menstrual cup.

O Estado de São Paulo – Caderno 2
13 de junho de 2016

por Vanessa Barbara

Aviso ao leitor: este texto contém as palavras-chave “menstruação”, “vagina”, “cérvix” e “muco uterino” (ou necrose do tecido endometrial, que é bem mais dramático). Se o leitor tiver nojinho desses vocábulos ou sentir-se pessoalmente ultrajado pelo sistema reprodutor feminino, poupe-se desta crônica e vá direto para a tirinha do Calvin. O tema da próxima será: pingue-pongue. Ou asteriscos. Ainda não decidi.

No mês passado, resolvi parar de usar absorventes e adotar um coletor menstrual. Para quem não conhece, é um copo de silicone hipoalergênico que você introduz na vagina e lá ele pode permanecer por até doze horas, coletando o sangue com seriedade e determinação, sem incômodo ou a proverbial sensação de ter um tijolo de algodão entre as pernas. O mesmo coletor pode ser usado por anos, é só fervê-lo a cada período. Ao longo da vida, são utilizados 10 mil absorventes, que demoram um século para se decompor.

Tomada a decisão, só faltava aprender a usá-lo. Então, na época propícia, me tranquei no banheiro com as instruções e a confiança de quem já nadou com tubarões e fui em frente. (Ou melhor, fui atrás – um dos segredos é mirar o objeto em direção às costas, e não para cima.) O material é maleável e existem várias opções de dobra para a inserção.

Quinze minutos depois, e nada. Ficar nervosa é o pior que se pode fazer nessas situações; por isso botei uma música animada e tentei pensar em coisas divertidas, como aquele episódio do Pica-Pau em que ele bota fogo no piano. Em poucos segundos, deu certo: o copo se abriu num “plop” e aderiu à parede vaginal.

Nas sete horas seguintes, nem um pingo de sangue vazou na calcinha.

Aos homens desinformados que conseguiram chegar até aqui, explico que menstruar não é tão simples quanto os anúncios de TV fazem acreditar. (O sangue, por exemplo, não é azul.) Além das calcinhas arruinadas, temos de lidar com um cheiro de putrefação e a sensação de vazar pelo canto das pernas; você realmente sente quando um coágulo está descendo em toda a sua glória durante uma entrevista de emprego.

Mais tarde, houve certo nervosismo na hora de retirar, pois não conseguia encontrar a ponta. Já comecei a fantasiar meu discurso no pronto-socorro: “Pessoal, tem um coletor menstrual perdido no meu baço”. No momento, o celular tocava a Grande Valsa Brilhante, de Chopin, o que acrescentou uma inesperada carga cômica à situação.

Ao alcançar a ponta, não adianta tentar puxá-la, já que o vácuo mantém o copo firme no lugar. É preciso apertar a base a fim de remover o ar, e para tanto é necessário “parir” o material.

Num ímpeto final, puxei com muita força e o copinho voou, salpicando as paredes de sangue como em uma cena de Dexter. (Ao menos não há odor; o sangue não fica com cheiro ruim pois não teve contato com o ar.)

Ou seja: ecológico, higiênico e artístico. Não vejo a hora de praticar de novo.

Observação de varanda

Posted: 9th junho 2016 by Vanessa Barbara in Caderno 2, Crônicas, O Estado de São Paulo
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O Estado de São Paulo – Caderno 2
6 de junho de 2016

por Vanessa Barbara

A micose está para o podólogo assim como a varanda está para o cronista. Cada profissional escolhe um objeto de trabalho com seus chulés específicos e desafios mais ásperos; alguns se debruçam sobre os dedões e se interessam por joanetes, lixando calcanhares com o furor de quem ergue pontes; outros se debruçam sobre a janela e analisam com zelo científico as minúsculas ocorrências diárias, com o furor de quem tira unha encravada.

É verdade que saí de férias, mas fui vista trabalhando com afinco durante dias a fio, sem descanso, deitada na minha rede e apreciando a rua. É esse o meu nível de comprometimento com o leitor – inserir aqui vastos elogios ao profissionalismo da cronista, com cópia para o meu chefe – e se em alguns momentos pode ter parecido que cochilei, só estava tirando uns minutos para aprimorar mentalmente um parágrafo.

Um dia, por exemplo, vi três carros vermelhos estacionados em sequência na esquina do prédio. Achei que fosse um código para alguma coisa. Em outra ocasião, acompanhei com curiosidade um rapaz que estava caminhando tranquilamente por uma ruazinha próxima, quando deu meia-volta. Correu num pique tresloucado, sendo que não havia ninguém atrás dele; percorreu a ruazinha inteira, dobrou a esquina e por fim, após alguns segundos de suspense, chegou aonde queria: um degrau diante de uma casa onde ele havia esquecido o celular.

