O infiltrado

Postado em: 19th setembro 2016 por Vanessa Barbara em Caderno 2, Crônicas, O Estado de São Paulo
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O Estado de São Paulo – Caderno 2
19 de setembro de 2016

por Vanessa Barbara

Tenho acompanhado com curiosidade e alarme a notícia de que um capitão do Exército teria se infiltrado num grupo de manifestantes que foi preso em São Paulo no dia 4, pouco antes de um protesto contra o presidente Temer. As informações foram divulgadas pelo El País Brasil e pela Ponte Jornalismo, e estão sendo investigadas pelo Ministério Público. A prisão dos ativistas, que passaram mais de sete horas incomunicáveis no DEIC, foi considerada irregular pela Justiça, e questionam-se também as circunstâncias da abordagem realizada pela Polícia Militar.

Na mochila dos jovens foi encontrado material de primeiros-socorros, máscaras de gás, frascos de vinagre, um extintor de incêndio, câmeras, panfletos e um chaveiro do Pateta. A Secretaria de Segurança Pública diz que desconhece qualquer ação de inteligência realizada por outros órgãos de segurança, e o Exército afirma que está apurando as circunstâncias da operação.

Nos últimos dias, várias notícias circularam pelas redes: de que o capitão Willian Pina Botelho, de codinome Balta Nunes, tentou se infiltrar em diversos grupos de ativistas desde 2015, no mínimo. Eu mesma o teria cumprimentado ao menos duas vezes em ocasiões diferentes – num ato do Movimento Passe Livre e em um evento da Auditoria Cidadã da Dívida, associação sem fins lucrativos que pretende revisar os cálculos da dívida pública brasileira, nos âmbitos federal, estadual e municipal.

Não é de hoje que sabemos da presença de policiais infiltrados nas manifestações de rua, mas é a primeira vez que se trataria de um membro do Exército. Se ficar confirmado que ele tentou se infiltrar na Auditoria Cidadã da Dívida, um grupo de pacatos ativistas contábeis, creio que em breve outras operações de inteligência do agente serão reveladas. Entre elas:

Balta Nunes se infiltrou no chá de bebê da minha sobrinha, onde coletou informações sensíveis sobre a minha viagem a Galápagos e o meu hábito de roubar restos de bolo do prato dos outros, conforme relatório em anexo (Furto qualificado? Receptação?). O agente também foi fotografado tentando se misturar numa reunião de Ciranda do Núcleo Bandeirante Acauã, uma organização destinada a aliciar crianças de 7 anos para fins claramente subversivos.

Balta, que segundo o El País tentava atrair militantes com uma frase de Marx em seu perfil no Tinder, frequentava bailes vespertinos da terceira idade no Clube Piratininga, onde esperava ganhar a confiança de idosas detentoras de informações privilegiadas sobre bingos beneficentes. Lá, obteve o endereço de um sopão fornecido a moradores de rua pela Paróquia São Judas Tadeu, com datas e principais envolvidos.

O agente agora recorta meticulosamente as minhas colunas de jornal para comprovar que faço parte de uma organização que pendura sacolinhas de supermercado na varanda e lava o cabelo na pia da cozinha.