O enredo se passa durante as férias do narrador e se desenrola quase exclusivamente num milharal em que os meninos da turma (incluindo Chibo, seu irmão mais velho) travam uma guerra de brincadeira. O intervalo de tempo (férias de verão) e o recorte geográfico (sítio interiorano) compõem um “correlato objetivo” da infância: materializam ficcionalmente o período de duração de fantasias que logo se chocam com uma realidade “adulta” pressentida apenas por seus efeitos -e que por isso permanece ameaçadora.

Aparece no livro aquilo que faz parte de um imaginário clássico da infância: a casa no tronco da árvore, a “zona proibida” e a transformação de tampas de garrafa e miolo de pão em utensílios de uma micro-sociedade com hierarquias e coordenadas próprias.

Sem cair numa linguagem infantilizada, Fraia e Barbara -que estarão na Flip- não se desviam do horizonte mental da criança que lida com o desaparecimento de Chibo ou com o surgimento de “homens barbudos de galochas” como capítulos de um enredo fantasioso.

Mas, ao longo do livro -que não deixa de ser um romance de formação em chave lúdica-, o narrador vai conectando esses seres alienígenas e acontecimentos misteriosos ao mundo de fora, aos lavradores que trabalham no milharal e ao fato de que “a gente passa pro outro lado”.

E o que encontramos do outro lado é justamente o caótico jogo adulto que Vanessa Barbara reconstitui em “O Livro Amarelo do Terminal”. Com base em reportagem sobre o terminal do Tietê, ela reuniu um caleidoscópio de histórias sobre pessoas que passam pelos corredores desse formigueiro humano, sobre as siglas e os códigos que regem um microcosmo cuja estrutura administrativa emula os meandros mais sinistros de nosso sistema político. Enfim, um outro mundo em miniatura, cujo lirismo e disparate nada ficam a dever às fantasias e traumas da infância.


O VERÃO DO CHIBO
Autor:
Emilio Fraia e Vanessa Barbara
Editora: Alfaguara
Quanto: R$ 23,90 (120 págs.)
Avaliação: bom

O LIVRO AMARELO DO TERMINAL
Autor:
Vanessa Barbara
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 35 (256 págs.)
Avaliação: bom

O Verão do Chibo – Guia da Folha

Posted: 27th junho 2008 by Vanessa Barbara in Clipping
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Folha de S. Paulo – Guia da Folha
27/06/2008

Chibo, seus pais & o verão

Posted: 23rd junho 2008 by Vanessa Barbara in Clipping
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Segunda, 23 de junho de 2008, 08h22
Terra Magazine
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI2965917-EI6787,00-Chibo+seus+pais+o+verao.html

Paulo Scott
De Porto Alegre (RS)

Alguns me acusam de usar as indicações de leitura deste espaço como subterfúgio para empurrar goela abaixo do leitor minhas convicções de ordem política, acadêmica, existencial etc. Não é verdade, procuro apenas mostrar o contexto que justificou minha escolha de leitura e recomendação.

Diferentemente do cinema, ou do teatro, a literatura é algo que o seu idealizador resolve sozinho, basta algumas folhas de papel e uma caneta ou, no máximo, um computador que funcione. Tem um cineasta gaúcho que, em nossas conversas, sempre enfatiza ter como principal meta ser escritor, pois quando isso acontecer não dependerá mais de ninguém, será o governante absoluto da sua criação, será o autor, autor com letra maiúscula.

Há um quê de vaidade nessa pretensão.

Um diretor de cinema, dentro dos padrões ordinários dessa sua arte, jamais poderá dizer “este resultado é 100% meu”, pelo simples fato de que jamais poderá executar todas as funções sozinho (estou simplificando?).

No fundo, é uma questão de autoria. Um escritor não precisa de equipe (os revisores não contam, sua função é o acerto gramatical), escritor gosta da noção de que tudo a ser criado na sua obra dependerá exclusivamente dele, o peso de um mau resultado será exclusividade sua também.

Daí o ângulo esdrúxulo de uma obra literária dividida a quatro, seis, oito mãos. É necessária uma generosidade (e também uma parcimônia) fora do natural da atividade. Não bastarão conselhos, dicas, sugestões.

Há perda de autonomia quando há pluralidade de julgamento: há concerto em sua plenitude. Há risco de não haver personalidade. E o leitor a quem acusará? E a marca do escritor? Conjecturas para destacar a atualidade.