Já vi um acidente leve e várias brigas de bêbados, e teve o dia em que caiu um balão gigante numa casa das redondezas. Vieram uns malucos gritando numas motos, pularam o portão da casa, escalaram com destreza até o telhado, deram uma apagada parcial no fogo e fugiram correndo. Pouco depois apareceu um carro do Corpo de Bombeiros e duas viaturas de resgate pra apagar o resto do incêndio, que era um foco relativamente pequeno. Tudo em menos de quinze minutos diante do olhar de espanto dos moradores da casa.

Acompanhei a greve dos operários da construção de um dos prédios novos, quando eles sopraram apitos e vuvuzelas e se reuniram no portão até que lhes pagassem o salário. Assisti a uma Missa de Ramos na escadaria do fim da rua e vi uma procissão daquelas antigas com incenso e crianças vestidas de anjo. Perdi por pouco um caminhão de bombeiros entrando na contramão. E houve um fim de tarde em que eu e a vizinha ficamos em nossas respectivas sacadas fiscalizando por horas o pessoal da Eletropaulo enquanto eles instalavam um poste novo de luz.

Mas tenho reparado há meses que os moradores dos dois apartamentos de cobertura do prédio da frente estão sempre assistindo à TV, em geral no mesmo canal – e olha que eles têm varanda.

A varanda está para o cronista assim como o suco gástrico está para o endoscopista e as guerras púnicas para o historiador, e é com satisfação que comunico: estou de volta ao meu posto de observação.

Christina Hagerfors

Christina Hagerfors

The New York Times
May 1st, 2016

by Vanessa Barbara
Contributing Op-Ed Writer

SÃO PAULO, Brazil — “They lost in 1964, and now they have lost in 2016,” Jair Bolsonaro, a conservative congressman, said during the April 17 session when the lower house voted to move ahead with the impeachment of President Dilma Rousseff. With these words he sided with the “winners” of a military coup that overthrew a democratically elected government in 1964 and set the stage for 21 years of brutal military dictatorship.

Mr. Bolsonaro, a former army parachutist and a possible presidential candidate, dedicated his vote that day to the memory of Col. Carlos Alberto Brilhante Ustra, who headed the DOI-CODI, the intelligence agency responsible for suppressing critics during military rule. The congressman lauded Ustra as “the dread of Dilma Rousseff.”

He’s right about that. For three years in the early 1970s, the president, a former Marxist guerrilla fighter, was subjected to electric shocks on different parts of her body and suspended upside down from a rod by her wrists and ankles. She suffered internal bleeding and one of her teeth was knocked out by a punch from an interrogator.

Ms. Rousseff was only one of the estimated thousands of people tortured by the Brazilian military regime. The dictatorship was responsible for countless human rights violations, including arbitrary arrests, sexual violence and hiding dead bodies. According to a report from the National Truth Commission, at least 434 people were killed or disappeared during this period: journalists, students, teachers, doctors, farmers, trade unionists, lawyers, former politicians from the opposition, even a housewife, a diplomat and three Catholic priests.

Despite these well-documented atrocities, more than 30 years after the end of military rule some people in Brazil seem comfortable speaking in support of the military regime. During an anti-government protest last year, old ladies held signs that read: “Why didn’t they kill them all in 1964?” and “Dilma, it’s a pity they didn’t hang you at the DOI-CODI.” At family dinners and in taxicabs, you can hear talk of how things were better when the generals were in charge.

Brazil’s political class is caught in a huge corruption scandal. The government, led by the left-wing Workers Party, is unpopular, and Ms. Rousseff’s removal from office looks imminent. Under these conditions, it seems it has gotten easier to be an advocate of the far right, praising convicted torturers as if they saved the country from much worse terror.

Mr. Bolsonaro, who represents the state of Rio de Janeiro, is the most public face of this movement. He has been advocating for a return to military rule for more than 20 years but these days his message is finding new resonance. He was re-elected by his widest margin yet in 2014, and he’s the favored possible presidential candidate among rich Brazilians for the 2018 election, capturing 15 to 23 percent of their votes in recent polls. But he is hardly alone.

Alongside other conservative politicians, he belongs to the powerful “BBB caucus” — short for “bullet, beef and Bible,” since they represent the interests of security forces, agribusiness and evangelical churches. Not all of the caucus’s members are wistful for the days of the military regime — at least not openly — but they seem to prefer right-wing dictatorship to democratic government run by the left. One congressman wears a military uniform to work and refers to the 1964 coup as a “democratic revolution.”

Authoritarian nostalgia now seems to be a trend. Mr. Bolsonaro says that what Brazilian people miss most are the moral values of the military: “There was decency and respect for the family. Things today are disgraceful,” he said in an interview with a news website, specifically mentioning the legalization of marijuana as one of the many moral failings of today’s Brazil.

