#106 – São Paulo, 8 de maio de 2025
Uma abordagem filosófica do lixo
Continuamos mexendo a sopa
www.hortifruti.org
“Eles dizem que é amor. Nós dizemos que é trabalho não remunerado.”
(Silvia Federici)
“Não sei de tudo que está por vir, mas seja o que for, vou fazer dando risada.”
(Herman Melville)
.
:: EDITORIAL :
Com vistas a aumentar o número de subscrições pagas, informamos que, a partir da próxima edição, passaremos a vestir roupas de legumes gigantes e anunciar nossa publicação diante do Hortifruti Mandaqui e de outros sacolões de respeito (vide fotos).
Paralelamente a isso, faremos um sorteio entre os assinantes pagos desta publicação. O vencedor poderá escolher um entre os seguintes títulos:
– O Livro Amarelo do Terminal (Sesi-SP)
– O Verão do Chibo (Alfaguara)
– A Máquina de Goldberg (Quadrinhos na Cia.)
– Noites de Alface (Alfaguara)
– Operação Impensável (Intrínseca)
– O Louco de Palestra (Companhia das Letras)
– Três Camadas de Noite (Fósforo)
– Três Vidas, de Gertrude Stein (Penguin)
Quem assinar até o dia 31 de maio poderá entrar no certame. O vencedor será notificado por email e receberá o livro no conforto de seu lar, acompanhado de um bilhete personalizado com as devidas congratulações pela boa fortuna. Um trecho de seu e-mail será divulgado na próxima edição (mediante permissão), a fim de conferir legitimidade ao processo, que será auditado pelo auditor residente.
Se nada disso der certo, divulgaremos uma rifa.

:: CHIHUAHUA DE APOIO ::
W. David Marx, Status and Culture
Henri Matisse pintou seu caminho até chegar nos museus; sua tataraneta Gaïa Jacquet-Matisse ganhou destaque por uma conta glamourosa no Instagram e por vestir seu chihuahua de apoio emocional, Bambi, com roupas personalizadas da Ralph Lauren.
[Henri Matisse painted his way into museums; his great-great-granddaughter Gaïa Jacquet- Matisse gets ink for her glossy Instagram account and dresses her emotional support Chihuahua, Bambi, in custom Ralph Lauren.]
:: TERAPIA ::
Sanjena Sathian, Goddess Complex
Atrás dela, no aquário, um peixe marrom e gordo flutuava na horizontal. Fiquei me perguntando se ele havia morrido no meio da nossa sessão.
[Behind her, in the aquarium, a fat brown fish floated horizontally. I wondered if it had expired in the middle of our session.]
:: MEDO ::
Audre Lorde, Sister Outsider
Ao me tornar forçada e profundamente consciente da minha mortalidade, e do que eu desejava e almejava para a minha vida, por mais curta que pudesse ser, prioridades e omissões se gravaram nitidamente sob uma luz implacável — e aquilo de que eu mais me arrependia era de meus silêncios. De que tanto eu tinha medo, afinal?
[In becoming forcibly and essentially aware of my mortality, and of what I wished and wanted for my life, however short it might be, priorities and omissions became strongly etched in a merciless light, and what I most regretted were my silences. Of what had I ever been afraid?]
:: DESTRUIÇÃO ::
Amia Srinivasan, The Right to Sex
Uma amiga minha, uma acadêmica excepcionalmente brilhante, certa vez explicou a um colega homem que, se qualquer um de seus mentores, na faculdade ou na pós-graduação, tivesse sequer colocado a mão em seu joelho, isso a teria destruído. O colega ficou surpreso. Ele reconhecia que tal atitude seria incômoda, errada, um caso de assédio sexual — mas como um gesto tão pequeno poderia destruir alguém? O que ele não sabia, ela lhe explicou, era como é ter seu senso de valor intelectual dependendo de forma tão precária da aprovação dos homens.
[A friend of mine, an exceptionally brilliant woman academic, once explained to a male colleague that, had any of her male mentors, in college or grad school, ever so much as put a hand on her knee, it would have ‘destroyed’her. The colleague was taken aback. He recognised that such an action would have been creepy, wrong, an instance of sexual harassment –but how could such a small gesture destroy anyone? What he didn’t know, she explained to him, was what it is like to have one’s sense of intellectual worth rest so precariously on the approbation of men.]
:: RAIVA ::
Sarah Manguso, Liars
Não era que tivéssemos nascido com raiva; nós nos tornamos mulheres e acabamos com raiva.
