Um cão chamado Pokémon

Postado em: 24th outubro 2016 por Vanessa Barbara em Caderno 2, Crônicas, O Estado de São Paulo
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O Estado de São Paulo – Caderno 2
24 de outubro de 2016

por Vanessa Barbara

Era uma madrugada fria de julho quando vi no Facebook a foto recente de um vira-lata caramelo parado na calçada, com as orelhinhas baixas e uma cara de abandono. Ele estava dormindo ao relento a poucas quadras da casa dos meus pais. Os termômetros marcavam menos de 10 graus. A moça que postou a foto pedia ajuda para acolhê-lo. “Parece um Pokémon”, comentou o Gigio. (Mais especificamente o Eevee, que é marrom e tem as orelhas pontudas.)

A foto era de derreter a alma, então ofereci a casa dos meus pais como lar temporário. Eu poderia acolhê-lo por quatro dias e cuidar dele até chegar a data de uma viagem.

A noite do resgate foi ridícula. O cachorro estava desconfiado e fugia quando nos aproximávamos, de modo que eu, Elaine e Silene passamos uma hora dentro de um carrão preto seguindo um vira-lata, feito três espiãs atrapalhadas, tentando pensar num jeito de ganhar a confiança do quadrúpede. A veterinária dra. Thais Toma veio nos ajudar e só então conseguimos.

Pokémon chegou numa sexta-feira com as costelinhas à mostra, desnutrido e assustado. Parecia uma hiena famélica. O rabo estava enfiado no meio das pernas e ele mantinha a cabeça baixa. Fez exames de sangue, ganhou um banho e começou a tomar antibiótico. Sua idade estimada é de 3 anos.

Após uns poucos dias comigo, Pokémon começou a abanar o rabo e brincar de dar lambidas. Gostava de tomar sol e passear na rua – e sobretudo das vezes em que eu lhe oferecia uma certa ração molhada com o rosto enorme de um cachorro na embalagem. Um dia, saí no quintal carregando oito pacotes da tal ração viciante (uma espécie de crack canino) e me deparei inesperadamente com ele no corredor. Diante daquela visão, Pokémon quase teve um ataque cardíaco e deu saltos em parafuso no ar, como se tentasse dizer que era o dia mais feliz da vida dele se eu resolvesse deixá-lo comer tudo de uma vez.

Como as criaturas do desenho animado, Pokémon começou a evoluir. Parou de vomitar, redobrou o apetite e saltitava com frequência. Latia para as minhas tartarugas e depois fugia delas, desconfiado. O pelo ficou mais brilhante, as orelhas para o alto, a pança pedia carinho. Era outro Pokémon: praticamente um Vaporeon.

Fui viajar e deixei-o com a Elaine e a Silene, que se revezaram nos cuidados com o cão. Com a ajuda financeira de uma rede de amigos, ele concluiu uma segunda rodada de antibióticos, foi castrado e colocado para adoção responsável. Minha amiga Denise se interessou pela curiosa criatura e finalmente hoje ele vai para o lar definitivo, depois de três meses de evolução.

Semana passada fiquei sabendo de um poodle idoso, debilitado e meio cego, que foi abandonado em Osasco e resgatado pela ONG Bendita Adoção. Entrou numa depressão profunda.

 Mais um Pokémon para evoluir.