Num mundo em que o rótulo da autoria perdeu sua pompa, pois tudo é rápido demais e apropriável demais – a não ser que haja uma revolução autoritária (não é minha intenção o trocadilho) que aniquile a circulação quase plena conquistada pela internet -, a tendência é o concerto (o verbo como manifestação cultural é concerto, surge do que nos foi emprestado por outros).

A internet possibilita o compartilhamento como não havia antes, e dessa dinâmica, me parece, surge uma preocupação abrandada quanto ao que de fato pertence a um, a outro. Penso que se acentua o que é mais propício ao diálogo, à troca. Mas não vamos longe.

Semana passada, ganhei de presente um exemplar da obra “O verão de Chibo” (Rio de Janeiro: Alfaguara, 2008), escrito pelas mãos de Vanessa Barbara e Emilio Fraia. Li as perto de cem páginas de textos em menos de vinte e quatro horas e gostei bastante do resultado. Deixo de lado a constatação óbvia de que tudo é uma questão de gosto – sei de amigos que detestariam a ousadia narrativa do livro -, para salientar que a história engendrada pelos co-autores está na linha do que considero o que há de mais aprazível na literatura contemporânea (não apenas a nacional).

Onde pretendo chegar?

“O verão de Chibo” é um livro feito a quatro mãos e que funciona bem. Não é original – outras parcerias notórias já ocorreram (e outras ainda ocorrerão) no curso histórico da literatura -, mas é exitoso e me fez imaginar como é possível a generosidade na criação literária. Teimo em achar que em uma criação desse tipo o seu processo jamais se justificará apenas na amizade.

Parece-me que se trata de perceber limites e desfazê-los, de outorgar ao outro a condição de destino e vivê-lo na falta de autonomia de buscar ser um só: ser o outro até quando ele esquece como é ser a parcela desse concerto.

Eis um livro maduro – muito bom de ler – saído não apenas do talento de seus condôminos, mas de uma escolha sem vaidade (tendo a acreditar) que demonstra um progresso, notável e sem retorno: uma experiência; válida, ainda que nesse terreno tão singular, e sem placa de vende-se, onde ardem as fogueiras da literatura.


Paulo Scott é autor de Histórias curtas para domesticar as paixões dos anjos e atenuar os sofrimentos dos monstros (Sulina, 2001), sob o pseudônimo Elrodris. Também publicou o livro de contos Ainda orangotangos (Livros do Mal, 2003; Bertrand Brasil, 2007), Voláteis (Objetiva, 2005), A timidez do monstro (Objetiva, 2006) e Senhor escuridão (Bertrand Brasil, 2006).

Fale com Paulo Scott: pscott@terra.com.br

As vozes originais da Flip

Posted: 21st junho 2008 by Vanessa Barbara in Clipping
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O Estado de S.Paulo
21/06/2008

por Ubiratan Brasil

Grandes nomes internacionais são habitualmente o grande atrativo da Festa Literária Internacional de Paraty, cuja sexta edição começa no dia 2. E, neste ano, o leque vai do dramaturgo inglês Tom Stoppard à historiadora da

psicanálise Elizabeth Roudinesco. Um olhar mais apurado, no entanto, é capaz de detectar autores ainda não tão conhecidos mas cuja obra, se fosse um time de futebol, certamente estaria na Série A da literatura nacional.

É o caso do gaúcho Vitor Ramil e dos paulistanos Vanessa Barbara e Emilio Fraia. O primeiro, também cantor e compositor, chamou atenção quando lançou Pequod, em 1995, um instigante livro de memórias não apenas sobre fatos realizados, mas também de momentos não experimentados ou então vividos mas não lembrados. Na Flip, Ramil vai discutir sobre sua nova obra, Satolep (Cosac Naify, 288 páginas, R$ 39), uma nova incursão ao passado, dessa vez, de sua cidade natal, Pelotas.

Já Vanessa e Fraia encontraram uma rara afinidade estilística para escrever O Verão de Chibo (Alfaguara, 120 páginas, R$ 23,90), uma pequena jóia que trata dos mistérios que cercam o amadurecimento. Juntos, eles vão participar da primeira mesa da Flip, no dia 2, que vai reunir ainda Adriana Lunardi e Michel Laub. Chamado de ‘Primeiro Tempo’, o encontro deve discutir o trabalho dos autores que já podem ser incluídos entre os mais originais da nova geração nacional.