According to a 2014 poll, 51 percent of Brazilians think that the streets were safer during the military regime. “It was a wonderful time when you could walk in the streets with safety, and your family was respected,” Mr. Bolsonaro said in a TV interview. (I would add that it was true only as long as you or your family weren’t labeled by the government “subversives,” “terrorists” or “enemies of the state,” which could be anyone who dared to speak against the regime or even a mother asking questions about her murdered daughter.)

There is also a widespread perception that corruption, which is undoing the current government, didn’t exist in those days. That’s not true, of course. It’s now reported that under the military regime there were cases of the police working with drug traffickers, and governors taking bribes, among other examples of graft. What didn’t exist in those days was freedom of speech and a free press to denounce government misdeeds.

For Mr. Bolsonaro, surrendering Brazilians’ freedoms is a small price to pay “to have the teachers respected in the classroom” and “to be able to buy a revolver” in a department store.

But perhaps when Mr. Bolsonaro and his supporters pine for the days of family values, gun rights and respect for teachers, what they really miss is something else: a time when the conservative elites faced few challenges, when underprivileged people — minorities and the poor — couldn’t expect more than to have to follow orders.

In the past few decades, and especially since the Workers Party came to power 13 years ago, that reality has changed, even if incompletely. Now democracy means that every citizen is of equal status and everybody deserves a voice. Perhaps all this nostalgia for a military dictatorship is really about keeping people in their place.

Christina Hagerfors

Christina Hagerfors

The New York Times
1 de maio de 2016

by Vanessa Barbara
Contributing Op-Ed Writer

SÃO PAULO, Brasil — “Perderam em 64, perderam agora em 2016”, disse Jair Bolsonaro, um deputado conservador, durante a sessão do dia 17 de abril em que o Congresso aprovou o prosseguimento do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Com essas palavras, ele postou-se ao lado dos “vencedores” de um golpe militar que derrubou um governo democraticamente eleito em 1964 e abriu caminho para 21 anos de uma brutal ditadura militar.

Bolsonaro, um ex-paraquedista do Exército e possível candidato à presidência, dedicou seu voto à memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe do DOI-CODI, órgão de inteligência responsável por reprimir os críticos do regime militar. O deputado enalteceu Ustra como “o pavor de Dilma Rousseff”.

Ele está certo. Durante três anos, no início da década de 70, a presidente, ex-guerrilheira marxista, sofreu choques elétricos em diferentes partes do corpo e foi suspensa num pau-de-arara (quando a vítima fica de ponta-cabeça, presa pelos pulsos e tornozelos). Ela teve hemorragias internas e um dos dentes arrancados após tomar um soco de um interrogador.

Dilma foi apenas uma das milhares de pessoas torturadas pelo regime militar. A ditadura foi responsável por incontáveis violações de direitos humanos, incluindo prisões arbitrárias, violência sexual e ocultação de cadáveres. De acordo com um relatório da Comissão Nacional da Verdade, pelo menos 434 pessoas foram mortas ou desapareceram nesse período: jornalistas, estudantes, professores, agricultores, sindicalistas, advogados, ex-políticos da oposição e até uma dona de casa, um diplomata e três padres católicos.

A despeito de tantas atrocidades bem documentadas, mais de 30 anos após o fim do regime militar, algumas pessoas no Brasil parecem confortáveis em falar bem daquela época. No ano passado, durante um protesto pró-impeachment, senhoras seguravam cartazes com os dizeres: “Por que não mataram todos em 1964?” e “Dilma, pena que não te enforcaram no DOI-CODI”. Em jantares de família e em táxis, é possível ouvir conversas de como as coisas eram melhores quando os generais estavam no poder.

A classe política brasileira foi pega em um enorme escândalo de corrupção. O governo, liderado pelo esquerdista Partido dos Trabalhadores, é impopular, e a destituição de Dilma parece iminente. Nessas condições, é ainda mais fácil advogar em nome da extrema direita, elogiando torturadores condenados como se eles tivessem salvado o país de um horror muito pior.

Bolsonaro, que representa o estado do Rio de Janeiro, é o rosto mais conhecido desse movimento. Ele defende o retorno ao regime militar há mais de 20 anos, mas ultimamente sua mensagem está encontrando nova ressonância. Em 2014, foi reeleito com sua maior margem de votos, e é atualmente o candidato presidencial preferido dos mais ricos para as eleições de 2018, com 15 a 23% de intenções de voto nas pesquisas mais recentes. Mas ele não está sozinho.

Junto a outros políticos conservadores, Bolsonaro pertence à poderosa bancada BBB — abreviação para “Bíblia, boi e bala”, já que eles representam os interesses das igrejas evangélicas, do agronegócio e das forças de segurança. Nem todos os membros da bancada são saudosos da época do regime militar — pelo menos não abertamente —, mas parecem preferir uma ditadura de direita a um governo democrático liderado pela esquerda. Um certo deputado inclusive usa farda para ir trabalhar e se refere ao golpe militar como “revolução democrática”. 

