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A escola em Bento Rodrigues, no Brasil, que foi destruída após o rompimento de uma barragem. Ricardo Moraes/Reuters

The New York Times
17 de dezembro de 2015

por Vanessa Barbara
Contributing Op-Ed Writer

SÃO PAULO, Brasil — Pouco depois das quatro da tarde do dia 5 de novembro, o marido da diretora entrou correndo na Escola Municipal Bento Rodrigues, em Mariana, Minas Gerais, e gritou que a barragem havia se rompido. Professores e funcionários levaram os cerca de 50 alunos até ônibus e carros. Alguns seguiram a pé. Minutos depois, enquanto subiam o morro, os membros da caravana viram uma onda de lama de dez metros engolindo a escola.

A massa acobreada cobriu mais do que a escola: destruiu o vilarejo inteiro. Ao menos 16 pessoas morreram, incluindo duas crianças. Três pessoas ainda estão desaparecidas e 631 ficaram desabrigadas.

A barragem servia para armazenar água e resíduos de uma mina de minério de ferro próxima ao local. Não possuía sistema de alarme, um bom plano de contingência ou rotas de evacuação. De acordo com os moradores, ninguém foi avisado da ruptura. “Se a barragem tivesse rompido à noite, todos teriam morrido”, disse Duarte Júnior, prefeito de Mariana.

A estrutura era operada pela Samarco, uma joint venture entre duas multinacionais da mineração: a brasileira Vale e a anglo-australiana BHP Billiton. Mais de um mês depois da tragédia, ainda não se sabe quanto tempo vai levar para o ecossistema – e a economia – se recuperar. E mais duas barragens da região correm risco de rompimento.

Após inundar Bento Rodrigues, a onda de aproximadamente 60 milhões de metros cúbicos de lama e resíduos minerais, um volume equivalente a 25 mil piscinas olímpicas, chegou até o rio Doce. O rio, que passa por 228 municípios, é essencial para a economia da região, e agora está tomado pela lama. Inúmeras empresas foram obrigadas a suspender suas operações; os pescadores estão entre os mais afetados. Em Governador Valadares, cidade de 300 mil habitantes, o suprimento de água teve de ser cortado por uma semana.

As empresas envolvidas insistem em afirmar que a lama não apresenta perigo à saúde humana. Mas dois especialistas em meio-ambiente da Organização das Nações Unidas afirmaram que ela continha “altos níveis de metais pesados tóxicos e outros produtos químicos tóxicos”. Um relatório do Instituto de Gestão das Águas de Minas Gerais encontrou níveis de arsênio mais de dez vezes acima do limite legal. Outras amostras coletadas em pontos diferentes ao longo do rio continham níveis elevados de mercúrio, ferro, alumínio e manganês.

De acordo com o Ibama, agência federal de proteção ao meio ambiente, o rio Doce é o habitat de 80 espécies, das quais 11 estão ameaçadas de extinção e 12 são endêmicas, ou seja, não são encontradas em nenhum outro lugar do mundo. “A mortalidade instantânea é apenas um dos impactos aos organismos aquáticos causados pelo desastre”, ressaltou um relatório do Ibama, que fazia menção sobretudo aos danos causados ao ecossistema. Enquanto isso, a Samarco contratou pescadores locais para coletar e enterrar peixes mortos.

A rota marrom da lama pelos rios brasileiros é visível em imagens de satélite da NASA. Dezesseis dias após o rompimento da barragem, a lama alcançou o oceano Atlântico, a mais de 650 km de distância. Também se espalhou pela Reserva Biológica de Comboios, na costa do Espírito Santo, uma área de desova de tartarugas-cabeçudas e tartarugas-de-couro, estas últimas ameaçadas de extinção.

“As providências tomadas pelo governo brasileiro, a Vale e a BHP para prevenir danos foram claramente insuficientes”, afirmaram os relatores da ONU em um pronunciamento recente, no qual consideraram inaceitável a demora de três semanas para a divulgação de informações sobre a toxicidade da água. “As empresas e o governo deveriam estar fazendo tudo que podem para prevenir mais problemas, o que inclui a exposição a metais pesados e substâncias tóxicas”, disseram.

A causa exata do rompimento ainda não foi determinada. Um executivo da Samarco sugeriu que tremores sísmicos na região da mina podem ter causado o desastre, mas promotores públicos suspeitam de negligência da empresa. O governo brasileiro também tem sido criticado por falhar em monitorar a estrutura. Sabe-se que o Departamento Nacional de Produção Mineral tem apenas quatro funcionários para fiscalizar as 735 barragens de todo o estado de Minas Gerais.

Em seu discurso na conferência do clima em Paris, no final de novembro, a presidente Dilma Rousseff declarou que “a ação irresponsável de umas empresas provocou o maior desastre ambiental na história do Brasil”. Alegou que o governo já estava “punindo severamente” os responsáveis pela tragédia.

A Samarco concordou em pagar R$ 1 bilhão para bancar os esforços iniciais de recuperação ambiental, e ofereceu um salário mínimo mensal para as 115 famílias diretamente afetadas pela tragédia. A companhia também foi multada em R$ 250 milhões por poluir o rio Doce e prejudicar o abastecimento de água de toda a região, com 30% de desconto se o pagamento for feito dentro de 20 dias. Em 30 de novembro, o governo entrou com uma ação pública pedindo indenização de R$ 20 bilhões ao longo de uma década.

Mas os brasileiros têm bons motivos para permanecerem céticos. De acordo com estatísticas oficiais, menos de 3% das multas ambientais foram pagas nos últimos cinco anos. Muitos suspeitam que a Vale e a BHP ficarão impunes e que o desastre não se prestará nem a aperfeiçoar a regulamentação do setor de mineração.

Se a história servir como parâmetro, eles podem estar certos. Quando a barragem se rompeu, no mês passado, dezenas de pescadores da região aguardavam o dinheiro da indenização – pelo dano causado pela construção da hidrelétrica de Aimorés, dez anos atrás. A companhia responsável pela operação da usina é chamada Aliança Energia. É outra joint venture da Vale.


Vanessa Barbara é cronista do jornal O Estado de São Paulo, editora do site literário A Hortaliça e colunista de opinião do INYT.

Este texto foi publicado em inglês no The New York Times do dia 17 de dezembro de 2015. Tradução da autora.