Ramil, que vai dividir o debate com o americano Nathan Englander e o argentino Martín Kohan, no dia 3, trabalhou com músicos e arranjadores como Egberto Gismonti, Wagner Tiso, Luis Avellar, Zizi Possi e Tetê Espíndola, entre outros. Graças a um estilo apurado, era inevitável sua incursão pela literatura, instrumento pelo qual cria diários de viagem em que a sensibilidade conduz a ação, em vez de se limitar a um retrato fiel do passado.

A escrita da região do Rio da Prata também influenciou Vanessa Barbara e Emilio Fraia, que miram no feliz encontro dos argentinos Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares. Estes, unindo idéias e estilos, alcançaram uma voz narrativa coesa. ‘Quando duas pessoas escrevem juntas, e não são vaidosas, o resultado é melhor do que quando trabalham separadas’, disse Casares, abrindo caminho para os jovens paulistanos.

De alunos a escritores convidados

Os caminhos de Vanessa Barbara e Emilio Fraia, apesar de muito próximos, demoraram para se cruzar. Ambos nasceram no mesmo ano de 1982, no bairro paulistano do Mandaqui. Embora vivessem a uma distância de 200 metros, demoraram para se conhecer. Mesmo assim, desfrutaram as experiências semelhantes na infância, estudaram na mesma faculdade, mas só notaram uma afinidade quando o fanzine de um começou a chamar a atenção do outro e vice-versa. ‘A idéia de escrever um livro em conjunto surgiu logo que a conheci’, conta Fraia.

O primeiro teste para verificar a possibilidade de um trabalho conjunto aconteceu em 2004, quando Vanessa e Fraia participaram de uma oficina para jovens escritores, ministradas por Milton Hatoum, na Festa Literária Internacional de Paraty – justamente a mesma Flip que agora os acolhe como autores convidados. ‘Mas nosso projeto, em 2004, não foi aceito’, diverte-se Vanessa.

Tratava-se de uma forma original de dar voz a objetos – Fraia, aliás, já havia escrito um conto sobre o sumiço de um vibrafone. Sem desanimar, a dupla não desistiu e, em 2005, iniciou o trabalho que resultou em O Verão de Chibo. O livro concentra-se nas aventuras de férias de um menino que, presume-se, tem 7 anos. Mesmo brincando em meio a um espesso milharal e cercado do amigos, o garoto percebe que se trata de um verão diferente, pois Chibo, seu irmão mais velho, some misteriosamente. Logo, o mesmo parece acontecer com os outros meninos.

A narrativa, no entanto, não é linear, como se um adulto recuperasse instantes de sua infância. Tampouco é a tentativa de recriação por meio de uma voz infantil – Vanessa e Fraia alternam sutilmente o ponto de vista do narrador, que se revela tão surpreendido como os outros personagens com o desenrolar dos fatos. Com isso, construíram uma história sobre a dificuldade de se expressar.

O ponto de partida, segundo Vanessa, foi uma frase de Stephen King, famoso criador de histórias de suspense, para quem as coisas mais difíceis são as que não se expressam. ‘Foi isso que nos guiou a definir o narrador, que sofre com a opacidade do mundo externo’, comenta Fraia. ‘Não se trata de uma narrativa realista, mas a estrutura leva a isso.’

Foi um trabalho exaustivo para unir idéias e definir estilo até alcançar uma voz narrativa coesa. Vanessa e Fraia – que, aliás, não formam um casal, apenas são bons amigos – leram diversos livros de aventura, mas com a intenção de se afastar do veloz ritmo narrativo, típico do gênero. Preferiram a aventura totalmente humana oferecida pela obra de

Gustave Flaubert. O cinema foi outra preciosa fonte de pesquisa, em filmes como Os Incompreendidos, de François Truffaut. Não à toa que a epígrafe escolhida é um diálogo de Brinquedo Proibido, longa de René Clément que mostra como duas crianças criam estruturas mentais para sobreviver ao horror dos combates da 2ª Guerra Mundial.

Também se apoiaram, claro, no trabalho conjunto dos argentinos Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares, cuja parceria começou com uma inocente publicidade para um iogurte. ‘Com eles, aprendemos que é preciso ter uma admiração mútua para o trabalho vingar’, observa Vanessa que, na Flip, lança também um trabalho-solo: O Livro Amarelo do Terminal (Cosac Naify).

Curiosamente, ao longo do ano e meio que durou o trabalho conjunto, ela e Fraia mantiveram poucos encontros – os acertos eram feitos exclusivamente pela troca de e-mails e telefonemas. Foram inúmeras viagens de texto pela rede mundial, em que a proposta de um era aprimorada pelo outro. Desavenças? ‘Bem, uma vez fiquei assustada quando ele propôs matar um personagem’, lembra Vanessa. ‘Acabei não aceitando.’

