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Le Figaro (France)
10 Nov 2015

Cette récompense, qui existe depuis près de quarante ans, a révélé, entre autres, Boualem Sansal en 1999 et Hédi Kaddour en 2005, les deux lauréats 2015 du Grand Prix du roman de l’Académie française.

Le jury du Prix du Premier roman a décerné sa récompense à Didier Castino pour son livre Après le silence (aux éditions Liana Levi).

Didier Castino l’a emporté face à Jean-Pierre Montal, Les Années Foch (Editions Pierre-Guillaume De Roux) et à Frédéric Viguier, Ressources inhumaines (Albin Michel).

Après le silence est le récit d’un fils qui se remémore la mort de son père lors d’un accident de travail dans une usine. À travers cette chronique, Didier Castino brosse le portrait de la France ouvrière des années 70, dit le poids de l’absence du père et s’interroge sur ses origines sociales. L’auteur est professeur de lettres à Marseille.

Dans la catégorie «premier roman étranger», le jury a souhaité distinguer deux auteurs: Vanessa Barbara, La Nuit de la laitue (Zulma) et Maja Haderlap, L’ange de l’oubli(Métaillié).

Le Prix du Premier roman existe depuis trente-huit ans. Il a couronné, entre autres, Boualem Sansal (en 1999) et Hédi Kaddour (en 2005), Grand Prix du roman de l’Académie française cette année ; mais aussi Dan Franck, Alexandre Jardin, Pascale Roze (Prix Goncourt), Christophe Bataille, Isabelle Jarry, Bruno Racine, Sophie Fontanel, Jean-François Kervean, Annick Geille…

Présidé par Joël Schmidt, le jury est composé de Jean Chalon, Georges-Olivier Châteaureynaud, Annick Geille, Jean-Pierre Tison, Jean-Claude Lamy, Michèle Gazier, Gérard de Cortanze, Christine Ferniot, Gérard Guillot, Mohammed Aïssaoui.

Encontrando um imóvel

Posted: 5th dezembro 2015 by Vanessa Barbara in Caderno 2, Crônicas, O Estado de São Paulo
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O Estado de São Paulo – Caderno 2
30 de novembro de 2015

por Vanessa Barbara

Então eu encontrei um lugar para morar, o que significa que em breve deixarei o glorioso bairro do Mandaqui e me instalarei em Santana, onde existe um castelo do século XIX e um museu da odontologia, e onde o padre Landell de Moura realizou a primeira transmissão de voz via rádio em 1899.

O bairro é considerado pelo Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Estado de São Paulo como uma zona de valor C, ao lado de Barra Funda, Jabaquara, Tatuapé e Santa Cecília, entre outros. Em 2008, foi considerado pelo Valor Econômico o reduto paulistano do moralismo, e foi com certa apreensão que me dei conta de que serei uma legítima “senhora de Santana”.

Só que encontrar um apartamento é apenas o primeiro passo de uma saga burocrática sem precedentes que até eu, notória admiradora de documentos em três vias e formulários coloridos, e cujo sonho de infância era ser secretária para poder grampear e arquivar papéis de diferentes gramaturas, julguei talvez ser demasiado excessiva.

Primeiro, a imobiliária pediu que o locatário apresentasse uma comprovação de renda de quatro vezes o valor do aluguel mais encargos. Supondo que o aluguel seja de 1.800 reais, mais 600 do condomínio e 140 de IPTU, o cidadão teria de ganhar 10.160 reais por mês.

Nem é preciso dizer que, sozinha, não ganho nem sombra disso. (Se o meu caso já é desesperador e trabalho para dois jornais de grande estirpe, fico pensando naquele sujeito que tem família e ganha um salário mínimo. Será mesmo que basta o pobre se esforçar para conseguir um lugar para morar?)

Na sequência veio o drama do fiador, que precisava possuir um imóvel na capital com área construída superior a 80 metros quadrados, valor venal de mais de 40 mil reais e adquirido há mais de um ano. A casa do nosso fiador tem 79 metros quadrados e quase hiperventilei ao descobrir esse detalhe.

