O Estado de São Paulo – Caderno 2
16 de novembro de 2015

por Vanessa Barbara

A essa altura, todo mundo já sabe da campanha do coletivo Think Olga, que está reunindo relatos de mulheres que viveram sua primeira situação de assédio quando crianças. “Não vamos mais esconder nossas histórias. Quem tem que ter vergonha do #PrimeiroAssédio são os criminosos que nos violentaram”, disseram elas no Twitter.

Choveram relatos escabrosos de abusos. Muitas das mulheres relatavam esses episódios pela primeira vez, pois diziam sentir um misto de medo, culpa e vergonha, ainda que não tivessem sido nada além de vítimas. Algumas chegaram a duvidar de si mesmas, interpretando encoxadas no transporte público como se fossem cutucões de um guarda-chuva.

Meu primeiro assédio aconteceu quando eu tinha uns 10 ou 11 anos. Foi quando comecei a tomar ônibus sozinha para voltar da escola. Certo dia, sentei-me ao lado de um homem de meia-idade, que tirou o pênis para fora. E o deixou ali, exposto, tomando um ar fresco.

O trajeto da escola para a minha casa durava dez minutos. Passei esse tempo todo ao lado dele, duvidando de mim mesma – seria mesmo o que eu estava achando que era? Será que não se tratava de uma pochete excêntrica ou de uma pelanca abdominal de formato cilíndrico? (Naquela idade, meus conhecimentos sobre sexualidade não iam muito além do que lia na Capricho.)

Não levantei do banco até chegar ao meu ponto porque senti três coisas: medo, culpa e vergonha. Não sei de onde vem essa impressão de que temos qualquer responsabilidade quando um homem decide fazer uma coisa dessas. Ou melhor, sei muito bem: vem de uma sociedade que diz que as mulheres é que provocam. Provocam por andarem de roupa curta, provocam por saírem sozinhas, provocam porque “no fundo estão a fim”, provocam por serem mulheres (no caso, meninas). Só que nada pode justificar o abuso.

Outro exemplo: lá pelos 16 anos, num sábado, fui a pé da minha casa até a videolocadora. Já estava escurecendo. Um homem começou a me seguir e apertei o passo. Ele também andou mais rápido. Começou a fazer uns sons meio nojentos. Acelerei ainda mais e cheguei à videolocadora, um tanto aliviada. Ele entrou atrás.

Eu podia ter ligado para o meu pai ir me buscar, mas fiquei com vergonha. Achei que seria censurada por ter ido a pé, em vez de pegar um ônibus, como se fosse minha culpa que um tarado resolvesse me seguir fazendo sons nojentos. Decidi esperar que o homem saísse e tive que passar mais umas duas horas lá dentro. Depois corri para o ponto de ônibus.

Nunca me esqueci desses episódios. E achava que, se fosse hoje, reagiria de outra forma.

Mas não. Há duas semanas, uns caras dentro de uma Kombi ficaram me chamando de “pitéu” e “flor do deserto”, entre outras coisas, diante de um ponto de ônibus lotado. E eu me calei, pois senti medo, culpa e vergonha.