Vestida para existir

Postado em: 27th setembro 2017 por Vanessa Barbara em Crônicas, Folha de S. Paulo
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Folha de São Paulo – Serafina 
24 de setembro de 2017

por Vanessa Barbara

Uma mulher chique deve saber se vestir apropriadamente para a ocasião, o clima e o local, cuidando sempre para checar se aquele evento possui qualquer indicação de dress code: esporte fino (blusinha com estampa de João Pessoa), social (cabe aí um par de ombreiras) ou de gala (alguma coisa bufante e/ou com pompons).

Contudo, nos últimos anos, os códigos de vestuário no Brasil se tornaram muito mais simples, pois só há um tipo de traje adequado: o que eu chamo de “manifestação completa” ou “casual chic de guerrilha”. Ele pode ser adotado em qualquer ocasião que envolva a vocalização de ideias próprias, de opiniões divergentes ou o simples exercício das liberdades democráticas previstas na Constituição (art. 5o., incisos IV, IX, XVI).

A peça principal do look consiste em um tênis de corrida já amaciado e resistente a grandes quilometragens. A blusa deve ser de manga comprida e tecido impermeável, que é para proteger a pele do contato com nuvens despóticas de gás lacrimogêneo. Recomenda-se o uso de jaquetas de chuva, mesmo se não estiver chovendo. Burcas são uma opção ainda pouco explorada.

É importante cobrir o máximo possível do corpo. As calças têm de ser compridas e de tecidos grossos (como jeans) para proteger de estilhaços de bombas de efeito moral. Quanto ao cabelo, deve estar preso em um coque casual, sem a aplicação de cremes que possam reagir aos gases e provocar combustões inesperadas. Para o rosto, sugiro um make ousado e provocantemente oculto sob a máscara de gás com filtro duplo, própria para vapores tóxicos; na falta de verba, vale levar cachecol, bandana, máscara de pintor ou mesmo uma blusa de gola alta para cobrir o nariz. Também é recomendável ter uma camiseta extra para trocar a roupa contaminada, feito uma debutante depois da valsa.

Um acessório cada vez mais em voga, sobretudo depois que muita gente perdeu o olho em confronto com balas de borracha, são os óculos de segurança industriais. Mais uma vez, é possível improvisar com um par de óculos de natação ou máscaras de solda – principalmente se as peças ornarem com o capacete. Ou com um balde na cabeça.

Escudos de diferentes materiais trazem ainda mais glamour à mulher brasileira moderna, com destaque para boias infláveis de jacaré e coletes salva-vidas para amortecimento.

Não é agora que o preto vai sair de moda.