[It wasn’t that we’d been born angry; we’d become women and ended up angry.]
:: ABORDAGEM FILOSÓFICA DO LIXO ::
Diego Lasarte, “Meet the City’s New Compost Cops”
Goodman adota uma abordagem filosófica em relação ao lixo. “O fato de que o saneamento é esse serviço gratuito e ilimitado, meio intocado pelo neoliberalismo, me atrai muito,” ele disse. “Somos nós e a biblioteca pública.”
[Goodman takes a philosophical approach to trash. “The fact that sanitation is this free, unlimited service, sort of untouched by neoliberalism, is very appealing to me,” he said. “It’s us and the public library.”]
:: CRÍTICA CÁUSTICA ::
Brian Hayes, “O Grande Explicador”
Na Scientific American Brasil, nov. 2013
Martin Gardner quis escrever um livro para apresentar seus princípios filosóficos e teológicos fundamentais. A obra, The Whys of a Philosophical Scrivener (William Morrow, 1983), foi lançada três anos depois. O The New York Review of Books publicou uma crítica cáustica e desdenhosa do livro — escrita pelo próprio Gardner.
:: DICAS PRÁTICAS ::
Elizabeth McCafferty, “Piece of the Action”
A estratégia deles é simples: dividir o quebra-cabeça em duas partes, com cada um focando em áreas diferentes. Peter monta o quebra-cabeça de cabeça para baixo e Nikki fica responsável pelos rostos. Agora, eles estão formando uma equipe para competir novamente no campeonato mundial, que acontecerá na Espanha ainda este ano, com a esperança de ficarem pelo menos entre os 30 primeiros.
[Their strategy is simple: split the puzzle into two lines, each person tackling different areas. Peter constructs the puzzle upside down and Nikki is in charge of faces. They are now forming a team to go to the world championship again in Spain later this year, hoping to rank at least 30th.]
:: HOMENS MENORES ::
Valeska Zanello, Saúde mental, gênero e dispositivos
Desde Aristóteles até o século XVIII houve a predominância da teoria do sexo único. Segundo essa teoria, entre homens e mulheres haveria apenas uma diferença de grau, sendo as mulheres consideradas como homens menores. A explicação etiológica estaria no não desenvolvimento completo das mulheres por falta de calor durante a gestação de uma menina. No entanto existiam relatos de estórias de meninas que, em certas situações de esforço físico e transpiração, transformavam-se em meninos.

:: RÁDIO-RELÓGIO ::
Anne Lammott, Operating Instructions
Mas Orville, que criou um filho há quinze anos, diz que se lembra claramente de como as coisas ficam insanas com um bebê por perto. Ele disse que, mesmo com um parceiro, é como ter um rádio-relógio no quarto que dispara de forma imprevisível a cada poucas horas, sempre sintonizado em heavy metal. Sam agora dorme por quatro horas seguidas, o que é um dos principais motivos pelos quais decidi ficar com ele.
[But Orville, who raised a baby son fifteen years ago, says he remembers clearly how insane things get with an infant around. He said that even with a mate, it’s like having a clock radio in your room that goes off erratically every few hours, always tuned to heavy metal. Sam sleeps for four hours at a stretch now, which is one of the main reasons I’ve decided to keep him.]
:: VALOR ::
Valeska Zanello, Saúde mental, gênero e dispositivos
A “prateleira do amor” erige um lugar para as mulheres cuja vivência de ter que ser escolhida é profundamente desempoderadora; ao mesmo tempo que erige para os homens um lugar extremamente privilegiado e protegido de serem aqueles que avaliam e julgam/ escolhem as mulheres, dando a elas seu “valor”.
:: PAVÊNTIA ::
Mary Beard, “The Divine Comedy of Roman Emperor’s Last Words”
Os estudiosos da Roma Antiga gostavam de desenterrar divindades curiosas e fora de moda, como Paventia, a deusa que afastava o medo das crianças, ou Cinxia, uma entre muitas que presidiam o ato sexual.
[Scholars in ancient Rome enjoyed digging up weird time-expired deities, such as Paventia, the goddess who stopped children from being afraid, or Cinxia, one of many who presided over sexual intercourse.]
