O Estado de São Paulo – Caderno 2
2 de fevereiro de 2015
por Vanessa Barbara
Minha tartaruga está resfriada.
Pouco antes do Natal, um dos meus três cágados de água doce – tigres d’água brasileiros – começou a apresentar sinais de apatia, levando-me a crer que se tratava de uma típica melancolia do tempo de festas.
Entre o Natal e o Réveillon, o “tartarugo” Napoleão me pareceu mais animado, porém logo em seguida parou de comer. Mais uma vez, pensei em promessa de Ano-Novo, talvez uma dieta radical de desintoxicação para corrigir os excessos de 2014. Vários dias se passaram.
No momento em que ele dispensou uma ração especial de camarão, anchovas e ovas de formiga, uma espécie de bife à parmegiana dos quelônios, chamei imediatamente o veterinário. Ele pediu uma radiografia da cavidade celomática do pequeno réptil, coisa que eu jamais imaginei ser possível.
(Há clínicas especializadas nesse tipo de exame diagnóstico, bastando que a tartaruga fique quieta e não tente morder o técnico.)
Foi como descobrimos que Napoleão estava com pneumonia, uma das doenças mais comuns (e fatais) nesse tipo de animal. O corajoso cascudo foi internado na casa do veterinário e por lá ficará durante catorze dias – na companhia de um porco-espinho e de um coelho em reabilitação pós-operatória –, onde tomará duas injeções de antibióticos por dia e fará nebulizações com medicamentos. Também estão previstos banhos periódicos com chá de camomila.
É evidente que, em casa, estão todos apreensivos quanto à recuperação do quelídeo, que ademais sempre foi muito pensativo e taciturno. Também sofria de insônia e passava madrugadas em claro, cheirando o fundo do aquaterrário com um ar solitário. Fora isso, Napoleão nunca ficou doente e, aos cinco anos de idade, pesa 750 portentosos gramas.
Não é só a família que se preocupa com o estado de saúde da tartaruga, mas também completos desconhecidos já manifestaram curiosidade a respeito, abordando-me em confraternizações e protestos. O constrangedor é que, diante de uma questão singela como: “Sua tartaruga está melhor?”, eu costumo agir tal qual uma mãe de recém-nascido e realmente respondo quais são as minhas aflições e expectativas quanto à recuperação do pequenino. Inclusive para pessoas que eu nem sequer conheço. E mostro as chapas de raio-X e as fotos mais recentes do quelônio descansando sobre a bancada da clínica.
A uma plateia atônita, calada e prisioneira das minhas narrativas sem clímax, explico que Napoleão tentou morder vigorosamente o estetoscópio e o dedo do doutor, o que é um bom sinal.
As pessoas costumam assentir, afastando-se progressivamente de mim.
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Atualização de última hora: O coelho recebeu alta hospitalar e está bem, mas o porco-espinho faleceu, bem como uma chinchila idosa que fez companhia a Napoleão em sua primeira noite de internação. Ela morreu por intoxicação de fumaça de churrasco.