A protest against Brazil’s president, Dilma Rousseff, in Brasilia on Monday. Credit: Andressa Anholete/Agence France-Presse — Getty Images

A protest against Brazil’s president, Dilma Rousseff, in Brasilia on Monday. Credit: Andressa Anholete/Agence France-Presse — Getty Images

The New York Times
26 de março de 2016

por Vanessa Barbara
Contributing Op-Ed Writer

SÃO PAULO, Brasil — Se você estiver no Brasil esses dias, não use roupas vermelhas. Nem deixe a barba crescer. No clima político atual, você corre o risco de ser tachado de comunista ou simpatizante do Partido dos Trabalhadores. Pode sofrer bullying e ser chamado de mortadela (um tipo de embutido que é geralmente considerado comida de pobre).

Por outro lado, eu também não usaria a camiseta da seleção brasileira. Nesse caso você pode ser confundido com um coxinha, apelido dado por razões inexplicáveis àqueles que pedem o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Atualmente, os coxinhas odeiam o governo – e os mortadelas – com um furor que a maioria das pessoas reserva a quem rouba sua vaga no estacionamento.

Como chegamos a esse ponto? A atual situação política no Brasil é uma mistura de House of Cards e Game of Thrones. A nova temporada começou no dia 4 de março, quando Luiz Inácio Lula da Silva (popularmente conhecido como Lula), ex-presidente e renomada liderança do PT, foi levado coercitivamente pela Polícia Federal para depor. O interrogatório faz parte da investigação de um esquema extenso de corrupção que já implicou vários de seus aliados, incluindo o ex-ministro da Casa Civil e o tesoureiro do PT. Lula deu um depoimento de três horas, e então o Ministério Público pediu sua prisão sob a acusação de lavagem de dinheiro. (O pedido de prisão preventiva ainda está pendente.)

Quando ele foi liberado pela polícia, o país estava em chamas. De um lado, muita gente comemorou, seja por satisfação de ver que mesmo um ex-presidente podia ser responsabilizado legalmente, ou por ódio ao PT e a Dilma, a sucessora de Lula que foi escolhida a dedo pelo próprio e que está sofrendo um processo de impeachment no Congresso, sob alegações de manipular o orçamento. Do outro lado estavam os apoiadores de Lula, que temem que os grandes conglomerados de mídia, junto com o Judiciário e os partidos de oposição, possam estar orquestrando um golpe para remover a esquerda do poder e devolver o Brasil aos conservadores. (Não ajuda em nada o fato de que algumas das pessoas que pedem o impeachment também sejam a favor de uma intervenção militar.)

Desde então houve uma série de reviravoltas. Em 13 de março, mais de um milhão de pessoas foram às ruas em todo o país para protestar contra o governo. Três dias depois, Dilma nomeou Lula como ministro da Casa Civil, uma manobra que o protege temporariamente de um processo, já que os ministros só podem ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal. No mesmo dia, um juiz federal vazou o grampo de uma conversa telefônica entre Dilma e Lula, na qual ela diz que iria mandar os papéis da nomeação para usar “em caso de necessidade”. Aos olhos da oposição, isso prova que o propósito da nomeação foi escudar o ex-presidente da prisão; a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República afirma que Dilma foi mal interpretada. Enormes protestos e contraprotestos ocuparam as ruas desde então.

Para aqueles que ainda apoiam a presidente, a decisão de vazar o áudio dos grampos telefônicos é ultrajante, um artifício executado para incitar protestos, e que sugere que alguns juízes estariam dispostos a violar a privacidade e as liberdades civis de altas autoridades com vistas a derrubar o governo. Inúmeros juristas declararam que o Judiciário quebrou o protocolo e agiu de forma ilegal, dando a entender que a divulgação dos grampos é parte de um golpe. Os apoiadores do governo também temem que a crise política possa criar um vácuo preenchido por oportunistas da extrema direita.

Ao que parece, ambos os lados têm suas inquietações sobre o futuro do país e suas próprias versões da realidade. A polarização entre mortadelas e coxinhas tornou-se tão extremada que não dá mais para levar o cachorro para passear sem ouvir gritos de “Fora, Dilma” ou “Não vai ter golpe”. Aliás, um cachorro foi atacado na semana passada no Rio de Janeiro por usar um lenço vermelho. Às vezes a oposição raivosa soa como um bando de torcedores histéricos de times de futebol: toda vez que Dilma fala no telejornal da noite, as pessoas se debruçam sobre a janela para bater panelas, e motoristas buzinam em sinal de protesto.

É isso o que mais me assusta. O furor parece estar aumentando em ambos os lados. Seria melhor agora que os brasileiros se acalmassem, ouvissem atentamente uns aos outros (sem bater panelas ou ceder a um alarmismo cego) e deixassem as investigações criminais seguirem seu curso, contanto que sejam desempenhadas de acordo com a lei. É hora de acreditar na força de nossas instituições democráticas. E na neutralidade ideológica de nossos cachorros.

 


Vanessa Barbara é cronista do jornal O Estado de São Paulo, editora do site literário A Hortaliça e colunista de opinião do INYT.

Este texto foi publicado em inglês na página A19 do The New York Times do dia 26 de março de 2016, com o título: Brazil’s Vicious Politics. Tradução da autora.