A Hortaliça

www.hortifruti.org

E agora por onde ela anda eu não sei.
Edição #063, de 15 de agosto de 2005.
Como consegue dormir de bruços com esses botões tão grandes? (Groucho)

hortalica@gmail.com

 

"Você vai de carro pra escola
E eu só vou a pé

Você tem amigos à beça
E eu só tenho o Zé"

(Leo Jaime)

 

O NANOMUNDO REVOLUCIONARÁ A ELETRÔNICA
Ciência Hoje
 

O gigantesco e promissor mundo do pequeno

Nunca o tão pequeno se tornou tão grande. De fato, conforme vislumbrado, quase meio século atrás, pelo físico norte-americano Richard Feynman (1918-88), em sua palestra de título inusitado – "Há muito mais espaço lá embaixo" –, o impacto da nanociência e da nanotecnologia nos setores acadêmico, empresarial e na própria sociedade já é bastante marcante – para alguns, ele será maior que o causado por outras revoluções tecnológicas, como a agricultura, a indústria e a microeletrônica.

[...] Nano – que significa "anão", em grego – é o prefixo usado na notação científica para expressar um bilionésimo. Um nanômetro (nm), por exemplo, equivale a um bilionésimo de metro. Nessa escala de tamanho, um minúsculo vírus, invisível a olho nu, se apresenta como uma incrível entidade com cerca de 200 nm. Apesar da dimensão ínfima, ele camufla, na realidade, uma complexa máquina molecular aparelhada com todos os dispositivos para invadir as células de organismos superiores e utilizá-las em sua reprodução, proporcionando um exemplo típico de tecnologia nanométrica colocada em prática pela natureza.


:: LAMENTO ::
de Edu Vasilhame

eu tenho múltiplas personalidades,
mas quem levanta cedo pra comprar pão
sou sempre eu.


:: DESCRIÇÃO MUSICAL ::
furtada de algum lugar

"A-ha" --
Se não bastassem serem horríveis e sem talento, também eram escandinavos.


:: ASSUNTO PARA REUNIÕES DE TUPPERWARE ::
ou para dizer a senhoras no jóquei

Eu tenho uma história sobre sangue esguichando. Meu irmão um dia resolveu ver o que acontecia se ele cravasse uma tesoura grande na própria perna (pelo menos não foi na minha). A experiência foi um sucesso. Enquanto todo o conteúdo arterial dele se esvaía em jorros, bem alto, e eu saía correndo para acordar a minha mãe, ela apenas trocava de lado na cama e repetia: "bota um band-aid". Eu ainda tentei, mas o diminuto curativo não conteve o jorro sanguinolento e eu tive que soterrá-lo com um tomo da Barsa.


:: BREAKING NEWS ::

Louis, the Mailman, hoje apareceu de bermudas.


:: EMOLIÊNCIA E CREMOSIDADE ::

As belas fotos desta edição são uma cortesia de http://fotomaton.online.fr/, com o patrocínio do Rhum Cresotado.

Veja, ilustre passageiro,
O belo tipo faceiro
Que o senhor tem ao seu lado.
E, no entanto, acredite,
Quase morreu de bronquite.
Salvou-o Rhum Cresotado.


:: PRELÚDIO À HISTÓRIA SEGUINTE ::
com o patrocínio da C&C

Eu sempre quis ter um piso de porcelanato. Pra dormir em cima dele e andar descalça o dia todo.


:: O VELHO ::

O Velho estava de barriga pra baixo no chão de porcelanato. Era primavera e ele vestia apenas cuecas. O velho olhava bem de perto uma fazendinha de formigas -- umas vermelhas, outras bem pretas, muitas delas pequenas e vagamente azuis, todas correndo como loucas e trombando-se e caindo com as patas pra cima.