Tive de reconhecer firma de quatro assinaturas em duas vias do contrato (66 reais), tirar uma certidão atualizada do imóvel do fiador (60 reais), enviar três holerites, declaração do imposto de renda, comprovante de endereço, capa do carnê de IPTU, o telefone do Ubiratan Brasil, três últimos recibos de pagamento de aluguel, e por pouco não pediram também meu boletim da quarta série. Mandei referências pessoais, profissionais e tive de checar três nomes no Serasa (105 reais).

Então a imobiliária insistiu que eu me casasse. Pediu reiteradamente uma certidão de casamento e tive de explicar para a corretora que meu estado civil não era da conta de ninguém.

Por fim, atentaram para uma cláusula que dizia ser “proibida a permanência de animais de qualquer porte ou espécie nas dependências do imóvel, mesmo que permitido pelo regulamento do condomínio”.

Felizmente, aceitaram inserir o parágrafo: “Excepcionalmente, fica autorizada a permanência de tartarugas.”

Aula de democracia

Posted: 5th dezembro 2015 by Vanessa Barbara in Caderno 2, Crônicas, O Estado de São Paulo
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O Estado de S. Paulo – Caderno 2

23 de novembro de 2015

por Vanessa Barbara

No momento em que escrevo, já são mais de 70 escolas estaduais ocupadas por estudantes em protesto contra a reorganização imposta pelo governo de São Paulo, que promete fechar 93 escolas e instaurar o ciclo único em 754 unidades, forçando a transferência dos alunos.

Muitos reclamam que as condições já são precárias e que as salas de aula possuem de 40 a 55 estudantes, o que apenas iria piorar com o fechamento de escolas e o remanejamento (compulsório) de alunos para outras unidades, também superlotadas. Para piorar, o esquema foi imposto pela Secretaria da Educação, que não o discutiu antes com a comunidade e nem sequer tem sido receptiva às críticas dos estudantes.

Estive na semana passada em cinco dessas ocupações, em diferentes regiões. Em todas vi um grande cuidado com as instalações escolares. Há preocupação em dizer que o movimento é pacífico e não tem intuito de depredar o patrimônio, que ademais é dos próprios alunos. A ideia é justamente mantê-lo.

Na Escola Estadual Castro Alves, no Lauzane, zona norte, os alunos cuidaram de tirar fotos das condições já precárias do local para não serem depois acusados de vandalismo. Na E. E. Raul Fonseca, na Saúde, zona sul, há comissões de limpeza, alimentação e segurança. Lá o calendário de atividades é extenso: no sábado, estavam marcados um debate sobre legalização do aborto e um campeonato de futebol feminino, além de sessões de cinema, oficinas e aulas livres. Pais e professores se revezam no apoio.

Em muitos lugares, ouvi relatos de autoritarismo e arbitrariedade dos diretores. Numa escola da zona sul, a diretora chamou a Rota, a Ronda Escolar e mais cinco viaturas de polícia no meio de uma assembleia estudantil. Em outra unidade, o diretor arrancou os chuveiros e chamou a Ronda para intimidar os alunos dentro da própria escola. Há relatos de que esse mesmo diretor só conversa com os estudantes na presença de um policial de prontidão, com a mão na arma. “Estão nos tratando como bandidos”, disseram. Em outra escola, o diretor mandou a ficha dos estudantes da ocupação para a polícia. Alunos de 15 e 16 anos estão sendo acusados de desacato e invasão; os pais receberam telefonemas para ir à delegacia.

Na quinta-feira passada eu estava na E. E. Shinquichi Agari, no Itaim Paulista, quando o jornal Folha de S.Paulo noticiou que a gestão Alckmin teria suspendido o fechamento e reorganização de escolas em 2016. A informação irradiou no pátio feito caxumba e o presidente do grêmio, Wellington Dias, 17, interrompeu um show de rap para anunciá-la ao microfone. Todos se abraçaram e o professor de história Rodrigo Servilha caiu no choro. O vice-diretor, Sérgio Luis de Almeida, um dos poucos corajosos a apoiar o movimento, também se emocionou e disse que provavelmente perderia o emprego na segunda-feira, mas estava orgulhoso dos seus alunos.

