Onde nossos espiões se infiltraram no último sábado, em busca da malemolência inimiga. Havia um homem com um sapato de cada cor, em clara tentativa de confraternizar com o (excêntrico) invasor.

E onde aprendemos que o grande segredo do lindy hop é fingir que você sabe exatamente o que está fazendo.

Assim como a vida.

 

Cadernos Expedicionários – A consagração

Posted: 11th maio 2012 by Vanessa Barbara in Cadernos Expedicionários

A Força Expedicionária Mandaquiense também participou deste protesto contra o Marechal Tito e tampouco entendeu grande coisa.

P.S.: Ao que tudo indica, era a reivindicação de um grupo de direitos humanos que queria mudar o nome da praça Marechal Tito, por conta dos crimes que ele cometeu enquanto era presidente da Yugoslavia.

O que pensariam eles da praça Tito, no Mandaqui? Em tempo: o Tito homenageado no logradouro não é o Marechal comunista, mas o seu Trípoli, velhinho bochófilo que morava em frente.

(Conforme informou a agência hortaliça para O Estado de São Paulo, nesta coluna e nesta)

A cerimônia mais longa e sem sentido da história tem lugar numa ruazinha em Zagreb. A Força Expedicionária Mandaquiense esteve lá e não entendeu nada.

Homem ao cavalo: “Vamos invadir a Prússia! A Prússia! Avante!”
Soldado de chapéu murcho: “Senhor, a Prússia não existe mais.”

Blog da Companhia das Letras
8 de maio de 2012

por Vanessa Barbara

Julio Cortázar comprova a tese

“Hoje cedo tirei uma vírgula. À tarde, coloquei-a de volta.”
(Oscar Wilde)

Em 1994, o psiquiatra Felix Post publicou um artigo no British Journal of Psychiatry chamado “Creativity and psychopathology: A study of 291 world-famous men” [Criatividade e psicopatologia: Um estudo de 291 personalidades]. Analisando a biografia de grandes cientistas, filósofos, estadistas, pintores e músicos, buscou determinar a prevalência de distúrbios mentais nesses indivíduos, que supostamente aliariam genialidade e loucura. Ao contrário do esperado, eles até que eram normais.

Um terço dos cientistas não apresentava nenhum indício psicopatológico relevante, enquanto políticos e compositores tinham coeficientes de loucura igualmente baixíssimos. Um único grupo se destacava: o dos escritores. Espantosos 88% possuíam traços de psicopatologia acentuada ou severa, e 72% sofriam de depressão profunda. Em relação à população geral, os índices eram também elevados.

A ligação entre os escritores e o destempero foi estabelecida em inúmeros estudos, como o de Nancy Andreasen (1987), segundo o qual escritores têm o triplo de probabilidade de desenvolver transtornos de humor e quatro vezes mais chances de se tornar alcoólatras, e Kay Jameson (1989), que registrou taxas de suicídio seis vezes maiores na categoria. O próprio Felix Post deu prosseguimento à sua investigação e concluiu que poetas são escandalosamente mais propensos ao transtorno bipolar — por outro lado, são mais sociáveis e menos introspectivos que seus colegas romancistas e dramaturgos. Estes, sim, têm avassaladora tendência à depressão grave, ao vício e à disfunção afetiva.

Segundo o estudo, 56% dos escritores tiveram uma infância infeliz e 26% sofreram de tuberculose. O histórico familiar de afecções psiquiátricas também era anormalmente elevado. A expectativa de vida foi de 65 anos, sete a menos do que os cientistas e políticos, mas três a mais do que os compositores. Dos cinquenta escribas analisados, apenas Guy de Maupassant foi considerado normal. Entre os mais transtornados, destacaram-se Hemingway, Joyce, Fitzgerald e Tolstói, que encontraram páreo apenas em artistas como Picasso e Van Gogh. Representados por monstros sagrados da política como Gandhi, Lênin e Bismarck, os estadistas ganharam na categoria “ansiedade”, mas na depressão severa os escritores novamente deram um banho.

Em quase todas as áreas, os cientistas são os mais estáveis — sobretudo nos relacionamentos conjugais. Há poucos inegavelmente malucos como Mendel e Bohr. Quando o assunto é dependência de drogas e alcoolismo, os escritores mais uma vez levantam o caneco — com o perdão do trocadilho.

Os números são mais ou menos díspares; a validade das pesquisas, relativa. Ainda assim, a premissa faz sentido — supõe-se que o centro da questão esteja no processo da escrita, naturalmente introspectivo e angustiante, e no aprofundamento exaustivo de situações e personagens. Nas palavras de Ernest Hemingway, o bom escritor é basicamente solitário e precisa encarar a eternidade (ou a falta dela) dia após dia, o que só alimenta a angústia.