A nostalgia do autoritarismo parece ter virado tendência. Bolsonaro diz que o que os brasileiros mais sentem falta é dos valores morais dos militares: “Tinha vergonha na cara, respeito à família. Hoje é essa baixaria”, declarou em uma entrevista para um site, mencionando especificamente a discussão sobre a legalização da maconha como um dos muitos fracassos morais do Brasil atual.

De acordo com uma pesquisa de 2014, 51% dos brasileiros acham que as ruas eram mais seguras durante o regime militar. “Que época maravilhosa, você podia ir para a rua com segurança, a tua família era respeitada”, afirmou Bolsonaro em uma entrevista para um programa de TV. (Digo que isso só era verdade se você ou sua família não fossem classificados pelo governo como “subversivos”, “terroristas” ou “inimigos do Estado”, o que podia ser qualquer um que ousasse falar contra o regime ou mesmo uma mãe perguntando sobre sua filha assassinada.)

Há também uma impressão geral de que a corrupção, que está destruindo o governo atual, não existia naquela época. Isso não é verdade, claro. Sabe-se hoje que durante o regime militar houve casos de delegados ligados a traficantes e governadores que recebiam propina, entre outros exemplos de corrupção. O que não existia naquela época era a liberdade de expressão e uma imprensa livre para denunciar os desmandos do governo.

Para Bolsonaro, entregar a liberdade dos brasileiros é um preço muito pequeno para que o professor seja “respeitado na sala de aula” e que você possa comprar seu revólver “inclusive na Mesbla”.

Mas talvez quando Bolsonaro e seus seguidores se põem a exaltar os valores da família, o porte de armas e o respeito aos professores, eles estejam sentindo falta de outra coisa: de uma época em que as elites conservadoras encontravam poucos obstáculos, quando os menos privilegiados — os pobres e as minorias — não podiam fazer nada além de seguir ordens.

Nas últimas décadas, e sobretudo desde que o Partido dos Trabalhadores chegou ao poder, há treze anos, essa realidade mudou, ainda que de forma incompleta. Agora a democracia significa que todos os cidadãos têm o mesmo valor e todos merecem ter voz. Talvez toda essa nostalgia pela ditadura militar seja sobre manter as pessoas nos seus lugares.


Vanessa Barbara é cronista do jornal O Estado de São Paulo, editora do site literário A Hortaliça e colunista de opinião do INYT.

Este texto foi publicado em inglês no The International New York Times do dia 2 de maio de 2016. Tradução da autora.

Preconceito nas horas vagas

Posted: 2nd maio 2016 by Vanessa Barbara in Caderno 2, Crônicas, O Estado de São Paulo
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O Estado de São Paulo – Caderno 2
25 de abril de 2016

por Vanessa Barbara

Estou viciada nos testes de associação do “Project Implicit” (https://implicit.harvard.edu/implicit/brazil). São experimentos de psicologia social que visam a detectar associações cognitivas implícitas em diversas categorias como faixa etária, raça, gênero e sexualidade – por exemplo, você pode inconscientemente relacionar pessoas negras a sentimentos negativos e pessoas brancas a coisas boas, mesmo que se considere alguém sem preconceitos.

Cada um dos testes apresenta duas categorias opostas (jovem ou idoso, homossexual ou heterossexual, magro ou obeso) que o participante deve associar de forma rápida a termos positivos (feliz, glorioso) ou negativos (terrível, medo). Em diferentes etapas, as duas possibilidades de combinação são avaliadas, por exemplo, jovem-positivo e idoso-negativo ou jovem-negativo e idoso-positivo. O problema é que, pressionado diante de duas tarefas distintas, o cérebro tende a aglutiná-las, podendo cometer erros como mandar a palavra “paz” para um grupo branco-negativo, expondo assim um julgamento implícito. Quanto mais rápido isso se dá, mais forte seria essa associação no processo mnemônico.

O resultado? Por fora eu posso parecer legal, mas por dentro sou racista, sexista, gordofóbica, etarista e até um pouco nacionalista e homofóbica. (Podem me xingar, desta vez eu mereço.)

Através do Implicit, descobri como às vezes é necessário fazer esforço a fim de não relacionar mecanicamente o rosto de pessoas jovens a palavras como “alegria” e “amor”. Fiquei horrorizada com a minha disposição em cravar “malvado” quando surge um rosto de uma pessoa negra, e “agonia” quando aparece uma pessoa obesa na tela.

“Fiquei profundamente envergonhada”, declarou uma dos pesquisadoras do projeto, a dra. Mahzarin Banaji, da Universidade de Harvard, ao descobrir que ela mesma apresentava uma preferência automática por brancos. “Senti-me arrasada de uma forma que poucas experiências na vida me fizeram sentir.”

