As melhores mortes literárias

Postado em: 19th fevereiro 2013 por Vanessa Barbara em Blog da Cia. das Letras, Crônicas
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Blog da Companhia das Letras
18 de fevereiro de 2013

por Vanessa Barbara


Ilustração: Fido Nesti/Revista Bravo

 

Mês passado, em consonância com a onda recente de morbidez livresca, a Revista Bravo publicou uma lista com minhas mortes literárias preferidas, segundo critérios como: sanguinolência, surpresa, brutalidade e dó. Como bem apurou a repórter, a opinião é de especialista: minha ficha corrida de escritora conta com os homicídios de um besouro, uma lagartixa, um sapo (com requintes de crueldade) e uma esposa dedicada.

Segue a lista final, com alguns falecimentos de bônus para o leitor deste blog. Quem ainda não leu os livros citados deve pular para o próximo a fim de prevenir spoilers.

1. O grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald: A morte de Jay Gatsby com um tiro — seu cadáver boiando na piscina, descrevendo círculos de sangue na água — é de partir o coração. Sobretudo na descrição dos momentos que antecedem sua morte, quando o personagem, ainda à espera de um telefonema de Daisy, carrega o colchão inflável nos ombros em direção à piscina e vislumbra uma sombra entre os arbustos. O curioso é que a morte da Myrtle não me causa tanta pena, ainda que seja grotesca e detalhadamente descrita.

2. Hamlet, de William Shakespeare: O suicídio da Ofélia. Morro de raiva do príncipe da Dinamarca por ele ter feito o que fez com a pobre moça, que não tinha nada a ver com isso. O sujeito se aproveita dela, faz juras de amor, então a rejeita publicamente e mata seu pai. Ofélia acaba ficando louca, cantando aquelas musiquinhas sem sentido e se atirando no lago porque o loiro real se achava importante demais pra contar a verdade, preferindo ele mesmo se fazer de louco raivoso para tirá-la do caminho. Eu realmente fico mal quando isso acontece, mais ainda do que no morticínio final — “Get thee to a nunnery!”. Até hoje assisto à peça esperando que, na última hora, a Ofélia se recupere e mande o loiro plantar batatas.

3. Hamlet, de William Shakespeare: Da mesma peça, a morte de Rosencrantz e Guildenstern. Eles são executados ao desembarcar na Inglaterra e alguém anuncia o fatoen passant no decorrer da peça, o que é muito engraçado. Serve também a mesma morte em Rosencrantz e Guildensteirn estão mortos, de Tom Stoppard, uma tentativa (fracassada) de lhes conferir um pouco de importância. Mas nem botando os dois como protagonistas é possível disfarçar suas condições de eterno alívio cômico.

4. A metamorfose, de Franz Kafka: A morte de Gregor Samsa é a coisa mais triste do mundo. O homem-que-virou-inseto está com uma casca de maçã podre e infeccionada nas costas, dentro de um quarto fechado e escuro, e de repente decide que é preciso morrer, então simplesmente morre. Quem encontra seu cadáver é a empregada, no dia seguinte de manhã. Acho que, de todas as mortes que eu listei, é a mais triste. “Ele ainda vivenciou o início do clarear do dia lá do lado de fora da janela. Depois, sem intervenção da sua vontade, a cabeça afundou completamente e das suas ventas fluiu fraco e último fôlego.” (Tradução de Modesto Carone)

5. Moby Dick, de Herman Melville: Depois de passar centenas de páginas perseguindo a baleia que lhe comera uma perna, o capitão Ahab consegue enfim localizar e atingir Moby Dick com um arpão. Por azar, a linha enrola em seu pescoço e ele é arrastado ao mar pelo gigantesco mamífero. O barco vai junto e todos morrem, menos o narrador e a baleia. O que é sempre um consolo.

6. Crime e castigo, de Fiódor Dostoiévski: Numa das mortes mais lendárias da literatura moderna, a dona da loja de penhores é assassinada com um machado pelo estudante Raskolnikov. “Então ele bateu duas vezes com toda a força, sempre com as costas do machado e nas têmporas. O sangue jorrou, como de um copo derrubado, e o corpo caiu de costas. Ele recuou, deixou-a cair e no mesmo instante abaixou-se para lhe olhar o rosto; estava morta. Tinha os olhos esbugalhados, como se quisessem saltar, e a testa e o rosto franzidos e deformados pela convulsão.” (Tradução de Paulo Bezerra.) Em seguida, ele mata a irmã da vítima com uma machadada certeira, desta vez com o lado certo da lâmina, abrindo de uma só vez toda a parte superior da testa.

7. Madame Bovary, de Gustave Flaubert: Sempre fui partidária do Charles Bovary. Tudo bem que ele é meio entediante e goiaba, mas é simples e bondoso, ao passo que Emma é fútil e deslumbrada. A morte dela é até que compreensível, mas a dele é de quebrar as pernas, nos momentos finais do livro. Depois que a esposa se mata, ele descobre sua extensa lista de adultérios, entra em depressão, cai em ruína financeira (por culpa dela) e encontra por acaso o velho amante da mulher. “Eu não lhe quero mal”, diz. “Não, já não lhe quero mal.”