A Hortaliça

www.hortifruti.org

O lugar ideal para se viver -- se você for um bonobo
Edição #066, de 22 de janeiro de 2006.
It's psychosomatic. You need a lobotomy. I'll get a saw.

hortalica@gmail.com

 

"Pode-se perdoar a um homem a realização de uma coisa útil, contanto que ele não a admire. A única desculpa para se fazer uma coisa inútil é admirá-la imensamente."
(Oscar Wilde, O retrato de Dorian Gray)

 

EDITORIAL
 
É com grande orgulho que anunciamos a nossos leitores, aos filhos dos nossos leitores e aos profissionais que nos apoiaram durante todos estes anos (o carteiro) que nosso objetivo foi alcançado: atingimos um estado absoluto de falta do que fazer, quando não existem sequer observações inócuas ou trocadilhos suficientes para uma edição medíocre (e diminuta) de nosso jornalzinho dominical.

Foi difícil, é verdade, e só os que nos deram força durante as dezessete horas que gastamos no sofá trocando de lado e assistindo a filmes dublados no Futura Conhecimento sabem pelo que passamos para atingir tal nível de deterioração mental. Sim, nós tentamos acompanhar o Telecurso 2000 de mecânica com closed caption. Nós arrumamos radiografias panorâmicas e dentes do cisne para arrancar apenas porque não tínhamos com o que nos ocupar. Passamos a dormir e acordar em horários aleatórios e a fazer exercícios pesados em momentos estranhos do dia. Nós fomos ao supermercado exclusivamente para comprar páprica e memorizamos reportagens da revista do Conselho Regional de Engenharia, chegando ao cúmulo de deixar comentários às margens das matérias, para posterior consulta. Também assistimos um filme protagonizado por camelos.

[É um documentário sobre a mãe-camelo Ingen Temee que dá à luz um camelo albino. Mas ela não gosta dele e o rejeita, de modo que o camelo albino passa o filme todo chorando. O pequeno Ugna decide ir à aldeia procurar um violinista que toque uma música bem bonita para a mãe-camelo gostar do rebento. Dá certo. O pequeno Ugna é muito esperto.

Daí o pai do pequeno Ugna revela ao público que os camelos originalmente tinham chifres, mas um dia eles emprestaram os chifres para os veados irem numa festa. Por isso até hoje ficam olhando impassíveis para o horizonte (enquanto mastigam inclusive), esperando o dia em que terão de volta seus ornamentos ósseos.]

Enfim, todas essas atividades correspondem a um aumento esperado de inutilidade sistêmica, mas na última semana alcançamos um novo patamar. A conquista envolve uma sessão de cinema com um VHS de 6 horas de um exame de polissonografia em que o protagonista (basicamente) dorme. Troca de lado a cada quarenta minutos e às vezes fica de barriga pra cima -- para delírio dos espectadores. Durante a sessão, fez-se um intervalo para fazer xixi e outro para arrumar almofadas melhores. Nenhum comentário foi emitido durante as seis horas regulamentares. Segundo relatos de terceiros, os espectadores estavam muitíssimo concentrados.

Por essa razão, a edição #066 não é nada animadora. Começa com um poema sobre apnéia do sono e termina com um papa-bolinhas. Já que não temos a mais vaga idéia do que enfiar neste número, decidimos publicar qualquer coisa que passasse pela nossa frente, inclusive (e sobretudo) camelos.


:: HAIKU ERROR MESSAGES I ::

Chaos reigns within.
Reflect, repent, and reboot.
Order shall return.


:: IMPORTANTE ::

Em albanês há 27 palavras diferentes para bigode.


:: A PROPÓSITO ::

Se você, querido(a) leitor(a), estiver recebendo A Hortaliça por obra de algum incidente cósmico, ou seja, se desconhece o motivo deste bombardeio de legumes maduros na sua caixa postal, não escreva para nós perguntando o porquê. Nós não sabemos. Talvez um dia venhamos a saber, quando de nossa Ascensão como administradores da galáxia, mas por enquanto não consta de nossos formulários e por favor dirija-se ao departamento de Injustiças.

De qualquer forma, você pode se descadastrar da lista de hortifruti enviando um email-resposta com o título ofensivo de sua preferência [sugestões com o Edu].

Obviamente nos reservamos o direito de fazer pouco-caso do leitor insatisfeito e não garantimos que você venha a ser descadastrado.