Segundo os resultados do site, a maioria dos participantes (70%) demonstra algum tipo de preferência por brancos, sendo que em 27% deles essa propensão é considerada forte. Apenas 2% preferem negros a brancos. No campo do gênero e da aparência, 72% fazem uma correlação direta entre homens e ciência, e mais ou menos a mesma porcentagem prefere pessoas magras a obesas. A categoria mais discriminada é a dos idosos, que tem rejeição de 80% dos participantes.

A boa notícia é que essas preferências, em geral reforçadas pela sociedade e pela mídia, são maleáveis. E que, ao termos ciência delas, podemos fazer esforços concretos para impedir que produzam comportamentos discriminatórios. Eu diria até que, quanto mais cientes e envergonhados estivermos de nossas inclinações, mais perto estaremos da necessária igualdade.

*

Esta cronista entra de férias semana que vem. Comportem-se na minha ausência. Volto em junho.

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O Estado de São Paulo – Caderno 2
18 de abril de 2016

por Vanessa Barbara

Como todos sabem, tive uma educação clássica, quase vitoriana. Cresci em um ambiente sóbrio que valorizava manifestações culturais de alto nível como hinos de times de futebol e músicas do Biquíni Cavadão, além de me cercar de amigos doutos que conseguiam soprar bolhinhas de saliva e encostar a língua no nariz. Ao longo da vida, dediquei-me a adquirir habilidades sólidas, como manusear um mimeógrafo, tirar água do ouvido e assar uma batata na terra.

Me arrisco a dizer que essa educação autodidata e comprometida com os grandes temas do engrandecimento humano se estende até hoje; quando não sei alguma coisa, vou ao Google. Em questões práticas, consulto o YouTube.

É possível aprender todo tipo de ofício navegando no site e assistindo a vídeos de diversas naturezas, desde os francamente amadores às superproduções hollywoodianas. Outro dia, descobri o tutorial de um pomposo veterinário português ensinando uma técnica para dar comprimidos a cães, no caso um garboso pastor alemão. Já um completo anônimo me mostrou, em um vídeo de produção duvidosa, como dar remédio em gotas a animais em recuperação. Também aprendi a apalpar tartarugas aquáticas para ver se estão com ovos, fazer uma cópia de chave usando um cartão de plástico, consertar o trackpad de um notebook, pronunciar Eyjafjallajökull, utilizar um coletor menstrual, dobrar lençóis de elástico, tirar pelos de um tapete, manipular faixas de áudio no Final Cut Express e consertar um zíper que saiu do trilho. (Só não tentei ainda cuspir fogo usando maisena. Aguardem as próximas crônicas.)

Uma das coisas mais dignas que se pode fazer com a ajuda do YouTube é aprender coreografias, como o shim sham, a Macarena, o clipe de Thriller (Michael Jackson) e uma cena de dança do filme Bande à Part, de Jean-Luc Goddard. É por meio de infinitas repetições que decoramos os passos básicos de Tá tranquilo, tá favorável (MC Bin Laden), Shake a Tail Feather (The Blues Brothers), Do You Love Me? (Contours) e a dança sincronizada que a banda OK Go faz nas esteiras ergométricas em Here It Goes Again. A real utilidade? Brilhar muito nas festas de família e puxar assunto na fila do Bilhete Único.

Minha mãe também é uma adepta ferrenha da educação pelo YouTube: aprendeu a melhor forma de passar massa corrida na parede, lustrar um fogão, limpar uma impressora, consertar uma bacia de privada, fazer primeiros-socorros em ferimentos, selar um cavalo e limpar um teclado de computador.

Aos 6 anos de idade, meu sobrinho já dá mostras de seguir o exemplo familiar: ele aprendeu a abrir uns trinta tipos de Kinder Ovo apenas assistindo a infindáveis e soníferos vídeos de pessoas se dedicando à tarefa.

De quebra, aprendemos a fazê-lo cair no sono quando tudo mais falhou.

O mistério da cadela

Posted: 13th abril 2016 by Vanessa Barbara in Caderno 2, Crônicas, O Estado de São Paulo
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O Estado de São Paulo – Caderno 2
11 de abril de 2016

por Vanessa Barbara

Há exatamente um mês, resgatei uma cadela perdida numa avenida perto de casa. Desde então, já providenciei banho, consulta veterinária, castração e holísticas massagens de pança, sem esquecer dos exploratórios passeios diários em que aproveitamos para conhecer juntas o novo bairro, cheirar todas as árvores, perseguir besouros, encarar pessoas de óculos, batizar os postes com xixi (ela) e conversar com lojistas dos arredores (eu).

