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O Estado de S. Paulo – Caderno 2
12 de janeiro de 2015

por Vanessa Barbara

Em 25 de agosto de 1959, uma semana após o lançamento de “Kind of Blue”, o trompetista Miles Davis foi surrado e detido pela polícia de Nova York.

Ele fumava um cigarro do lado de fora do clube Birdland, após tocar um set de músicas transmitido ao vivo pela emissora de rádio das Forças Armadas. Foi quando um policial (branco) o abordou e ordenou que circulasse. O músico respondeu: “Por quê? Eu trabalho aqui. É o meu nome ali no letreiro, Miles Davis”. O policial disse: “Não interessa, eu falei para você sair daqui. Se não for embora, vou prendê-lo.”

Davis não se moveu e encarou o oficial com um olhar desafiador, enquanto outros dois policiais se aproximavam. Recebeu voz de prisão e, sem haver oferecido resistência, foi golpeado no estômago e na cabeça, diante de dezenas de testemunhas atônitas que saíram do clube após ouvir a confusão. Aos gritos, elas pediam que parassem.

O escândalo foi tamanho que membros da Hodges-Robbins Orchestra, que ensaiavam do outro lado da rua, viraram os microfones para a janela e captaram os policiais xingando Davis de “nigger”.

Sangrando, o trompetista foi conduzido ao 54o. Distrito. Na delegacia, os policiais continuaram com as provocações, esperando que ele reagisse.

Miles Davis foi indiciado por conduta desordeira e agressão, e posteriormente inocentado. Teve sua licença de músico cassada por vários meses e tomou cinco pontos na cabeça. Em sua autobiografia, ele conta que o incidente o tornou de novo amargo e cínico, bem quando ele enxergava mudanças positivas na luta pelos direitos civis. “Mas então fui cercado mais uma vez pelos brancos e aprendi que, quando isso acontece, se você é negro, não há justiça. Nenhuma justiça.”

Cinquenta e cinco anos depois, pouca coisa mudou. Nos últimos meses os americanos voltaram às ruas para protestar contra a violência policial dirigida aos negros, que continuam sendo tratados com truculência. Segundo a ProPublica, em comparação aos brancos, os negros nos Estados Unidos têm 21 vezes mais chances de serem mortos pelas forças de segurança.

Já no estado de São Paulo, de acordo com uma pesquisa da Ufscar, 61% das vítimas da polícia são negras, 97% são homens e 77% têm de 15 a 29 anos. No Brasil, um jovem negro tem um risco 2,5 vezes maior de ser vítima de homicídio.

Em um show de stand-up, o comediante Chris Rock resumiu bem a situação: “Saí da barriga da minha mãe; a partir daí, tudo o que acontecia no raio de três quarteirões, eu era suspeito”, declarou. “Quando passo na rua, as mulheres já deixam preparado o spray de pimenta, todo mundo esconde as chaves, tranca a porta dos carros, faz posturas de caratê. Eu levanto o olhar e há uma porção de senhorinhas brancas ao telefone – elas irão discar 911 e simplesmente esperar que eu faça alguma coisa.”

“Eu nasci suspeito”, costuma dizer Chris Rock.