A outra hipótese é inversa: os deprimidos é que optariam pela carreira de escritores, por vocação e temperamento. “Todos os escritores são vaidosos, egoístas e preguiçosos, e no fundo de seus motivos há um mistério”, define George Orwell. “Escrever um livro é uma batalha longa e exaustiva, como lutar contra uma doença grave. Só se empreende uma tarefa dessas movido por algum demônio que não se pode vencer ou compreender.”

Em todo caso, é como ter caligrafia ruim e prestar vestibular para medicina — se você já tem uma porção de esquisitices, o melhor a fazer é tirar proveito delas. Do que se conclui que não é preciso ter problemas psiquiátricos para ser um bom escritor — mas ajuda.

* * * * *

Vanessa Barbara tem 29 anos, é jornalista e escritora. Publicou O livro amarelo do terminal (Cosac Naify, 2008, Prêmio Jabuti de Reportagem), O verão do Chibo (Alfaguara, 2008, em parceria com Emilio Fraia) e o infantil Endrigo, o escavador de umbigo (Ed. 34, 2011). É tradutora e preparadora da Companhia das Letras, cronista da Folha de S.Paulo e colaboradora da revista piauí. Ela contribui para o blog com uma coluna mensal.

De volta à França após uma campanha exaustiva em Zagreb, a Força Expedicionária Mandaquiense desembarca bem a tempo de ver um holandês tomar o poder em Paris, para alvoroço dos comensais do Le Conservatoire.

A arte de desconversar

Posted: 7th maio 2012 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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Folha de S.Paulo – Ilustrada
7 de maio de 2012

por Vanessa Barbara

O ano é 2030. Dois adolescentes estão sentados no sofá com cara de tédio. “Crianças, vou lhes contar uma história incrível. A história de como conheci a mãe de vocês”, diz Ted Mosby. “Estamos sendo punidos por algo?”, pergunta o menino. “Isso vai levar muito tempo?”, indaga a menina.

Sim: a história já dura uns sete anos.

Pouco se fala por aqui de “How I Met Your Mother” [Como conheci a sua mãe], uma das sitcoms mais assistidas entre o público jovem, com média de 11 milhões de espectadores por episódio e um total de sete temporadas. Mesmo no Brasil ela é popular, embora não seja exibida em nenhum canal. Ganhou cinco Emmy e é tida como sucessora de “Friends”.

O pano de fundo é similar: cinco amigos na cidade de Nova York. Segundo os criadores, a série da CBS fala sobre “as coisas idiotas que nós fizemos aos 20 e poucos anos”.

O protagonista é Ted, um arquiteto que conta sua história em flashback. Logo de início, ele narra como se apaixonou por uma determinada garota, fala sobre o primeiro encontro e vê a reação dos filhos – sobretudo quando ele revela que a moça em questão não é a mãe deles, mas uma amiga. “…E foi assim que conheci a tia Robin.”

Episódio após episódio, Ted ameaça introduzir sua esposa, sem nunca fazê-lo: “Calma, já chego lá. Como eu disse, é uma longa história”.

A identidade da Mãe e as circunstâncias de seu surgimento são mistérios da série, que, porém, não se apoia só nisso. Importa mais ver as peripécias de Ted, Robin, Lily, Marshall e Barney, este último interpretado por Neil Patrick Harris. “Isso vai ser legen… dário”, ele repete, acerca das coisas mais estúpidas. O grupo segue regras de conduta e submete seu dia a dia a debates absurdos.

A linguagem é diferente – o ponto de vista é o de Ted, que se contradiz de propósito, omite fatos e inventa passagens descaradamente. Seu jeito de antecipar o suspense e dar dicas sobre a identidade da Mãe alimenta teorias quanto ao futuro dos personagens e o momento exato em que ela aparece.

Um dos melhores episódios é “Slap Bet”, em que eles fazem uma aposta para descobrir por que Robin tem medo de shopping center. E “Pineapple Incident”, em que procuram entender por que Ted acordou após uma festa com o tornozelo torcido, a jaqueta carbonizada e um abacaxi em cima da cômoda.

Isso vai ser legen…

(Da preguiça de tirar fotos.)

Este é o QG de onde a Força Expedicionária Mandaquiense liderou os Aliados (Mandaqui-Itália-Freguesia do Ó-São José do Rio Preto) durante uma recente e breve investida a Londres, com resultados bastante favoráveis ao nosso exército. A blitzkrieg já é considerada pelos historiadores um sucesso, tirando a participação do soldado com a toalhinha bordada, que passou o tempo todo gripado.

Agora estamos de partida para a Croácia a fim de reorganizar as tropas e marchar triunfantemente de volta a Paris.

