Blog da Companhia das Letras
4 de dezembro de 2012

Por Vanessa Barbara


Detalhe do mural no sebo Unnameable Books, em Nova York

 

Em Conversa fiada (1989), curta de Jean-Pierre Jeunet, o narrador afirma que adora abrir um livro meses depois das férias e encontrar areia entre as páginas. Ele faz uma demonstração da abertura de um desses volumes, com o ruído de areia grudada no miolo.

Grãos de areia, manchas de molho de tomate, páginas que tomaram chuva e marcadores pitorescos são apenas alguns tesouros de férias passadas que podemos encontrar nos livros, reconhecendo imediatamente onde os lemos, quando e em que momento da vida.

Livros são involuntárias cápsulas do tempo que conservam mensagens ao longo da história, endereçadas a quem primeiro decidir abri-los. A interessante revista Found, de Chicago, contém uma seção só para escritos achados em livros.

Semana passada saiu no jornal O Globo uma bela matéria sobre dedicatórias e coisas encontradas no interior de livros usados. No sebo Baratos da Ribeiro, no Rio, o dono guarda numa caixa os objetos descobertos nas páginas: “Cheques, receitas médicas, ingressos de cinema, flores, contas, fotos. Daria uma exposição”, diz. Ele defende que o livro usado traz uma história por vezes mais interessante do que aquela que ele conta.

Segundo um artigo no site AbeBooks.com, há um sebo no Brooklyn, em Nova York, o Unnameable Books, que mantém um painel com esses tesouros perdidos. A variedade é tamanha que a exposição já tomou a parede inteira do fundo da livraria e se espalhou pelas demais.

Espécie de Estante Virtual americana, o AbeBooks fez uma enquete entre seus livreiros perguntando quais foram os objetos mais curiosos encontrados no interior dos produtos. As respostas vão além de cédulas estrangeiras, recortes de jornal e listas de supermercado, e seguem na relação abaixo, junto com informações que encontramos em outras fontes:

– Dentro de um livro de receitas para micro-ondas, uma mulher encontrou quarenta cédulas de mil dólares. Ela comprou o livro por acaso, enquanto esperava uma carona. As notas de mil foram impressas pela última vez em 1934 e são, portanto, mais valiosas do que sua quantia nominal;

– Um cotonete usado;

– Um dente de leite;

– Quarenta trevos de quatro folhas;

– No interior de uma brochura de mistério de 1945, um guardanapo de hotel na Espanha com um nome e um número de quarto;

– Um antigo cartão telefônico da Indonésia;

– Num sebo de Ohio, um homem levou para vender uma caixa de livros que pertenciam a sua recém-falecida esposa, repletos de fotografias da família, cartas e cartões-postais. Num deles havia um pequeno anel de diamantes;

– Dois cartões de visita colados um ao outro. Quando abertos, revelaram uma panorâmica dobrável de 90 centímetros com o melhor da pornografia dos anos 70;

– Uma gota de chocolate enfiada entre a tela de encadernação e a lombada. “Fiquei imaginando como alguém conseguiu enfiar uma gota de chocolate na lombada de um livro e quanto tempo esteve por lá. A data de edição era de 1889”, afirmou o livreiro;

– Um livro de ração da Segunda Guerra Mundial (com selos sobrando);

– Uma documentação de dispensa do Exército durante a Segunda Guerra;

– Uma tesoura;

– Uma faca;

– Um revólver;

– Um cartão de visita de um investigador paranormal;

– Um postal do Havaí de 1963, preenchido mas nunca enviado, no qual um sujeito escrevia para sua esposa em Los Angeles. O leitor que o encontrou botou um selo e enviou o cartão quarenta anos depois;

– Uma carta ao Papai Noel datada de 1929, dentro de uma biografia de Napoleão Bonaparte;

– Uma carta para a Fada do Dente, implorando que ela aceitasse a oferenda de meio dente;

– Gordas porções de caspa;

– Um bilhete maldoso contando o final do livro;

– Uma certidão de casamento de 1879;

– Uma camisinha fechada;

– Uma barata morta;

– Uma tira de bacon.

* * *

“Sério? Você estava fritando bacon enquanto lia e pensou: ‘Ei, talvez o próximo a ler este livro esteja com fome, então vou deixar uma tira de bacon cru para ele’?”, escreveu uma bibliotecária americana que realmente costuma encontrar comida nos livros devolvidos à instituição. Bacon, alface e picles são os campeões de frequência. Num curto artigo, ela dá uma explicação para isso:

“Alguns estão familiarizados com o conceito de usar marcadores de página para determinar em que trecho pararam, mas existe um grupo distinto de pessoas que utiliza o que estiver mais perto para marcar a página, não importa o que seja.”

Nessa lista desastrada estão cheques em branco, cartões de crédito, passaportes válidos, carteiras de motorista e passagens de trem ainda não utilizadas.