Não posso falar por ela, mas, de minha parte, nunca fui tão extrovertida, parando a cada quarteirão para trocar impressões com outros donos de cães e apresentando orgulhosamente a amiga felpuda para a sociedade. Minha popularidade cresceu muito, e hoje já cumprimento os passantes feito uma deputada. Nessas ocasiões, aproveito para contar o pouco que sei da história da cachorra, espalhando a notícia o tanto quanto possível.

Ainda que provavelmente ela tenha sido abandonada, continuamos com as buscas pelo dono, movidos por um pendor investigativo que não faria feio numa série policial de estirpe. Tentamos, por exemplo, descobrir o nome do animal – mas lá se foi o alfabeto inteiro sem que ela demonstrasse qualquer menção de atender aos epítetos de Pretinha, Princesa, Lulu, Hebe, Pipoca, Panqueca e Pudim. Tentamos até Milady, Maria das Dores e Dilma, um nome que seria apropriado caso um dia ela subisse no sofá, quando então poderíamos gritar: “Fora, Dilma!”.

No início, deixávamos que ela nos guiasse, na esperança de que pudesse reconhecer o caminho de volta para casa, o que não ocorreu. Deixo aqui o meu pedido público de desculpas a todos os vigilantes de estacionamento que foram surpreendidos por uma cadela cheirando a área, num furor olfativo totalmente desgovernado. Percebi que ela não faz ideia da direção para onde vai, sendo seduzida sobretudo pelo chorume de sacos de lixo e por outros cães.

Também procuramos identificar seus hábitos e adivinhar de onde veio. Por exemplo: a cachorra adora perseguir pessoas com sacolas de supermercado. Dá atenção especial a crianças e idosos; acorda bem cedo e aprecia o aroma de feijão. Odeia barulho de aspirador de pó e ficou sobressaltada quando passei por ela com uma caixa de papelão.

Donde: seus donos originais eram matutinos, gostavam de ir ao supermercado e não davam a mínima para o meio ambiente, pois sempre saíam de lá com uma profusão de sacolinhas de plástico. Criavam um neto pequeno que tinha anemia, daí o cheiro constante de feijão. Limpavam a casa de raro em raro, e por isso a cachorra não conseguiu se acostumar com o barulho do aspirador de pó. Ao decidirem abandonar a quadrúpede, colocaram-na numa caixa de papelão e a jogaram na rua.

Eu queria poder terminar esta crônica dizendo: a partir do perfil que traçamos anteriormente, conclui-se que quem abandonou a pequena cadela foi ninguém menos do que Donald Trump.

Mas acho que preciso de mais dados.

Traumas fotográficos

Posted: 5th abril 2016 by Vanessa Barbara in Caderno 2, Crônicas, O Estado de São Paulo
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O Estado de São Paulo – Caderno 2
4 de abril de 2016

por Vanessa Barbara

Lembro que era um dia de calor – os termômetros da rua Heitor Penteado marcavam 34 graus – e que me pediram para levar uma mala com meia dúzia de opções de blusas. Quando entrei no estúdio fotográfico e reparei que tinha pé-direito alto, camarim de maquiagem e holofotes, muitos holofotes, já tinham levado a minha mala e não havia mais como fugir.

Participei de muitas outras sessões de fotos para divulgação de livros ou colunas de jornal, todas marcadas por certo grau de tortura e constrangimento social, mas os fotógrafos costumam estar cientes da natureza invasiva de seu trabalho e tentam agir como hábeis depiladores: só mais um pouco, estamos quase acabando, muito bem, vai ficar ótimo. A foto que acompanha esta coluna, por exemplo, foi tirada em quinze minutos pelo experiente José Patrício, do Estadão, que só pediu que eu me postasse diante de uma coleção de enciclopédias, e ficou me distraindo com histórias sobre a cobertura política das eleições. Dois ótimos fotógrafos ligados a editoras, Fernanda Fiamoncini e Nino Andrés, costumam contar piadas e escolher paredes diferentes da casa para usar como fundo. O máximo que fazem é arrumar uma mecha de cabelo fora do lugar.

Não foi o caso dessa sofrida sessão de fotos na Heitor Penteado, que durou entre três e quatro horas – ou dias, ou meses.

Primeiro, uma moça analisou as blusas e foi passá-las. Fiquei realmente apavorada quando ela disse que, enquanto isso, um assistente iria “fazer o meu cabelo” – um conceito que não consigo entender, sobretudo porque achei que ele havia acordado num dia ótimo e estava pronto para brilhar diante das câmeras. O assistente abriu malas enormes cheias de secadores, grampos e bobes, sacou uma escova gigante e se pôs a jogar uns gases tóxicos ao meu redor. (Mais tarde, em casa, posso jurar que saiu uma mosca do meu cabelo, provavelmente fossilizada numa camada de laquê.)