Só que a notícia não era verdadeira: o secretário afirmou que não pretende recuar.

O Estado de São Paulo – Caderno 2
16 de novembro de 2015

por Vanessa Barbara

A essa altura, todo mundo já sabe da campanha do coletivo Think Olga, que está reunindo relatos de mulheres que viveram sua primeira situação de assédio quando crianças. “Não vamos mais esconder nossas histórias. Quem tem que ter vergonha do #PrimeiroAssédio são os criminosos que nos violentaram”, disseram elas no Twitter.

Choveram relatos escabrosos de abusos. Muitas das mulheres relatavam esses episódios pela primeira vez, pois diziam sentir um misto de medo, culpa e vergonha, ainda que não tivessem sido nada além de vítimas. Algumas chegaram a duvidar de si mesmas, interpretando encoxadas no transporte público como se fossem cutucões de um guarda-chuva.

Meu primeiro assédio aconteceu quando eu tinha uns 10 ou 11 anos. Foi quando comecei a tomar ônibus sozinha para voltar da escola. Certo dia, sentei-me ao lado de um homem de meia-idade, que tirou o pênis para fora. E o deixou ali, exposto, tomando um ar fresco.

O trajeto da escola para a minha casa durava dez minutos. Passei esse tempo todo ao lado dele, duvidando de mim mesma – seria mesmo o que eu estava achando que era? Será que não se tratava de uma pochete excêntrica ou de uma pelanca abdominal de formato cilíndrico? (Naquela idade, meus conhecimentos sobre sexualidade não iam muito além do que lia na Capricho.)

Não levantei do banco até chegar ao meu ponto porque senti três coisas: medo, culpa e vergonha. Não sei de onde vem essa impressão de que temos qualquer responsabilidade quando um homem decide fazer uma coisa dessas. Ou melhor, sei muito bem: vem de uma sociedade que diz que as mulheres é que provocam. Provocam por andarem de roupa curta, provocam por saírem sozinhas, provocam porque “no fundo estão a fim”, provocam por serem mulheres (no caso, meninas). Só que nada pode justificar o abuso.

Outro exemplo: lá pelos 16 anos, num sábado, fui a pé da minha casa até a videolocadora. Já estava escurecendo. Um homem começou a me seguir e apertei o passo. Ele também andou mais rápido. Começou a fazer uns sons meio nojentos. Acelerei ainda mais e cheguei à videolocadora, um tanto aliviada. Ele entrou atrás.

Eu podia ter ligado para o meu pai ir me buscar, mas fiquei com vergonha. Achei que seria censurada por ter ido a pé, em vez de pegar um ônibus, como se fosse minha culpa que um tarado resolvesse me seguir fazendo sons nojentos. Decidi esperar que o homem saísse e tive que passar mais umas duas horas lá dentro. Depois corri para o ponto de ônibus.

Nunca me esqueci desses episódios. E achava que, se fosse hoje, reagiria de outra forma.

Mas não. Há duas semanas, uns caras dentro de uma Kombi ficaram me chamando de “pitéu” e “flor do deserto”, entre outras coisas, diante de um ponto de ônibus lotado. E eu me calei, pois senti medo, culpa e vergonha.

Escapando da realidade com a Globo brasileira (tradução)

Posted: 10th novembro 2015 by Vanessa Barbara in Traduções
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The International New York Times
11 de novembro de 2015

por Vanessa Barbara
Contributing Op-Ed Writer

No ano passado, a The Economist publicou um artigo sobre a TV Globo, a maior emissora do Brasil. Dizia que “91 milhões de pessoas, pouco menos do que a metade da população, sintoniza no canal todos os dias: o tipo de audiência que nos Estados Unidos só é obtida uma vez por ano, e apenas pela emissora que ganhou os direitos de exibir o Super Bowl”.

