A filipina Victoria Tauli-Corpuz, relatora especial das Nações Unidas para os direitos dos povos indígenas em 2016. Reprodução Facebook.

The New York Times
12 de julho de 2017

por Vanessa Barbara

Trad. George El Khouri Andolfato

Escritores são ignorados. Observadores de direitos humanos são repelidos. Será que alguém é capaz de induzir o governo do Brasil a corrigir seu rumo?

Até recentemente, eu achava que ser escritor era a profissão mais lamentável de todas, especialmente no Brasil. Ninguém lê nossos livros e podemos facilmente passar toda a vida protestando contra as mesmas coisas repetidas vezes. Em geral, nós, escritores brasileiros, não temos impacto nenhum. Um bando de capivaras locais, que acredita-se serem capazes de prever a sorte, são mais respeitadas que nós.

Mas encontrei outro emprego ainda mais doloroso: o de relator especial das Nações Unidas. Os relatores são peritos independentes que trabalham de forma não remunerada em nome das Nações Unidas no monitoramento de países, governos e políticas. Eles costumam ser nomeados para mandatos de três anos. E são completamente ignorados.

Meus caros e corajosos amigos: eu entendo sua dor. Toda vez que pesquiso sobre um grave assunto local relacionado a, digamos, educação, meio ambiente, brutalidade policial, racismo ou direitos da mulher, encontro uma declaração séria, precisa, repleta de fatos de um relator especial condenando a situação. Várias e várias vezes.

Há quase dois anos, por exemplo, Juan E. Méndez, um advogado de direitos humanos argentino que foi nomeado relator especial para tortura e outros tratamentos e punições cruéis, desumanas ou degradantes, pediu às autoridades brasileiras que tratassem imediatamente da superlotação das prisões, assim como implantassem medidas contra a tortura.

Após visitar muitos dos presídios e cadeias do Brasil, Méndez coletou depoimentos críveis sobre tortura e maus-tratos pela polícia. Ele recomendou que as autoridades brasileiras providenciassem urgentemente audiências de custódia para todos os detidos em até 48 horas após a detenção e remodelassem essas audiências visando encorajar as vítimas a falarem e permitir documentação eficaz da tortura e maus-tratos.

Mas quem daria ouvidos a um argentino, não é? No ano que se passou desde a divulgação de seu relatório, as prisões brasileiras relataram mais de uma morte violenta por dia. A população carcerária tem aumentado regularmente desde o informe do relator, e nos primeiros 15 dias de 2017, mais de 130 presos foram mortos durante brigas entre gangues rivais.

Em 2016, Victoria Tauli-Corpuz, uma ativista das Filipinas que foi nomeada relatora especial das Nações Unidas para os direitos dos povos indígenas, visitou o Brasil para identificar as questões enfrentadas pela população nativa e acompanhar as recomendações feitas pelo relator especial anterior.

Ela documentou não apenas “uma ausência perturbadora de progresso na implantação das recomendações dele”, como também uma séria regressão na proteção dos direitos dos povos indígenas. Posteriormente, Tauli-Corpuz também acentuou o fato de que, imediatamente após sua missão, muitas das comunidades que ela visitou registraram um aumento de ataques.

11.jan.2014 – Juan Ernesto Méndez, relator especial sobre tortura da ONU. Foto: Martial Trezzini/Keystone/AP

Logo, esses relatores especiais não são apenas ignorados, mas aparentemente também desafiados. “É deplorável o fato de que, apesar de meus alertas anteriores, as autoridades estaduais e federais tenham fracassado em adotar medidas imediatas para prevenir a violência contra os povos indígenas”, disse Tauli-Corpuz, quando outra morte que poderia ter sido evitada ocorreu três meses após seu relatório inicial.

A mesma coisa aconteceu com a emenda constitucional estabelecendo um teto no aumento dos gastos públicos. O Senado aprovou orgulhosamente a emenda poucos dias após a divulgação de um relatório condenatório escrito por Philip Alston, um relator especial das Nações Unidas para pobreza extrema e direitos humanos.

No parecer de Alston, a lei, que impõe um teto de 20 anos aos gastos federais, “congelará os gastos em níveis inadequados e rapidamente decrescentes na saúde, educação e previdência, colocando, portanto, toda uma geração futura em risco de receber uma proteção social muito abaixo dos níveis atuais”. A resposta do governo? Tanto faz.

Mas os relatores não deveriam se sentir discriminados. Não se trata de algo pessoal. A habilidade do governo brasileiro de ignorar seus críticos é universal. Segundo uma pesquisa Datafolha, 60% dos brasileiros rejeitam os planos para reforma da Previdência, mas, mesmo assim, a lei está prestes a ser aprovada. Um legislador disse que os protestos populares – que não foram poucos – não mudarão seus votos.

O próprio presidente Michel Temer declarou que a “modernização da legislação nacional” continuará e que qualquer “debate amplo, sincero” deve ser realizado na arena apropriada: o Congresso. Assim, de nada vale protestar nas ruas, organizar greves, pedir por eleições presidenciais diretas, ou mesmo ser um especialista nomeado pelas Nações Unidas. Ninguém é capaz de fazer diferença, exceto empresários e políticos corruptos.

O índice de aprovação de Temer caiu recentemente para 7%. No mês passado, o procurador-geral da República o denunciou oficialmente por corrupção. Outras acusações de recebimento de propina e obstrução da Justiça estão sendo preparadas. “Querem parar o país, parar o Congresso”, disse Temer, argumentando que as acusações são um ataque à própria Presidência. Ele acrescentou que não permitiria que isso abalasse seu humor. Uma capivara clarividente daria um líder mais democrático.

Assim, toda a solidariedade do povo brasileiro aos intrépidos relatores especiais das Nações Unidas. Vamos continuar trabalhando juntos em nosso ofício de sermos ignorados. Como disse Érico Veríssimo, “o menos que um escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua lâmpada, trazer luz sobre a realidade de seu mundo”. E “se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos nosso posto”.