Depois ele cuidou da maquiagem. Pedi que fosse o mais leve possível, sem cílios postiços, e me garantiram que seria quase imperceptível. Passei um tempo com a cabeça para trás sendo coberta por pincéis, batons, sombras e uma nuvem cor-de-rosa. Quando ergui o rosto, parecia uma atriz dos anos 80 ou uma capa da finada revista Nova. O leitor imagine o cabelo da Melanie Griffith em Uma secretária de futuro e a maquiagem da Farrah Fawcett na capa da Cosmopolitan de abril de 1975. Fui ao banheiro para tirar uma das demãos de pó, abaixar o cabelo e procurar uma rota de fuga – só não saí correndo por pura covardia.

Passei as horas seguintes seguindo orientações de onde colocar as mãos e como dar ares de inteligência. Cogitou-se a possibilidade de tirarem meu sapato e me fotografarem com os pés descalços (só sobre o meu cadáver). Por fim, botaram vento no meu cabelo. Vento. No cabelo.

Quando as fotos saíram, nenhuma daquelas mulheres se parecia comigo.

Tá com pena? Leva pra casa!

Posted: 29th março 2016 by Vanessa Barbara in Caderno 2, Crônicas, O Estado de São Paulo
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O Estado de São Paulo – Caderno 2
28 de março de 2016

por Vanessa Barbara

Estava subindo a avenida quando vi a cachorra pela primeira vez. Desgovernada, ela corria ladeira acima, na contramão do trânsito e na faixa de ônibus, desviando assustada dos veículos que passavam. Tentei alcançá-la, mas ela era muito rápida e perdi seu rastro num cruzamento. Por isso continuei meu caminho, esperando que a cachorra encontrasse o dela.

Ao sair do supermercado, duas horas e um temporal depois, peguei uma rua paralela, e lá estava de novo a pequena quadrúpede: bebendo água da sarjeta e parecendo ainda mais assustada. Hesitei por um minuto. A cadela, apavorada, disparou rumo à avenida. Quase foi atropelada por uma moto e um caminhão, e por um instante seria esmagada se não ouvisse a buzina de um ônibus. Larguei meu carrinho de compras e fui atrás dela, atraindo-a para a calçada. Ela se assustou, recuou, mas esperei que se aproximasse.

Foi assim que, numa sexta-feira, levei para casa uma cachorra de oito quilos no braço esquerdo e um carrinho cheio de bananas e figos no direito, descendo uma escadaria enquanto tentava acalmar o animal.

Nunca tive um cão; entendo apenas de tartarugas e de distúrbios do sono. Corri para perguntar aos amigos “o que cachorros comem” e o que fazer com a peluda, que a essa altura estava parada no meio da sala, ainda tremendo. Arrumei ração e uma coleira, e passei a divulgar fotos pela internet em busca do dono.

A vira-lata tem aproximadamente dois anos, é preta com tufos de pelos brancos, muito dócil e treinada. É de porte médio e possui um par de olhinhos castanhos meio chorosos. Estava sem coleira e não é castrada, mas tem todo jeito de ter tido um dono: só faz suas necessidades quando a levo para passear, é bem cuidada e desconhece a típica satisfação canina de destroçar móveis estofados. Dorme onde lhe colocam uma almofada e quase nunca me desobedece. Quando está feliz, abana o rabo tão vigorosamente que parece um helicóptero prestes a decolar.

Passei o fim de semana perambulando com ela pela região, notificando taxistas, cabeleireiros, porteiros e transeuntes. Levei a cadela a um veterinário, que me disse que ela está bem – só muito traumatizada e triste, possivelmente com saudades do dono. Cadastrei a canina em sites como cachorroperdido.com.br e procurasecachorro.uol.com.br, postei sua foto no Facebook e alertei os pet shops da região. Imprimi cartazes. Quase telefonei para o detetive Marcondes, que encontrou a cadela Branquinha e descobriu o paradeiro do shih tzu Hulk.

Lembrei da história de um amigo, que certo dia explicou para a filha de 6 anos que cães vira-latas eram aqueles que reviravam lixeiras na rua, pois ninguém os queria. “Isso não existe”, ela respondeu, recusando-se a viver num mundo em que há cachorros desamparados, maltratados, esquecidos.

Enquanto escrevo, a cadela lambe o meu dedão do pé.

A protest against Brazil’s president, Dilma Rousseff, in Brasilia on Monday. Credit: Andressa Anholete/Agence France-Presse — Getty Images

A protest against Brazil’s president, Dilma Rousseff, in Brasilia on Monday. Credit: Andressa Anholete/Agence France-Presse — Getty Images

The New York Times
26 de março de 2016

por Vanessa Barbara
Contributing Op-Ed Writer

SÃO PAULO, Brasil — Se você estiver no Brasil esses dias, não use roupas vermelhas. Nem deixe a barba crescer. No clima político atual, você corre o risco de ser tachado de comunista ou simpatizante do Partido dos Trabalhadores. Pode sofrer bullying e ser chamado de mortadela (um tipo de embutido que é geralmente considerado comida de pobre).