:: MELHOR DESCRIÇÃO DE COMUNIDADE ::

Tenho tropeçado com freqüência (11902 members)
Não sei o que está acontecendo. Meus pés continuam do mesmo tamanho, mas tenho tropeçado com espantosa freqüência.


:: MAL SÚBITO ::
colaboração compulsória de Guilherme Conte

Estacionamento da ofner. nós sentados no carro, a conversar. batidinhas no vidro. um homenzarrão todo de fato e gravata:

"senhor, boa noite, é o seguinte, nós não permitimos que os clientes fiquem no carro por mais de cinco minutos devido à possibilidade de mal súbito."

"hã?"

"mal súbito: derrame, enfarto, avc, essas coisas..."

"hã?"

"já aconteceu em outros estacionamentos. como aqui trabalhamos de forma preventiva, não permitimos que os clientes fiquem no carro por mais de cinco minutos. devido ao mal súbito."

"ah... ok... já vamos indo então."

"muito obrigado, então. é pela sua segurança."

"eu que agradeço."


:: HAIKU ERROR MESSAGES II ::
http://www.strangeplaces.net/weirdthings/haiku.html

Three things are certain:
Death, taxes, and lost data.
Guess which has occurred.


:: FRANNY E ZOOEY ::
de J. D. Salinger

Contou que... isto foi exatamente o que ele contou... que estava sentado à mesa da cozinha, sozinho, bebendo um copo de ginger ale, comendo salgadinhos e lendo Dombey and Son quando, de repente, Jesus sentou-se na outra cadeira e perguntou se também podia beber um copinho de ginger ale. Só um copinho... foi exatamente o que ele disse.


:: ADVERTÊNCIA ::

Como trabalhamos de forma preventiva, pedimos aos nossos clientes e fornecedores que não passem mais de cinco minutos lendo este jornalzinho devido à possibilidade de mal súbito.


:: HAIKU ERROR MESSAGES III :
http://www.strangeplaces.net/weirdthings/haiku.html

You step in the stream,
but the water has moved on.
This page is not here.


:: BILOXI ::
Scott Fitzgerald, em O Grande Gatsby.

-- Não obstante... eu casei em meados de junho -- recordou Daisy. -- Louisville em junho! Alguém desmaiou. Quem foi que desmaiou, Tom?

-- Biloxi -- respondeu, conciso, Tom.

-- Um homem chamado Biloxi. "Blocks" Biloxi, e fabricava caixotes, juro... E era de Biloxi, Tennessee.

-- Carregaram-no para a minha casa -- ajuntou Jordan -- pois morávamos a dois passos da igreja. E ele ficou três semanas lá em casa, até que meu pai lhe disse que tinha que ir embora. No dia seguinte, meu pai faleceu. -- Fez uma pausa e acrescentou: -- Não houve relação alguma entre os dois fatos.

-- Conheci um certo Bill Biloxi, de Mênfis -- comentei.

-- Era primo dele. Antes de sua partida, fiquei conhecendo toda a história de sua família. Ele me deu uma bola de golfe que uso até hoje.

A música cessara ao começar a cerimônia e, agora, irrompiam vivas ruidosos e intermitentes, seguidos, pouco depois, por uma explosão de ritmos de jazz, ao iniciar-se o baile.

-- Estamos ficando velhos -- disse Daisy. -- Se fôssemos jovens, nos poríamos de pé e começaríamos a dançar.

-- Lembre-se de Biloxi -- advertiu-a Jordan. -- Onde foi que você o conheceu, Tom?

-- Biloxi? -- repetiu, esforçando-se por recordar. -- Eu não o conhecia. Ele era amigo de Daisy.

-- Meu amigo coisa nenhuma -- negou ela. -- Eu jamais o vira antes. Ele veio no vagão reservado.


:: ENQUANTO ISSO, NO MANDAQUI... ::

Não tenha cabelos brancos.
Use loção Pindorama.


:: MAIS CONSPIRAÇÕES LITERÁRIAS ::
declaração do Emilio Fraia

[...]Pode ser o nosso próximo livro:

Manual do levantamento de migalhas

A primeira frase será:

"Depois da formatura a gente vende o mimeógrafo e foge"


:: CONVERSAS FURTADAS ::
http://www.insanus.org/conversas

Ônibus para o Hospital de Clínicas

— Também tá indo operar?
— Eu, não.
— Eu vou tirar as orelhas.
— Tirar as orelhas?
— É.
— Mas vai ficar sem orelhas?
— Pois é.
— Mas por quê?
— Ah, o médico disse que tinha que tirar.