Os números podem parecer exagerados, mas basta dar uma volta no quarteirão para passar a considerá-los até que conservadores. Por toda parte há uma televisão ligada, em geral na Globo, e todos a estão encarando de forma hipnótica.

Não é de se espantar que um estudo de 2011 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) afirme que o percentual de residências com um aparelho de televisão (96,9%) é maior do que o das pessoas com uma geladeira (95,8%), e que 64% possui mais de um aparelho em casa. Outros estudos revelaram que os brasileiros passam 4 horas e 31 minutos assistindo à televisão nos dias úteis e 4 horas e 14 minutos nos fins de semana; 73% assistem à televisão todos os dias e apenas 4% nunca o fazem. (Eu sou uma dessas.)

Nesse universo, a Globo é onipresente. Embora sua audiência tenha diminuído nas últimas décadas, o share da emissora ainda é de 34%. Sua principal rival, a Record, tem 15%.

Mas o que significa essa presença esmagadora? Num país onde a educação é deficitária (a Organização pela Cooperação e Desenvolvimento Econômico recentemente nos colocou em 60o. lugar entre 76 países na performance média em exames de aptidão escolar), quer dizer talvez que um único conjunto de valores e perspectivas sociais está sendo amplamente difundido. Além disso, sendo a maior empresa de mídia da América Latina, a Globo é capaz de exercer uma influência considerável na nossa política.

Um exemplo: dois anos atrás, em um tímido pedido de desculpas, a Globo confessou ter apoiado a ditadura militar no Brasil, ocorrida de 1964 e 1985. “À luz da História, contudo”, disse o editorial, “não há por que não reconhecer, hoje, explicitamente, que o apoio foi um erro, assim como equivocadas foram outras decisões editoriais do período que decorreram desse desacerto original.”

Com esses perigos em mente, e em nome do bom jornalismo, passei um dia inteiro assistindo à programação da Globo, em uma terça-feira recente, a fim de verificar o que eu podia aprender sobre as ideias e valores promovidos pela emissora.

A primeira coisa a que a maioria das pessoas assiste todas as manhãs é o jornal local, depois o nacional. A partir desses programas, pode-se inferir que não há nada mais importante na vida do que o clima e o trânsito. O fato de que nossa presidente, Dilma Rousseff, enfrenta um risco sério de impeachment e de que seu principal oponente político, Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, está sendo investigado por corrupção, esses fatos recebem menos tempo de tela do que os detalhes dos congestionamentos. Os boletins são atualizados pelo menos seis horas por dia, com os âncoras papeando amigavelmente sobre o calor ou a chuva, como se fossem tias solteironas na hora do chá.

Dos programas matutinos, entendi que o segredo da vida é ser famoso, rico, vagamente religioso e “do bem”. Todos os apresentadores e convidados gostavam uns dos outros e sorriam o tempo todo. Foram contadas histórias inspiradoras de pessoas com deficiência que tiveram força de vontade para ter sucesso em suas profissões. Especialistas e celebridades discutiam esses e outros tópicos com notável superficialidade.

Decidi pular os programas vespertinos – em sua maioria, reprises de novelas e de filmes de Hollywood – e fui direto para as notícias do horário nobre.

Dez anos atrás, um âncora da Globo, William Bonner, comparou o espectador médio do Jornal Nacional ao Homer Simpson – incapaz de entender notícias complexas. Pelo que pude ver, esse padrão ainda se aplica. Um segmento sobre a crise hídrica em São Paulo, por exemplo, foi ilustrado por uma repórter no zoológico, que disse ironicamente: “Olha a cara de preocupação do leão com a falta d’água”.

Assistir à Globo significa acostumar-se a clichês e fórmulas batidas; muitos dos roteiros de jornais incluem pequenos trocadilhos no final, ou inanidades de pessoas que estão passando. “Dunga disse que gosta de sorrir”, disse uma repórter sobre o técnico da seleção brasileira de futebol. Às vezes, poucos segundos são devotados a notícias perturbadoras como o fato de que o estado de São Paulo decretou um sigilo de 15 anos dos dados operacionais e técnicos da rede hídrica, ao passo que longos minutos são gastos em tópicos como “o salvamento de um homem que estava se afogando [e que] provocou admiração e surpresa numa cidade do interior paulista”.

