Como comportar-se no ônibus

Postado em: 29th agosto 2016 por Vanessa Barbara em Caderno 2, Crônicas, O Estado de São Paulo
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O Estado de São Paulo – Caderno 2
22 de agosto de 2016

por Vanessa Barbara

Em 1883, ou seja, há mais de um século, Machado de Assis publicou uma crônica com regras de convivência aos passageiros de bondes. Para o escritor, o transporte público não podia ser deixado ao puro capricho dos usuários, sob pena de ninguém dar lugar às senhoras e ainda lhes tossir à cara, ou mesmo roçar as ventas dos vizinhos ao abrir um vultoso jornal. Tomo a liberdade aqui de parafraseá-lo e propor uma versão atualizada para uso em ônibus, microônibus e metrô.

Art. 1 – Fica vedado o pole dancing nos balaústres. Sabe-se que, nos dias mais quentes, a temperatura do metal é agradável ao contato com a pele, mas a pretensão da refrescância não é justificativa para escorar-se no pilar e monopolizar seu uso. Ademais, o balaústre nunca te deu tamanha intimidade.

Art. 2 – A cada qual segundo sua altura. Passageiros com mais de 1,65 metro devem obrigatoriamente se segurar nas traves no topo do veículo. Como aos baixinhos é negada tal possibilidade, a menos que aproveitem a jornada para praticar ginástica artística, cabe-lhes um espaço cativo no balaústre vertical, que com sorte não estará sendo lascivamente abraçado por um passageiro (ver art. 1).

Art. 3 – É proibido estacionar junto às portas. Qualquer cidadão com o mínimo de decência sabe que o supracitado perímetro é reservado aos que irão descer na próxima parada. Se esse não é o seu caso e a turba o empurrou para a região, faça o favor de descer com as massas e depois subir assim que todos os passageiros interessados já tiverem sido expelidos.

Art. 4 – Espere o povo sair para depois entrar. Eu inclusive tatuei isso no meu antebraço.

Art. 5 – Quando sentado, é de bom-tom oferecer-se para segurar bolsas e mochilas de pessoas que estão de pé – mas certifique-se de segurá-las no colo com decoro, como se fossem bombas, a fim de que não te acusem de bisbilhotice. Não é o caso de indagar: “Meu Deus! O que você tem aqui dentro, uma bola de boliche?”

Art. 6 – Dentro do coletivo, mochilas devem ser levadas à frente do corpo ou então arrastadas/chutadas pelo chão, o que é também uma forma de garantir a limpeza do veículo.

Art. 7 – Cabem duas ou três pessoas de pé no espaço livre entre o banco solitário próximo à catraca e o mural de avisos da SPTrans. Se você não pretende seguir essa regra, afaste-se do local e deixe que profissionais assumam.

Art. 8 – Homens: sentar-se com as pernas muito abertas só é uma opção se você estiver disposto a ter suas partes íntimas chutadas por feministas, e com razão. Depois não digam que não avisei.

Art. 9 – Recomenda-se vivamente que os passageiros amarrem o cabelo, cocem o nariz e tirem as blusas de frio antes de adentrar o veículo, pois lá dentro não haverá espaço para abrir os braços sem ser indiciado por lesão corporal.

Art. 10 – R$ 3,80 é roubo.