Enviado por Alysson Ferrari.

:: KITWITI ::
roteiro e figurino de Douglas Elek Machado

Este é Kitwiti. Tinha 4 anos quando este retrato foi tirado, em 2003, no Congo, onde ele ainda vive. Espécie de liderança na comunidade Santuário dos Amigos dos Animais do Congo, ele é um dos modelos do livro James & Other Apes, do fotógrafo James Mollison. O livrão é todo de fotografias em close extremo do rosto da macacada. São 50 os camaradas símios fotografados, tipos como o orangotango Zidane, 7, a gorila Helene, 4, e o chimpanzé James, 5, que dá nome ao livro editado pela casa inglesa Boot e patrocinado pela Benetton. Kitwiti, um macaco bonobo, é o mais feliz de todo o livro, embora tenha tido uma vida trágica, com partes do corpo mutiladas e seus pais mortos por caçadores na sua frente.

[Mais informações sobre o nosso padroeiro podem ser encontradas em Bonobo Du Congo, que traz uma entrevista exclusiva com Kitwiti. "Aucun bonobo n'est jamais arrive au Sanctuaire aussi triste que moi!", ele diz, com o olhar perdido.]


:: MAIS UMA ::
http://www.insanus.org/conversas

— Pois é, tô no ramo de cadeiras. [Suspiro. Depois a maior falta de assunto de todos os tempos.] O importante é ver o cara sentado, né?

Enviado por Diego the Godoy.


:: CATECISMO PARA DISLÉXICOS ::

O papa é inflável?
Sim, o papa é inflável.


:: FAREMOS TUDO O QUE NOS DER NA CABEÇA! DEIXAREMOS CRESCER A BARBA! ::
Flaubert, em Bouvard e Pécuchet

Já se viam em mangas de camisa, à beira de canteiros, podando roseiras, capinando, amanhando, mexendo na terra, transplantando as tulipas. Erguer-se-iam ao canto da cotovia, para seguir as charruas, iriam com um cêsto colher as maçãs, assistiriam ao fabrico da manteiga, à batida do trigo, à tosquia dos carneiros, ao trato das colmeias, e se deleitariam com o mugido das vacas, com o cheiro do feno ceifado. Nada de caligrafias, nem de chefes, nem de aluguel a pagar! - Porque possuiriam residência própria, comeriam das aves do seu galinheiro, dos legumes da sua horta, e jantariam sem tirar os tamancos!


:: EU PODIA ESTAR ROUBANDO, PODIA ESTAR ENVIANDO COISAS PIORES ::

Estamos (com falta de troco) passando por dificuldades tecnológicas. Não queremos atrapalhar a viagem dos senhores, mas pedimos a ajuda dos leitores que porventura possuam conhecimentos técnicos em envio de spam, emails em massa, jornais-bomba e essas coisas relacionadas ao Mailer-Daemon que nos fazem perder um tempo precioso outrora gasto em comida. Precisamos de um sistema menos burro para enviar a Hortaliça aos assinantes e aos amigos dos pais dos assinantes, que respondem de maneira educada até que nós realmente comecemos a irritá-los. Os que puderem nos agraciar com a graça de seus pitacos devem enviar pra cá uma mensagem com currículo e duas fotos de costas.


:: MOMENTO ESPIRITUAL ::
do Salmo 90

A duração da nossa vida é de setenta anos; e se alguns, pela sua robustez, chegam a oitenta, a medida deles é canseira e enfado; pois passa rapidamente, e nós voamos.


:: O VIZINHO DA FRENTE ::

Honesto, trabalhador e ordeiro vizinho da frente,

Antes de mais nada, deixe-me tecer um breve comentário sobre suas cortinas. Não é todo dia que se encontra uma amostra de tecido para cobrir janelas dotado de tamanha graciosidade e estilo. Tivesse eu um armarinho ou um desses lugares onde se vai para comprar estofados, cujo nome francamente não sei, contrataria sua senhora para desenhar novos modelos de cortinas e acarpetados em geral. Estou pressupondo, é claro, que sua senhora é quem deve decorar o apartamento, dada a gongorice neoclássica de suas cortinas, e admito que minhas intenções ao dizê-lo não são das melhores.