O resto da noite foi preenchido por novelas, através das quais pode-se concluir que as mulheres sempre usam maquiagem pesada, brincos enormes, unhas bem feitas, saias apertadas, saltos altos e o cabelo liso. (Segundo esses critérios, eu não sou uma mulher.) As personagens femininas podem ser boas ou más, mas unanimemente magras. Elas brigam por causa de homens. Seus objetivos máximos na vida são usar um vestido de noiva, dar à luz um bebê loiro e/ou aparecer na televisão. Pessoas normais têm mordomos, enquanto encanadores sarados realmente visitam e seduzem donas de casa entediadas.

Duas das três novelas em exibição falam sobre favelas, com pouca semelhança com a realidade. Politicamente, tendem ao conservadorismo. A regra do jogo, por exemplo, conta com um personagem que, em um episódio, se apresenta como um advogado de direitos humanos a serviço da Anistia Internacional só para contrabandear para dentro da prisão os materiais necessários para fazer uma bomba. A ONG fez uma reclamação pública, acusando a Globo de contribuir para a criminalização do trabalho de defensores dos direitos humanos no Brasil.

A despeito do alto nível técnico de produção, as novelas são dolorosas de assistir, com suas vastas doses de preconceito, melodrama, diálogos rasos e clichês.

Mas elas têm o seu efeito. No fim do dia, me senti menos preocupada com a crise hídrica ou com a possibilidade de outro golpe militar – exatamente como o leão apático e as mulheres vazias das novelas.

 


Ps. O artigo original se referia erroneamente a 25 anos de sigilo nos dados operacionais e técnicos da rede hídrica.

Vanessa Barbara é cronista do jornal O Estado de São Paulo, editora do site literário A Hortaliça e colunista de opinião do INYT.

Este texto foi publicado em inglês no The International New York Times do dia 11 de novembro de 2015. Tradução da autora.

The International New York Times
November 11, 2015

by Vanessa Barbara
Contributing Op-Ed Writer

SÃO PAULO, Brazil — Last year, The Economist published an article about TV Globo, Brazil’s largest broadcast network. It reported that “91 million people, just under half the population, tune in to it each day: The sort of audience that, in the United States, is to be had only once a year, and only for the one network that has won the rights that year to broadcast American football’s Super Bowl championship game.”

That figure might seem exaggerated, but all it takes is a walk around the block for it to look conservative. Everywhere I go there’s a television turned on, usually to Globo, and everybody is staring hypnotically at it.

Not surprisingly, a 2011 study supported by the Brazilian Institute of Geography and Statistics found the percentage of households with a television set in 2011 (96.9) was higher than the percentage of those with a refrigerator (95.8), and that 64 percent had more than one television set. Other researchers have found that Brazilians watch four hours and 31 minutes of TV per weekday, and four hours and 14 minutes on weekends; 73 percent watch TV every day and only 4 percent never regularly watch television. (I’m one of the latter.)

Among them, Globo is ubiquitous. Although its audience has been declining for decades, its share is still about 34 percent. Its nearest competitor, Record, has 15 percent.

So what does this all-pervading presence mean? In a country where education lags (the Organization for Economic Cooperation and Development recently ranked us 60th among 76 countries in average performance on international student achievement tests), it would imply that one set of values and social perspectives is very widely shared. Furthermore, being Latin America’s biggest media company, Globo can exert considerable influence on our politics.

One example: Two years ago, in a bland apology, Globo confessed to having supported Brazil’s military dictatorship between 1964 and 1985. “In the light of history, however,” it said, “there is no reason to not recognize explicitly today that this support was a mistake, and that other editorial decisions in the period that followed were also wrong.”

With these hazards in mind, and in the name of good journalism, I watched a whole day of Globo programming on a recent Tuesday, to see what I could learn about the values and the ideas it promotes.