O velho gostava de enfiar o nariz a dois centímetros de distância dos insetos himenópteros apenas para vê-los tremer. Ele sussurrava "Abra-aããão" e metade das formigas morria de angina. Em geral ele só ficava ali, de bituca, bebendo um refri com canudinho e vendo o circo das formigas, vez ou outra balançava os pés. Elas eram muito burras, pensava o velho. Viviam se mordendo e se atropelando, corriam pra lugar algum, batiam os focinhos nas paredes e disputavam pedaços de açúcar já podres. De vez em quando o velho dava um peteleco numa delas para fins de entretenimento -- a formiguinha voava, voava e se espatifava meio tonta, plof, dava o maior barato. As outras formigas passavam por cima da caixa torácica do animalzinho e continuavam se trombando até acabar o expediente.

O velho se entediava fácil com o cirquinho das formigas (elas eram muito burras). Quando isso acontecia, ele ia para a cama e sonhava que era o Coisa-Ruim.


:: O SONHO PREFERIDO DO MEU IRMÃO ::
Fazer o quê

Boris Casoy: Vou lhe contar uma coisa que só eu e sua mãe sabemos: você é um anão.
Eu: ahã???
Boris Casoy: Tudo nesta casa foi feito nas suas proporções. Você tem apenas 70 centímetros de altura.

 

:: MAIS COLABORAÇÕES DO GRANDE ANÃO ::

...e finalmente chegamos a Aristenides, conde do séc. XVI, cujas previsões continuam a deixar perplexos até os mais céticos. Alguns exemplos típicos:

"Duas nações entrarão em guerra, mas só uma vencerá".
(Os especialistas acreditam que ele se referia à guerra russo-japonesa de 1904-05 - espantoso!)

"Um homem em Istambul terá seu chapéu estragado."
(Em 1860, Abu Hamid, um soldado otomano, mandou seu quepe para a lavanderia e ele voltou manchado.)


:: BERCEUSE DOS ELEFANTES ::
Walter Franco

Gostas dos elefantes
Muito mais do que de mim
Eles são tão pacientes
com seus dentes de marfim.


:: PORTENTOSO REPOLHO FERE OITO EM MACAU ::

Louis, the Mailman, acaba de nos entregar um belo buquê (fig. 1). Trata-se de uma gigantesca hortaliça que nos foi presenteada por um admirador secreto como prova de sua emoliência e cremosidade. Veio sem cartão. O referido repolho pesa quatro quilos e setecentas gramas, possui frondosas folhas em dezessete camadas e soterrou as demais verduras em aparência e grandiosidade. A título de comparação, fizemos uma sessão de fotos em que o garboso vegetal posa ao lado de um tomate (à dir., sentado). Os cliques mais ousados poderão ser vistos em breve (sob o título: "Sorte, você não passa de um repolho"), em revista de circulação nacional.

Tão querida variedade de couve rasteira de feitio globular foi acolhida pelos funcionários deste hebdomadário e doravante repousará dentro de um vaso no saguão de nosso Office Tower, até que todos os leitores da Hortaliça possam se reunir para comê-la.


:: MANCHETE ::
OESP, maio de 1982

No Sul, caça às marrecas.


:: CADEIRA DE RODAS ::
Fernando Mendes

Sentada na porta em sua cadeira de rodas ficava
Seus olhos tão lindos sem ter alegria, tão triste chorava
Mas, quando eu passava, a sua tristeza chegava ao fim
Sua boca pequena no mesmo instante sorria pra mim

Aquela menina era a felicidade que eu tanto esperei
Mas não tive coragem e não lhe falei
Do meu grande amor

E agora por onde ela anda eu não sei.


:: WE DON'T HUG ::
Família Addams 2

- Nunca esquecerei você.
- Não?
- É muito estranha.


:: SEGUNDO LIVRO DE BRUNO ::
parte um

“Você parece a minha Tia Agnes” – disse Hillary ao telefone, e não estava brincando. Com uma paciência de pedra, Bruno continuava de pé e pensava em frases de efeito para começar romances ou em todas as coisas do mundo, por ordem de tamanho [olho de pulga, lêndea azulada, perdigoto de espirro de nenê], motivo pelo qual a enorme fila do banco seria uma das últimas pautas do dia, pouco antes da expansão do Universo e da essência das coisas, com um espaço para o ignorante carnê de prestações da máquina de lavar.

