O Estado de São Paulo – Caderno 2
25 de janeiro de 2016

por Vanessa Barbara

Numa tarde de verão de 1985, Penny Beerntsen foi violentada sexualmente. Anos depois ela relataria que, ao ser imobilizada pelo agressor, pensara em duas coisas: primeiro, que precisava manter a calma; segundo, que tinha de prestar muita atenção no rosto dele para poder identificá-lo mais tarde.

Penny sobreviveu e, do hospital, descreveu o criminoso à polícia, que já tinha um suspeito em mente. O delegado mostrou à vítima nove retratos. Ela apontou para a imagem de Steven Avery, de 23 anos, que foi detido no mesmo dia.

Penny também identificou Avery em um reconhecimento presencial na delegacia e durante o julgamento, no qual disse ter “absoluta certeza” de que ele era seu agressor. Ele foi condenado a 32 anos de prisão.

Naquela época, o exame de DNA ainda não era comum na prática forense. Onze anos depois, em 1996, Avery entrou com um pedido de novo julgamento a partir do reexame das provas, mas o juiz negou. Após cinco anos, nova apelação. Penny sentia raiva de ver o caso ser repetidamente aberto – até que, em 2003, o exame de DNA provou que Avery era inocente. Ele já tinha passado dezoito anos na prisão.

A história é contada no livro Being Wrong: Adventures in the Margin of Error, de Kathryn Schulz, que fala sobre como resistimos em admitir nossos erros e como eles podem servir para nosso aprendizado. O capítulo de Penny conta o que ela sentiu ao perceber que havia reconhecido o homem errado – e pior, ao saber que seu verdadeiro agressor, Gregory Allen, tinha estuprado pelo menos oito mulheres no período em que permaneceu solto.

“Eu pensava nessas mulheres o tempo todo, e em como essas vidas mudaram por causa de um erro que eu cometi”, afirmou Penny. Mais tarde, ficou provado que o erro não foi só dela, mas também da polícia, que praticamente induziu sua escolha e certificou-se de suprimir suas dúvidas iniciais. Eles também se negaram a investigar outro potencial suspeito, que era justamente Gregory Allen.

Diz Kathryn Schulz que simplificar histórias e ignorar detalhes contraditórios pode nos induzir ao erro, e que a aceitação da complexidade é bem-vinda. Mas e quando o caso se complica sempre mais?

Em 2007, após quatro anos em liberdade, Steven Avery foi preso e condenado, desta vez pelo assassinato de uma fotógrafa. Penny agora tinha de lidar com um terceiro elemento de culpa: para ela, a raiva acumulada após quase duas décadas de prisão injusta podia ter sido um dos catalisadores do crime.

Então, em mais um desdobramento de um caso já rocambolesco, o Netflix acaba de estrear uma série documental que lança dúvidas sobre a culpa de Avery no homicídio. Em Making a Murderer, defende-se categoricamente que essa acusação foi forjada.

De todas as vítimas dessa história, a que mais me chama a atenção é Penny, que nunca imaginou que, depois de se livrar de seu agressor, passaria outros trinta anos lutando contra a própria consciência.