Chegaram, por fim, ao livro, que será lançado na quinta-feira, na Livraria da Vila Madalena. E a dedicatória não surpreende: ao Mandaqui, onde, afinal, tudo começou.

Um terno romance a quatro mãos

Posted: 20th junho 2008 by Vanessa Barbara in Clipping
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Valor Econômico
20/06/2008

O verão do Chibo – Pensar Enlouquece

Posted: 20th junho 2008 by Vanessa Barbara in Clipping
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Sexta, 20 de Junho de 2008

O verão do Chibo

Que outro livro é lançado com uma promoção na qual você profere a palavra “pudim” na fila de autógrafos, ganha um desconto de 10% na aquisição de 2 mil exemplares e mais um par de pantufas na forma de brotoejas gratinando picles? O prego, como bem afirmou Manoel de Barros, é uma coisa indiscutível. Da mesma maneira, sequer me passa pela cabeça a possibilidade de que existam pessoas incapazes de vislumbrar sentido nas crises de apendicite e desperdiçar a chance de conhecer pessoalmente Vanessa Barbara e Emilio Fraia, gênios bivitelinos que compartilharam as aulas da Nanami na Cásper Líbero, nasceram no ano da graça de 1982 e acabaram de lançar o livro O verão do Chibo.

O Verão do Chibo, livro de Vanessa Barbara e Emilio Fraia.Emilio e Vanessa, autores profícuos com diversas obras publicadas pela Editora Google, tiveram passagens conturbadas pelas redações da revistas como Trip e Piauí antes de sucumbirem à tentação de buscar escrever o Grande Romance de Formação Ambientado em um Campo de Milho. Isto posto, cabe a mim compartilhar a informação de que esta dupla do barulho, após aprontar altas confusões na Sessão da Tarde gravando covers das guarânias dodecafônicas de Honorio Bustos Domecq, receberá amiguinhos & inimiguinhos para a sessão de autógrafos de O verão do Chibo na quinta, dia 26 de junho, a partir das 19 horas, na Livraria da Vila. Vanessa e Emílio informam ainda que receberão amigos, familiares, penetras e hortifrutigranjeiros para um convescote na Flip 2008, dia 3 de julho, na companhia de Michel Laub e Adriana Lunardi.

Com absoluta exclusividade mundial e após sucessivas e progressivas chantagens emocionais, disponibilizarei, após os indefectíveis cinco asteriscos que dividem os posts deste blog, um trecho de O verão do Chibo, como uma espécie de acepipe caramelizado e coberto com flocos chocantes do livro escrito por Vanessa Barbara e Emilio Fraia.

* * * * *

“Lembro da primeira vez que vi a plantação. O Chibo me trouxe pela mão, me colocou sentado numa pedra. Pediu para eu não sumir de vista, nem sujar a bermuda, e foi com o Bruno para a beira do laguinho apostar corrida de besouro. O sol, alto e mole, castigava o Cabelo que tinha o nariz coberto de pomada. Ele era o juiz e me olhava desconfiado entre um grito e outro da torcida. Tão logo os cascudos cruzaram a linha de chegada (vitória do Chibo sob vaias do Bruno), o Cabelo veio e perguntou se eu sabia o que era uma bolha de sabão. Fiz que não e ele achou graça. Depois me ensinou sua careta favorita, a boca um pouco mais torta, o olho virado, assim, e em pouco tempo eu e o Cabelo tínhamos nosso próprio besouro, que era o mais rápido e desbancou todos os outros do milharal.