Por outro lado, eu também não usaria a camiseta da seleção brasileira. Nesse caso você pode ser confundido com um coxinha, apelido dado por razões inexplicáveis àqueles que pedem o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Atualmente, os coxinhas odeiam o governo – e os mortadelas – com um furor que a maioria das pessoas reserva a quem rouba sua vaga no estacionamento.

Como chegamos a esse ponto? A atual situação política no Brasil é uma mistura de House of Cards e Game of Thrones. A nova temporada começou no dia 4 de março, quando Luiz Inácio Lula da Silva (popularmente conhecido como Lula), ex-presidente e renomada liderança do PT, foi levado coercitivamente pela Polícia Federal para depor. O interrogatório faz parte da investigação de um esquema extenso de corrupção que já implicou vários de seus aliados, incluindo o ex-ministro da Casa Civil e o tesoureiro do PT. Lula deu um depoimento de três horas, e então o Ministério Público pediu sua prisão sob a acusação de lavagem de dinheiro. (O pedido de prisão preventiva ainda está pendente.)

Quando ele foi liberado pela polícia, o país estava em chamas. De um lado, muita gente comemorou, seja por satisfação de ver que mesmo um ex-presidente podia ser responsabilizado legalmente, ou por ódio ao PT e a Dilma, a sucessora de Lula que foi escolhida a dedo pelo próprio e que está sofrendo um processo de impeachment no Congresso, sob alegações de manipular o orçamento. Do outro lado estavam os apoiadores de Lula, que temem que os grandes conglomerados de mídia, junto com o Judiciário e os partidos de oposição, possam estar orquestrando um golpe para remover a esquerda do poder e devolver o Brasil aos conservadores. (Não ajuda em nada o fato de que algumas das pessoas que pedem o impeachment também sejam a favor de uma intervenção militar.)

Desde então houve uma série de reviravoltas. Em 13 de março, mais de um milhão de pessoas foram às ruas em todo o país para protestar contra o governo. Três dias depois, Dilma nomeou Lula como ministro da Casa Civil, uma manobra que o protege temporariamente de um processo, já que os ministros só podem ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal. No mesmo dia, um juiz federal vazou o grampo de uma conversa telefônica entre Dilma e Lula, na qual ela diz que iria mandar os papéis da nomeação para usar “em caso de necessidade”. Aos olhos da oposição, isso prova que o propósito da nomeação foi escudar o ex-presidente da prisão; a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República afirma que Dilma foi mal interpretada. Enormes protestos e contraprotestos ocuparam as ruas desde então.

Para aqueles que ainda apoiam a presidente, a decisão de vazar o áudio dos grampos telefônicos é ultrajante, um artifício executado para incitar protestos, e que sugere que alguns juízes estariam dispostos a violar a privacidade e as liberdades civis de altas autoridades com vistas a derrubar o governo. Inúmeros juristas declararam que o Judiciário quebrou o protocolo e agiu de forma ilegal, dando a entender que a divulgação dos grampos é parte de um golpe. Os apoiadores do governo também temem que a crise política possa criar um vácuo preenchido por oportunistas da extrema direita.

Ao que parece, ambos os lados têm suas inquietações sobre o futuro do país e suas próprias versões da realidade. A polarização entre mortadelas e coxinhas tornou-se tão extremada que não dá mais para levar o cachorro para passear sem ouvir gritos de “Fora, Dilma” ou “Não vai ter golpe”. Aliás, um cachorro foi atacado na semana passada no Rio de Janeiro por usar um lenço vermelho. Às vezes a oposição raivosa soa como um bando de torcedores histéricos de times de futebol: toda vez que Dilma fala no telejornal da noite, as pessoas se debruçam sobre a janela para bater panelas, e motoristas buzinam em sinal de protesto.

É isso o que mais me assusta. O furor parece estar aumentando em ambos os lados. Seria melhor agora que os brasileiros se acalmassem, ouvissem atentamente uns aos outros (sem bater panelas ou ceder a um alarmismo cego) e deixassem as investigações criminais seguirem seu curso, contanto que sejam desempenhadas de acordo com a lei. É hora de acreditar na força de nossas instituições democráticas. E na neutralidade ideológica de nossos cachorros.

 


Vanessa Barbara é cronista do jornal O Estado de São Paulo, editora do site literário A Hortaliça e colunista de opinião do INYT.

Este texto foi publicado em inglês na página A19 do The New York Times do dia 26 de março de 2016, com o título: Brazil’s Vicious Politics. Tradução da autora.