:: INIMIGO CAPITAL ::
Ordem interna da Secretaria Municipal da Fazenda e da Subsecretaria da Receita Municipal da Prefeitura de São Paulo
Anexo Único a que se refere o artigo 1º da Ordem de Serviço SF/SUREM nº 01, de 23 de fevereiro de 2022
Art. 10. Os Diretores das Divisões de Fiscalização deverão necessariamente solicitar ao Diretor de Departamento a redistribuição das operações fiscais nas seguintes hipóteses: […]
II – alegação de suspeição pelo responsável, desde que devidamente justificada; […]
Parágrafo único. Para fins do disposto no inciso II do “caput”, considera-se devidamente justificada a alegação de suspeição quando, em relação ao Auditor- Fiscal, o fiscalizado for:
I – cônjuge ou qualquer parente, consanguíneo ou afim;
II – amigo íntimo ou inimigo capital;
[…]
:: ESTUPIDAMENTE CORAJOSO ::
Rufi Thorpe, Margo’s Got Money Troubles
Quando você vai fazer algo estupidamente corajoso, ajuda não ter muito tempo para pensar sobre isso.
[When you’re going to do something stupidly brave, it helps to have less time to think about it.]
:: REMEXER A SOPA ::
Bruce Handy, “The Saxophonist Charles Lloyd […]”
Algumas décadas depois, em 1966, o primeiro quarteto de Lloyd se apresentava no festival de jazz em Antibes, na França, dividindo hotel com Ellington e sua banda. “Duke me ouviu tocar,” lembrou Lloyd. “E disse algo como: ‘Se ele continuar mexendo a sopa, um dia vai acabar conseguindo alguma coisa.’”
[A couple of decades later, in 1966, Lloyd’s first quartet was playing the jazz festival in Antibes, France, sharing a hotel with Ellington and his band. “Duke heard me play,” Lloyd recalled. “And said something to the effect of ‘If he keeps stirring the soup, one day he’s going to have something.’]
:: RESPONSABILIDADE ::
Tressie McMillan Cottom, Thick
Assim como questionamos o que uma mulher estava vestindo quando foi estuprada, buscamos maneiras de atribuir responsabilidade individual por injustiças estruturais a corpos que, coletivamente, não valorizamos.
[Much like we interrogate what a woman was wearing when she was raped, we look for ways to assign personal responsibility for structural injustices to bodies we collectively do not value.]
:: ESPARTILHOS ::
Barbara Ehrenreich, For Her Own Good
Os espartilhos de uma mulher elegante exerciam, em média, cerca de 9,5 quilos de pressão sobre seus órgãos internos, e já foram registrados extremos de até 40 quilos.
[A fashionable woman’s corsets exerted, on the average, twenty-one pounds of pressure on her internal organs, and extremes of up to eighty-eight pounds had been measured.]
:: PENTEADO EXTRAVAGANTE ::
W. David Marx, Status and Culture
O penteado extravagante da imperatriz Elizabeth da Áustria, do século XIX, lhe causava dores de cabeça frequentes.
[The nineteenth-century Empress Elisabeth of Austria’s extravagant coiffure gave her frequent headaches.]
:: EXISTÊNCIA DAS MULHERES ::
Andrea Dworkin, Right-Wing Women
O problema, em termos simples, é que é preciso acreditar na existência da pessoa para reconhecer a autenticidade de seu sofrimento. Nem homens nem mulheres acreditam na existência das mulheres como seres significativos.
[The problem, simply stated, is that one must believe in the existence of the person in order to recognize the authenticity of her suffering. Neither men nor women believe in the existence of women as significant beings.]

>>>>
Agradecimentos: A Giovanni Nobile Dias, pelas fotos em Brasília. A Giovane Salimena, por todo o resto. Ao Renato, que todo mês me deposita 5 reais.
Os links dos livros são afiliados da Amazon e me ajudam a recarregar o Bilhete Único.
Esta edição foi possível graças a 21 aguerridos apoiadores!
“Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado – logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido” (Stephanie A.)
::: www.hortifruti.org :::
Pequeno aviso legal: A Hortaliça será distribuída gratuitamente através desta plataforma. Não iremos produzir conteúdo fechado para assinantes por acreditar no livre acesso à informação, arte e cultura. A tarifa zero será bancada pelos leitores e leitoras e leitões que tiverem condições financeiras (e vontade) de colaborar. A estes, pedimos que nos apoiem escolhendo um plano de assinatura ou depositando moedas de ouro aleatórias para a chave pix: vmbarbara@yahoo.com. Vamos apoiar o jornalismo independente, a literatura de guerrilha e a bobice semiprofissional.