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Dan Woodger

The New York Times
24 de novembro de 2016

por Vanessa Barbara
Contributing Op-Ed Writer

SÃO PAULO, Brasil — Nunca entendi muito bem o sentido de pintar meticulosamente as unhas, mas, ainda assim, fico surpresa de ver como as empresas de cosméticos trabalham para fazer a tarefa soar interessante. Da Rússia ao Brasil, muitas mulheres já enfrentaram escolhas difíceis entre cores como “Rose Petal” [Pétala de Rosa], “Wedding Pearl” [Pérola de Casamento] e “Pink Champagne” [Rosa Champanhe].

Dar nomes criativos aos produtos é parte crucial da indústria de esmaltes. Em vez de criar uma nova cor e chamá-la pelo seu Pantone ou código hexadecimal – você pode me passar esse vidro de #FF001E, por favor? –, as empresas costumam batizar cada novo tom com um nome poético como “Dark Cherry” [Cereja Escura], “Coral Sunset” [Pôr do Sol Coral], “Evening Sand” [Areia Noturna] ou “Coney Island Cotton Candy” [Algodão-Doce de Coney Island]. Até aqui, bastante inofensivo.

Contudo, na minha história imaginária dos cosméticos, as empresas rapidamente esgotaram a lista de objetos comuns com cores discerníveis, abrindo caminho para uma fase mais simbolista: “Fiji Weejee Fawn” [algo como Bege Fiji Ouija], “Seychelles Seashells” [Conchas de Seychelles], “Moon Over Mumbai” [Lua Sobre Mumbai] ou “Up the Amazon Without a Paddle” [Rio Amazonas Acima Sem um Remo], um tom de rosa com matizes coral e laranja que não faz o menor sentido para um sul-americano. (Embora seja bem melhor do que o esmalte da OPI “Kiss Me, I’m Brazilian” [Me Beije, Sou Brasileira], que é ofensivo.)

Esse nonsense exótico foi o começo da descida rumo aos tons mais escuros de sexismo e misoginia que vemos hoje nas estantes de esmalte do salão de beleza.

Eventualmente um visionário deve ter introduzido os trocadilhos infames, hoje uma marca registrada dos esmaltes: “Miami Beet” [trocadilho com beterrabas], “Hotter Than You Pink” [trocadilho com a cor rosa], “Baby, It’s Coal Outside!” [trocadilho com carvão], “I Have a Herring Problem” [trocadilho com arenque], um tom de azul-aço opaco com um pouco de brilho, e “But Of Corpse” [trocadilho com cadáveres], uma base verde metálica com um brilho dourado que não me lembra em nada um cadáver. Outros deram uma guinada para o nonsense: há um tom de vermelho chamado “Snow White” [Branca de Neve] e um verde chamado “I Only Eat Salads” [Eu Só Como Salada]. Também encontrei um roxo vivo com cintilante dourado chamado “Are Mermaids Real?” [As Sereias Existem?].

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Em Flushing, Nova York, Michelle Sun e sua prima, Jing Ren, pintam as unhas uma da outra. Créditos: Nicole Bengiveno/The New York Times

 

Mais tarde, eles abandonaram a necessidade de ser afável. Em vez de escolher “Eternal Optimist” [Eterno Otimista], eu certamente preferiria pintar minhas unhas com “Shattered Souls” [Almas Despedaçadas], “Gone Grey” [Acinzentei] ou “Today I Accomplished Zero” [Hoje Eu Não Conquistei Nada] – pelo menos são honestos. Três outras cores depressivas que combinam perfeitamente com a minha alma são a da Spoiled “My Button Fell Off” [Caiu Meu Botão], a da OPI “So Many Clows… So Little Time” [Tantos Palhaços… Tão Pouco Tempo] e a da Smith & Cult “Bitter Buddhist” [Budista Amargo]. E isso, na minha opinião, devia ser o suficiente quando se trata de criatividade em esmaltes.

Mas nada pode conter o entusiasmo dos nomeadores de esmaltes, que recentemente decidiram tomar um caminho mais perigoso. Tudo começou com nomes mais grosseiros como “Phallic” [Fálico], “Second Base” [Segunda Base], “Between the Sheets” [Entre os Lençóis] e “Orgasm” [Orgasmo]. Depois rapidamente escalonou para a coleção XXX da Naughty Nailz, que inclui “Creamy Climax Dream” [Sonho de Clímax Cremoso] e tantos outros explícitos demais para publicar.