Dos italianos da casa, Gianluca é o meu preferido. Ele está sempre gripado e anda pela casa de pijamas, assoando o nariz, com cara de irritado. Tem uma toalhinha de rosto com o nome bordado (!). E também acabou de acordar.

(Com a diferença de que ele é crupiê, e eu narcoléptica.)

**

Mas tem também o Antonio, que ninguém nunca viu (até esta semana, quando ele foi pego subindo a escada uma vez e aparentemente trouxe a mãe para visitar). A brasileira aqui residente (falaremos dela depois) acha que ele é psicopata e está tramando matar todo mundo, mas eu acho que ele é um cara ótimo e já pensei em bater lá para pedir um abraço.

Ele nunca toma banho, nunca usa a cozinha, nunca é visto saindo e nem entrando. Não faz nenhum barulho no quarto. Ou é um vampiro, ou é um psicopata, ou será em breve meu melhor amigo.

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Eu também gosto do Giuseppe, que é o italiano que manda na casa. Gosto dele porque é limpinho, vive preocupado com as áreas comuns, tem uma roupa de chef de cozinha e é o dono de todos os materiais de limpeza da casa. O Giuseppe não fala inglês, mas é bem animado e de manhã bota um aquecedor no banheiro para poder tomar banho mais tarde.

Daí tem uns outros italianos que eu nunca sei quem são, e provavelmente é só mais um e provavelmente é o Marco, mas eu gosto que de capuz todos eles parecem o mesmo italiano. E falam alto. E gesticulam.

E quando alguém abre a porta, é que nem a Casa da Mãe Joana: um deles xinga alguma coisa, o outro grita e vem puxar assunto, engata-se uma entusiasmada conversa num idioma que não é exatamente o de ninguém e eu saio correndo em direção a um helicóptero e uma rota de fuga.

Paulo diz que às vezes os italianos vêm bater na porta perguntando se é tua a roupa na máquina de lavar, e quando não encontram exatamente o dono saem a gritar pela casa: “A roupa na máquina de lavar! A roupa! De quem é a roupa?”

Eu consigo visualizar o Marcelo Mastroianni no papel, e fico procurando a saída de Cinecittà.

Folha de S.Paulo – Ilustrada
30 de abril de 2012

por Vanessa Barbara

Quando foi que a TV se distanciou do rádio, em matéria de noticiário? É isso o que penso após ouvir o “Jornal de Amanhã”, da Rádio Bandeirantes (seg. a sex., 22h40) e traçar uma comparação com seu primo televisivo, o “Jornal da Band” (seg. a sáb., 19h15).

Sou de uma geração que cresceu diante da TV e só ouvia rádio de manhã, no carro do pai, indo para a escola. É uma linhagem traumatizada pelos acordes de Billy Blanco, “Vambora, vambora/ Olha a hora, vambora, vambora”, do jornal matutino da Jovem Pan, e pela aterrorizante vinheta de “O Pulo do Gato”, programa da Bandeirantes que começava às 5h30. Até hoje tenho pesadelos narrados por José Paulo de Andrade, que diz: “Olha a aula, olha a hora”, enquanto eu babo no meu uniforme de lã do colégio.

Apesar do trauma radiofônico, me impressiona a qualidade das emissoras AM e seus boletins de notícias, entrevistas demoradas e locutores com voz de príncipe.

O “Jornal de Amanhã” tem uma hora e meia de duração e só trata de assuntos relevantes. A escalada de manchetes dura 15 minutos e apresenta as notícias do dia num tom impecavelmente neutro e informativo.

Só houve uma gracinha em toda a edição, algo referente a Chico Anysio arrancar lágrimas em vez de gargalhadas. Também o locutor alongou-se em suas impressões sobre o tema, que, de resto, foi abordado de forma sóbria num texto limpo e bem redigido.

Já o telejornal da Band abriu a manchete sobre o falecimento do humorista com a frase: “Rir é o melhor remédio”. Rendeu-se a uma boa dose de “Fala, Povo”, esse nefasto costume televisivo de colher depoimentos de populares, em geral espirituosos e inócuos, só para pontuar a matéria.

Numa reportagem sobre uma escola de música clássica para crianças carentes, a repórter perguntou: “Ficou feliz?” a um jovem tocando violino pela primeira vez. Está para nascer alguém que responda: “Não. Só vim por causa do lanche”.

Se o início do jornal televisivo até que estava bom, do meio para o fim a coisa desandou. No rol das notícias do dia, um especial de cinco minutos sobre qualidade de vida e “como alcançar esse estado de espírito chamado felicidade”. As declarações eram óbvias e espelhavam o que o repórter queria ouvir.

Deu pra ver o clichê vindo lá da Avenida Zumkeller, com suas garras pintadas de esmalte, ávido para me soterrar de gracinhas e liquefazer meu cérebro.