The first thing most people watch each morning is the local news, then the national news. From those, one might infer that there is nothing more important in life than the weather and the traffic. The fact that our president, Dilma Rousseff, faces a serious risk of impeachment and that her main political opponent, Eduardo Cunha, the speaker of the lower house of Congress, is being investigated for embezzlement, get less airtime than the details of traffic jams. Those bulletins are updated at least six times a day, with the anchors chatting amicably, like old aunts at teatime, about the heat or the rain.

From the morning talk shows and other programs, I grasped that the secret of life is to be famous, rich, vaguely religious and “do bem” (those who stand on the side of good). Everybody on-air loved everyone else and smiled all the time. Wondrous tales were told of people with disabilities who had the willpower to succeed in their jobs. Specialists and celebrities discussed that and other topics with remarkable superficiality.

I decided to skip the afternoon programs — mostly reruns of soap operas and Hollywood movies — and go straight to the prime-time news.

Ten years ago, a Globo anchorman, William Bonner, compared the average viewer of the news program Jornal Nacional to Homer Simpson — incapable of understanding complex news. From what I saw, this standard still applies. A segment on a water shortage in São Paulo, for example, was highlighted by a reporter, standing at the local zoo, who said ironically: “You can see the worried look of the lion about the water crisis.”

Watching Globo means getting used to platitudes and tired formulas; many news scripts include little puns at the end, or an inanity from a bystander. “Dunga said he likes to smile,” one reporter said about the coach of Brazil’s national soccer team. Often, a few seconds are devoted to disturbing news like a revelation that São Paulo had kept operational data about the state’s water supply secret for 15 years, while full minutes are lavished on items like “the rescue of a drowning man that caused awe and surprise in a little town.”

The rest of the evening was filled with soap operas, from which you could learn that women always wear heavy makeup, huge earrings, polished nails, tight skirts, high heels and straight hair. (On those counts, I guess I’m not a woman.) Female characters are good or bad, but unanimously thin. They fight one another over men. Their ultimate purposes in life are to wear a wedding dress, give birth to a blond-haired baby or appear on television, or all of the above. Normal people have butlers in their homes, where hot male plumbers visit and seduce bored housewives.

Two of the three current soap operas talk about favelas, but with little resemblance to reality. Politically, they tend toward conservatism. “A Regra do Jogo,” for example, has a character who, in one episode, claims to be a human rights lawyer working with Amnesty International in order to smuggle bomb-making materials to imprisoned criminals. The advocacy organization publicly complained about that, accusing Globo of trying to defame human rights workers throughout Brazil.

Despite the high technical level of production, the novelas were painful to watch, with their thick doses of prejudice, melodrama, lame dialogue and clichés.

But they had their effect. At the end of the day, I felt less concerned about the water crisis or the possibility of another military coup — just like the apathetic lion and the empty women of the soap operas.

O Estado de São Paulo – Caderno 2
9 de novembro de 2015

por Vanessa Barbara

Tenho uma obsessão inexplicável pela Guerra Fria, esse período em que ninguém sabia ao certo se ia acordar vivo e se o Kruschev bateu ou não o sapato na mesa durante a Assembleia Geral das Nações Unidas; uma época em que a polarização política foi tão extrema que quase levou o planeta à autodestruição.

O conflito rendeu uma tonelada de filmes, entre os quais podemos citar O terceiro homem (1949), Sob o domínio do mal (1962), Dr. Fantástico (1964), O espião que veio do frio (1965), Jogos de guerra (1983), Caçada ao Outubro Vermelho (1990), A Casa da Rússia (1990), Adeus, Lde pessoas inocentes. s e sobretudo rat e realmente possui lances interessantes stas na sequ fênin (2003), Boa noite e boa sorte (2005) e A vida dos outros (2006). O mais recente é Ponte de espiões, em exibição nos cinemas.

Por coincidência, recentemente foram lançadas duas séries de TV sobre o tema: a norte-americana The Americans, do canal FX, que pode ser vista no Netflix, e a alemã Deutschland 83, da RTL e SundanceTV, sem previsão de passar no Brasil. Ambas são recomendadas para quem se interessa pelo assunto, e curiosamente formam uma cronologia involuntária.