Vanessa Barbara, hortifrutigranjeira.“Com o Bruno foi diferente. No início ele mal falou comigo, não me queria por perto. Ou então duvidava que eu pudesse entender o que ele dizia (daí ficava quieto). Depois isso melhorou, mas não muito. Tinham coisas que ele só contava ao Chibo ou em voz alta quando saía entre os pés de milho. O Cabelo também era carta fora, mas a verdade é que ele não dava a mínima: estava ocupado demais com o nosso besouro campeão. O Cabelo era dedicado: adestrava o cascudo Bob falando enrolado. Botava o bicho na parte de cima da mão, prendia uma pata pra ele não fugir e começava a pregar a palavra: bloash-bloblo-bloarshbloblof. Aproximava o rosto para ouvir a resposta e retrucava bloarsh como se estivesse ensinando o besouro a separar as sílabas. No verão em que descobrimos o Bob cochilando debaixo de uma folha, o Cabelo passava as tardes em longos colóquios besourais, levava o mascote para conhecer o Bruno, botava o bicho perto das coisas a fim de ensinar o que eram. Um dia, enfim, parou de segurá-lo pela pata e fez dele o coleóptero mais rápido do milharal. Bob passeava pelos ombros e costas do Cabelo reclamando da vida, o Bob era nosso, o Bob era de nós dois e conquistou todo o mundo (além das competições de triatlo): lembro do Bruno deixando farelo de pão na modesta residência bobiana que ficava num vão da casa da árvore, lembro do estoque de recheios de bolacha que o Chibo e eu juntávamos pra ele, uma pilha em ziguezague de chocolate e morango. Nunca houve um besouro como o Bob. O Bruno e o Chibo viravam dias catando cascudos e testando um por um nas corridas, mas nenhum era tão bom. Além disso, o Bob brilhava no sol, era muito verde e redondo, parecia uma joaninha do submundo. O Cabelo ensinou o Bob a esfregar as patas quando queria comer, treinou o Bob em sessenta centímetros rasos com e sem obstáculos, levantamento de migalhas, natação na poça de cuspe, salto com vara. O Cabelo tornou o Bob sociável: ele ficava paradinho na mão da gente, tomava sol do lado do Bruno, vinha abanando o rabo quando abríamos o pote.

“Engraçado pensar que o Bob quase não voava. Às vezes ele planava, tranqüilo, mas não gostava muito. Preferia praticar atletismo ou apreciar (antes de dormir) a canção ‘Eu Sou um Bolinho de Arroz’, interpretada pelo Cabelo. O Bob, quando descansava direito, fazia um tempo de seis segundos e oitenta décimos, marca inédita em toda a história da plantação. Os demais concorrentes corriam em círculos, afundavam na terra, saíam voando ou chegavam anos depois, molengos e com cheiro de mofo. Bob atravessava a pista com elegância, batia em falso as asinhas e jogava pra lá e pra cá a carapaça imponente. O Cabelo esperava no fim com uma toalha, eu com cinco tipos diferentes de berros, a gente ficava pulando e gritando enquanto o Bruno e o Chibo olhavam feio para a equipe deles — um amontoado de bichos com a mesma cara de pedra, verão após verão.

Emilio Fraia, o Givago-man.“Depois que o Bob morreu de doença nas coronárias, ou problemas abdominais a esclarecer (simplesmente parou e não se mexeu mais), a gente abandonou as corridas porque perdeu a graça. Ainda tentamos cutucar o Bob com um pauzinho, sussurrar bloarsh-boblof com um tom de impaciência (os braços abertos), mas ele tinha ido dormir. Estava cansado. Assim que o Bruno confirmou o passamento do nosso cascudo, confortando o Cabelo com a mão no ombro, observamos um minuto de silêncio. O Chibo não deixou ninguém ficar triste, e o que se viu em seguida foi o funeral mais suntuoso que houve nos lados de cá da árvore toda vermelha: meu irmão fez um discurso comprido, eu virei o meu short do avesso para parecer limpo e o Cabelo cantou ‘Eu Sou um Bolinho de Arroz’, alto e sem chorar, guardando todo o respeito que só as grandes personalidades inspiram. Hasteamos a bandeira e fizemos uma inscrição ao lado da árvore onde o Bob foi enterrado, dentro de uma caixa de chocolates: ‘Aos grandes homens, a pátria reconhecida’.

“Durante o discurso o Chibo falou muitas coisas bonitas, o destino, a pátria, a dura lei das estrelas (e outras que eu não entendi também), mas foi interrompido por um barulho de gafanhotos que crescia e nos cercava. Hoje, quando meu braço ardeu e eu peguei soluço, aconteceu igual. Os gafanhotos. Não dava pra saber de onde vinha o zumbido, vinha de toda parte e de parte alguma. Pensei numa combinação de inimigos; índios, piratas, lagartixas. Ou não é nada disso também, e corri sem saber direito por quê (talvez o Chibo e o Bruno estejam no escuro, do lado de lá, rindo de mim), ou porque eu estivesse exposto e atingido pelas estrelas. Ou perseguido pelo Cara Morto, que não está sozinho, é parte de uma organização invisível; o Cara Morto que manipula as estrelas”.

O inusitado das leituras pré-Flip

Posted: 17th junho 2008 by Vanessa Barbara in Clipping
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O Globo – RJ
17/06/2008

por André Miranda & Télio Navega