Esses novos nomes parecem sugerir que há apenas um motivo para uma mulher pintar as unhas: atrair a atenção de um bom e belo homem – talvez milionário. É assim que chegamos a nossa brilhante e dourada era de nomes misóginos de esmalte que não são apenas tolos, mas também reforçam estereótipos sexistas.

A Sephora by OPI lançou uma coleção inteira que eu pessoalmente chamo de “Tons Chauvinistas de Inverno”. Inclui uma cor vermelho-alaranjada chamada “Lost Without My GPS” [Perdida Sem Meu GPS] e um tom preto vivo de nome “What’s A Tire Jack?” [O Que É Um Pneu, Jack?]. A marca também é responsável pelos ultrajantes e catastróficos “Domestic Goddess” [Deusa do Lar], “Iris I Was Thinner” [um trocadilho com o desejo de ser mais magra], “How Many Carats” [Quantos Quilates?], “I’m With Brad” [Estou com o Brad] e “Never Enough Shoes” [Nunca Há Sapatos o Bastante].

Mas eles não estão sozinhos: a marca Essie lançou “No Pre-Nup” [Sem Acordo Pré-Nupcial], “Where’s My Chauffeur” [Onde Está Meu Motorista], “Trophy Wife” [Esposa-Troféu] e “Show Me the Ring” [Me Mostre a Aliança]. A empresa China Glaze vende as cores “Man Hunt” [Caça-Homens], “Limbo Bimbo” [algo como Vadia do Limbo] e “Marry a Millionaire” [Case-se com um Milionário]. A marca Deborah Lippmann tem “Before He Cheats” [Antes Que Ele Traia]. Já a Color Club faz “It’s Raining Men” [Está Chovendo Homem]. Uma das cores mais populares da OPI é um tom de vermelho que eles intitularam “I’m Not Really a Waitress” [Não Sou Exatamente uma Garçonete]. E a Spoiled tem um esmalte chamado “Daddy’s Credit Card” [O Cartão de Crédito do Papai].

Ano passado, uma das marcas de esmalte mais vendidas no Brasil decidiu contribuir para o movimento global anti-feminista dos nomes de esmaltes. A coleção foi chamada “Os Homens Que Amamos” e é desagradável o suficiente para competir com as marcas mais famosas do mundo: ela celebra os grandes atos de nossos heroicos namorados e maridos. Há um tom laranja vivo chamado “André Fez o Jantar”, um roxo de nome “Leo mandou flores”, um cinza escuro chamado “Zeca Chamou Para Sair” e um prateado de nome “Guto Fez o Pedido!!” (com dois pontos de exclamação). O slogan da coleção é: “O assunto número 1 das nossas conversas”, claro, os homens, “em 6 cores que vão dar o que falar”.

Após décadas de pesquisas, os designers de esmaltes aparentemente chegaram a essa conclusão do século XIX: mulheres são criaturas fúteis e sonhadoras com um senso de humor fraco e nenhuma habilidade para perceber que estão sendo manipuladas. Nossa vida é inteiramente devotada aos homens. Precisamos segurar um homem tão desesperadamente que apostamos todas as nossas fichas em um vidro caro de uma poção mágica cintilante que nossas manicures aplicam enquanto lançam um feitiço vudu de amor. Se escolhermos “Romantically Involved” [Romanticamente Envolvida] ou “Happy Ending” [Final Feliz], em vez de “Orange Orange” [Laranja Laranja], talvez nós tenhamos sorte hoje à noite.

No espírito da doação, minhas amigas prontamente trouxeram outras sugestões para a coleção Homens Que Amamos. Para a próxima temporada, a marca poderia lançar “Carlos Lavou as Próprias Cuecas, Aleluia!”, “Pedro Reconheceu a Paternidade da Criança”, “Lucio Pagou a Pensão” e por último, mas não menos importante, “João Não Me Bateu Hoje (e Eu Certamente Mereci)”.


Vanessa Barbara é cronista do jornal O Estado de São Paulo, editora do site literário A Hortaliça e colunista de opinião do INYT.

Este texto foi publicado em inglês na página A9 do The New York Times do dia 25 de novembro de 2016, com o título: Paint your nails with patriarchy!. Tradução da autora.