The Americans é uma produção tipicamente americana, com muitas cenas de ação e reviravoltas. Conta a história de um casal de espiões da KGB infiltrado nos Estados Unidos, que de repente têm de lidar com a chegada de um vizinho do FBI. A série foi escrita por um ex-agente da CIA e possui detalhes engenhosos como desertores que são espiões duplos ou triplos, esquemas de escuta sofisticados e sobretudo estratégias de engenharia social para manipular os inimigos.

Philip e Elizabeth não precisam apenas derrubar o capitalismo, mas lidar com o humor dos dois filhos no limiar da adolescência. Tanto o lado capitalista quanto o comunista são vistos com uma forte carga de cinismo, restando a mensagem de que pouco importa a ideologia por trás das ações, pois ambos os lados se comportam de forma imoral e violenta.

Concluída em abril, The Americans exibiu até agora três temporadas de treze episódios, e o último deles termina justamente em 1983, que é quando começa a série alemã.

Deutschland 83 impressiona pela audaciosa estética, que alguns críticos chegaram a comparar à de Mad Men. A sinopse é similar à de The Americans: Martin é um jovem da Alemanha Oriental escalado pela própria tia para atuar como espião infiltrado na Alemanha Ocidental. A diferença é que ele não tem treinamento e, pelo menos no início, faz muita bobagem. Mais adiante, vira uma espécie de super-herói, chegando a atravessar a fronteira levando material clandestino, testemunhar um atentado a bomba, matar um espião e doar um rim, tudo no mesmo dia.

A série acabou de ser exibida em agosto nos EUA e só no dia 26 será veiculada na Alemanha. Os criadores têm planos para mais duas temporadas: Deutschland 86 e Deutschland 89.

Procurando um imóvel

Posted: 2nd novembro 2015 by Vanessa Barbara in Caderno 2, Crônicas, O Estado de São Paulo
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O Estado de São Paulo – Caderno 2
2 de novembro de 2015

por Vanessa Barbara

Procurar apartamento para alugar é um exercício avançado de desapego, capaz de levar ao desespero até o zen-budista mais iluminado.

De saída, a vítima pesquisa pela internet o que ela pensa ser o lugar ideal: tem que ter face norte, ficar perto de uma estação de metrô, ser silencioso, amplo, ventilado, bem conservado, com piscina, varanda e um preço bom. Então surge a realidade para cortar o barato. Literalmente: ou o sujeito se conforma em gastar o salário inteiro com o aluguel ou, pelo preço que ele imaginou inicialmente, só daria para pagar uma quitinete sem janelas na divisa com Piraporinha, de frente para uma fábrica de cimento que possivelmente exala partículas tóxicas, com mofo e cupim nas paredes e uma goteira no teto da cozinha, além de um vizinho italiano e baterista com hábitos notívagos. (Alô, Luigi!)

Confrontado com as circunstâncias, o infeliz faz as contas do valor máximo de que conseguirá dispor se puder pular o almoço e penhorar uma das tartarugas, sabendo, é claro, que a piscina e a varanda já vão precisar sair da equação.

Ele então encontra um anúncio de imóvel que parece dentro do orçamento: “Interfone funciona. Tem piso e parede. Interruptor top de linha. Decoração peculiar. Ligue já.” Otimista, acha bem artística a imagem desfocada de um ventilador de teto, e decide marcar uma visita. (Da foto da privada ele não gostou muito, mas assim é a vida.)

Conforme previsto, descobre que o lugar é pavoroso, embora o interfone realmente esteja funcionando. A essa visita seguem-se dúzias de outras, até que as exigências passam a limitar-se à existência de uma porta, uma janela e uma quantidade menor de musgo. Ao corretor de imóveis, que já não atende mais o telefone, ele dá a entender que está aceitando um apartamento mal-assombrado com locatário falecido ainda pairando pelo local.

