Do Tucuruvi para o mundo

Postado em: 20th julho 2014 por Vanessa Barbara em Crônicas, Folha de S. Paulo, Revista
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Folha de S.Paulo – revista sãopaulo
20 de julho de 2014

por Vanessa Barbara

Todos os verões, a Prefeitura de Paris organiza uma caça ao tesouro pelas ruas da cidade. A brincadeira acontece num domingo de manhã e tem a duração total de cinco horas e meia. Há percursos distintos em 14 bairros selecionados, com o apoio de comerciantes, artesãos e personalidades locais, que entregam pistas aos competidores.

Participei da edição de 2012 no 6o. Arrondissement. Era um dia frio e chuvoso, mas havia muita gente fazendo fila na subprefeitura para se inscrever.

O tema da vez era uma carta de amor encontrada ao acaso. Havia versões do jogo em francês e em inglês, com um pequeno mapa anexado.

Minha caça ao tesouro tinha início em frente à igreja de Saint-Sulpice, e as instruções que recebi num folheto pomposo envolviam passar por três pequenas livrarias, entrar pelos portões do jardim de Luxemburgo, dar umas voltas e sair por ruas laterais até o cinema Arlequin.

Desisti logo no começo, após ser bombardeada por textos caramelosos como: “Isto dá uma ideia do buraco que você deixaria no meu coração, caso fosse embora”. Ou: “Você consegue ouvir os pássaros cantando e o vento soprando por entre as folhas das árvores?.”


As pistas oscilavam entre o óbvio e o truncado e eram, por vezes, totalmente desprovidas de interesse. Não havia mistério nem clima de empolgação; muitos seguiram o meu exemplo e abandonaram a busca em favor de um chocolate quente.

(Afinal, o início da carta, em fonte cursiva, dizia que a amada estava escondida nas ruas de Paris e esperaria toda a eternidade; portanto não havia motivo para pressa.)


Não sei se as outras edições foram tão decepcionantes; em todo caso, a caça ao tesouro de Paris me pareceu uma atividade protocolar e insossa que se beneficiaria muito de uma consultoria escoteira ou bandeirante.

Na infância e na adolescência, e depois mais tarde, como voluntária dessas organizações, participei de jogos urbanos muito mais longos e difíceis de se decifrar, com um altíssimo potencial de enurese nas botas, que é a minha medida particular de empolgação de uma boa caça ao tesouro. (Muitas crianças chegam a fazer xixi de tanto medo, outras têm crises coletivas de riso.)

Com uma verba muito menor, nossos especialistas em jogos formulariam um roteiro enxuto e sem afetação, com pistas mais objetivas e intrigantes.

Se conseguíamos fazer isso nas inebriantes ruelas do Tucuruvi, fico só imaginando o estrago realizado no Boulevard Saint-Germain.

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Aproveito este espaço para deixar agora a minha última pista, um tanto óbvia e desprovida de interesse: paro de escrever hoje esta coluna, em busca de outras aventuras pelas ruelas inebriantes do Tucuruvi e do mundo. Foi um prazer participar dessa caça ao tesouro quinzenal com vocês.