Sim, eu acompanho os seus afazeres diários há tempos e sei bem que o senhor vive sozinho. Sei que chega todo dia às seis e que se senta à mesa do jantar (localizada apropriadamente junto à janela), apóia o cotovelo no móvel e fica ali durante horas, pensando em sabe-se lá Deus o quê. Sei que liga a tevê em algum programa com predomínio de tons pastéis (vejo a parte oeste da sua sala iluminada em magenta) mas põe-se de costas o tempo todo para cortar as unhas dos pés e mexer o cozido.

Sei que suas cortinas sempre estão abertas e às vezes você se debruça para olhar pra fora (mas você tem miopia).

Sei também que suas refeições noturnas consistem em verduras escuras de cozimento demorado e que toda quarta-feira você leva pra casa um kit de legumes com batatas, cenouras, pepinos / couves, almeirões e catalônias. Sei que nesta quarta-feira não foi assim. Nesta quarta feira o senhor arrastou outra coisa pela escada do prédio: um magnífico Siemens Euroset 815S com campainha ajustável e memória de dois toques.

Honesto, asseado e querido vizinho da frente: agora eu acordo às duas da manhã e te vejo fazendo palavras cruzadas junto ao novo telefone — quinze letras na horizontal: melancolia, torpor — e percebo que você não gosta do Torto e nem do Duplex, mas se dedica a fazer letra bonita dentro dos quadrados das cruzadas diretas, às vezes com régua. Sei que essa coisa de verduras, caligrafia, pedicure e telefone só pode estar relacionada a alguma senhora com bom gosto para cortinas, por isso até pedi demissão e passei a acompanhar com mais afinco tamanha expectativa por uma ligação.

Eu estava na cozinha procurando víveres para abastecer o meu posto de observação avançada quando o telefone tocou. Era a primeira vez que isso acontecia no apartamento da frente. Nós disparamos a tropeçar em almofadas, patinamos pelo corredor e levamos o fio do videocassete conosco até onde desse pra ver (ou atender) o aparelho. Chegamos ao mesmo tempo: você sem chinelos e eu com um fio de alta tensão enrolado no tornozelo. Você atendeu e eu colei a minha cara à janela.

Pelo que pude entender, seu nome não era Casimiro (que pena) e nem havia chance de sê-lo nos próximos meses. Também fiquei sabendo que o apartamento da frente não era uma clínica veterinária (eu já devia ter desconfiado) e que o dono de um quati ou cão ou gato ou musaranho tinha discado o número errado às três da manhã, certamente nervoso porque a doninha o quati o cão o gato ou o musaranho vomitaram alguma coisa magenta no carpete e estão tendo palpitações.

Você desligou com uma expressão de que ia vomitar alguma coisa (magenta?) no carpete, mas se recuperou muito rápido e voltou às palavras cruzadas. Me ocorreu de repente que talvez você não soubesse que era preciso dar o número de seu telefone para as pessoas, antes de contar com qualquer telefonema. Ou quem sabe o objetivo fosse esperar a vida toda por uma ligação de alguém que não tivesse o seu telefone (e que não fosse um dono de musaranho em busca de um veterinário ou a companhia telefônica informando sobre as promoções de DDI), alguém que de repente discasse uma combinação aleatória de números e caísse em um sujeito à procura de uma decoradora de cortinas. Porque era quase certo que ela não ligaria, se é que ela de fato existia, e foi por isso que peguei a lista telefônica e disquei para o vizinho da frente.

Eu falei: doze letras, horizontal — macambuzismo ou taciturnidade — e desliguei. Você se debruçou na janela mas não olhava a esmo para uma galáxia melhor: você me alcançou com seus olhos de miopia e fechou as cortinas.


EXPEDIENTE

Direção, roteiro e figurino: Bem Verão Produções Improváveis.


"Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado -- logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido" (Stephanie Avari, a moradora mais ilustre da rrua Paulo da Silva Gordo)

## Você está recebendo !!Witzelsucht!! porque estava na mala direta. Ou então, ou então! Você está recebendo o !Rododendro! porque foi um dos 139 mil nomes escolhidos entre todos os possíveis, sorteados em uma grande urna chinesa. Você e o To Fu, que ganhou o direito de trazer um tufo de nenúfares e furar a fila (desculpe). Caso não queira voltar a receber este jornalzinho de bem, mande um e-mail para hortalica@gmail.com e diga na linha de assunto: "Foi demais para Kudno Mojesic", mesmo que você não seja -- e nem planeje ser -- Kudno Mojesic.

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God is coming.
Look busy.



2005 Vanessa Barbara