Nas minhas buscas recentes, encontrei um lugar que parecia bom: a dez minutos do metrô ladeira acima, mas em local silencioso e com uma varanda digna. O apartamento fazia parte de um complexo de seis torres. Fui buscar no Google mais informações e encontrei o Blog Não Oficial do Boulevard Place des Vosges (o nome e indicações foram modificados), onde moradores relatavam incidentes daquilo que foi apelidado de “cortiço oficial da Zona Oeste”.

Só em 2015, foram encontradas seringas usadas, camisinhas e tubos de lubrificante íntimo no playground. Alguém se queixou de um homem que costuma nadar de cuecas aos domingos pela manhã, e de uma senhora da torre C que certa vez esvaziou seu penico nas crianças que brincavam na quadra. Havia uma série de denúncias de corrupção e calúnia, episódios de homens seminus circulando pelas dependências, incêndios, arrombamentos e tiroteios.

Fiquei na dúvida se devia descartar de pronto essa opção ou, pelo contrário, sendo uma cronista aplicada, implorar para morar no local.

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Posted: 27th outubro 2015 by Vanessa Barbara in Caderno 2, Crônicas, O Estado de São Paulo
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O Estado de São Paulo – Caderno 2
26 de outubro de 2015

por Vanessa Barbara

Terminou em setembro a primeira temporada de Mr. Robot, uma série da emissora USA que foi aclamada pela crítica e está para ser exibida no Brasil pelo canal Space. A aceitação praticamente unânime é ainda mais notável quando sabemos o nível de exigência do público-alvo – até Edward Snowden afirmou estar impressionado com a tecnologia retratada na série e disse ser fã do programa.

O protagonista é Elliot Alderson, um hacker depressivo, antissocial e viciado em morfina que durante o dia trabalha numa empresa de segurança cibernética e à noite é uma espécie de vigilante solitário, denunciando pedófilos e outros criminosos. Em vez de fazer amigos, Elliot os hackeia, chegando ao ponto de bisbilhotar a vida pessoal da terapeuta, dos colegas e do chefe.

Após ser contatado por um homem misterioso de codinome Mr. Robot, ele se junta a um grupo de hackers anarquistas chamado fsociety – claramente baseado nos Anonymous – cujo objetivo é derrubar o sistema de uma gigantesca corporação financeira e, assim, zerar as dívidas das pessoas em todo o mundo. O discurso é assumidamente inspirado em filmes como Clube da Luta, Taxi Driver e Laranja Mecânica, com personagens deslocados e inconformistas que tentam transformar o sistema, ainda que de forma questionável.

Uma das grandes qualidades de Mr. Robot é a tentativa de captar com realismo o submundo do hacktivismo, sem precisar recorrer a clichês do gênero como nerds caricatos que teclam muito rápido e conseguem invadir um sistema em poucos segundos, depois de acompanhar uma grande barra vermelha concluindo o download e emitindo bipes metálicos. Em vez disso, Mr. Robot mostra Elliot digitando monotonamente em um terminal, usando Kali Linux e ferramentas reais como FlexiSPY, Metasploit e RSA SecurID, o que pode às vezes demorar dias e nem dar certo.

Acima de tudo, a série mostra a forma mais comum de obter informações: a engenharia social, ou seja, investigar os padrões de comportamento humano e tentar encontrar um ponto de vulnerabilidade que possa ser explorado. “As pessoas são as melhores falhas. Nunca tive muita dificuldade em hackear a maioria delas. Se você escutá-las e observá-las, suas vulnerabilidades aparecem como um letreiro de neon em suas testas”, diz Elliot.

Aí está o ponto forte da série, embora seja um pouco estranho que o personagem com fobia social seja o mais hábil em ler e manipular pessoas.

Algumas das outras subtramas são fracas e os diálogos podem às vezes soar forçados, mas nada que estrague a experiência de acompanhar o esquisito Elliot, um cara comum de olhos esbugalhados e capuz que despacha em voice-over um discurso anticorporativo dos mais virulentos, ainda que ele mesmo não saiba bem o que é real ou não.

Lectura de altura (clipping)

Posted: 26th outubro 2015 by Vanessa Barbara in Clipping
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Revista American Airlines
Out/Nov 2015

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