A crescência dos pensamentos de Bruno continuou com pedrinhas, verruga na nuca da senhora da frente, soluço, dedo mindinho e evoluiu para a menina miúda que desceu do ônibus com um salto de bailarina, pousando na calçada e aguardando as notas dos jurados, que levantariam plaquinhas (9,5), (9,87) e (2,75) porque sempre tem um especialista com infecção na unha que odeia Jogos Olímpicos e está ali por falta do que fazer. Fariseus, hipócritas. A Hortaliça carregava o Técnicas de Refrigeração junto ao peito e isso lhe conferia segurança e empáfia – Bruno anotou mentalmente o tamanho da obra para incluí-la próxima à Via Láctea, à fila do banco e à gigantesca paciência dos presentes, que mais um pouco diminuiria a ponto de fazer companhia às pulgas, à caspa e à verruga gordinha da senhora de cinza.

– Boa tarde, companheiro da frente – disse a Hortaliça e ofereceu-lhe um botão azul, por falta de algo melhor.
– Groarsh. – respondeu o marido da senhora de cinza, preocupado com o horário do almoço e com a integridade de seu lugar na fila.
– A gente devia fazer algo, eu acho – continuou a menina, animadíssima, para seu amigo botão – talvez se procriássemos com a pessoa da frente poderíamos avançar uma casa, e assim sucessivamente, até que o filho dos filhos dos nossos filhos com o chinês lá da frente consiga pagar suas contas.
– Ou ao menos entrar na fila das gestantes – pensou o Bruno, com um olhar doente de sapo morto.

Levemente chateada, a Hortaliça encerrou por ali seu monólogo, sentou em cima do livro e ficou procurando coisas crocantes no chão para quebrar em dois e oferecer ao menino da senha número oito como prova de seu amor (e posterior ascensão na fila). Mas o alvo não era visível a olho nu e, por azar, o tiozinho que vende binóculo e passe de metrô estava em horário de almoço. Estima-se que o início da fila localizava-se a quatro quadras ou a um quilômetro dali, segundo os cálculos precisos de um velhinho que chegou com uma trena e desandou a falar sobre seu posto de sargento de Artilharia na Guerra da Coréia [ou foi só imaginação, fruto de uma indigestão de torta de maçãs]. De qualquer forma, caso a Hortaliça enviasse o graveto e a declaração de amor de pessoa em pessoa até o menino em questão, certamente após doze cabeças o recado não seria mais o mesmo, tendo se transformado em convite para duelo na lama ou em uma mensagem tão incompreensível que chegaria a ofender. A dez pessoas dali, um morador das redondezas se pôs a comercializar roupa de frio e a cobrar ingresso para o banheiro. Roupa de frio, roupa de frio, aqueça seus pés com nossos sacos plásticos.

- E tem de gola alta? – era o que perguntaria a senhora de cinza – Pois então dê-me duas do Carrefour para envolver minhas omoplatas – a Hortaliça espichou o pescoço entre os pés dos cidadãos pra ver se enxergava uma fogueira lá na frente, duas milhas a oeste, onde ficava a porta de entrada do banco e onde inúmeros velhinhos disputavam uma vaga na fila VIP, certamente empurrados pelo chinês lá da frente (que precisava ficar grávido ou subitamente idoso pra acabar logo com isso).

Próximo à fila dos figurões/idosos/gestantes/crianças de colo, dúzias de velhinhos amontoavam-se com roupas coloridas, contavam piadas e se refrescavam no ar condicionado (não estava calor). O estagiário do banco tentava ordenar a multidão perguntando aos cavalheiros idosos em que poderia ajudá-los – não, filho, a gente só está de bobeira. A Hortaliça, em pé sobre o Técnicas de Refrigeração, mal podia esperar pelo momento de ficar muito velha. Seus planos incluíam viver em Cuba, conhecer o Ibrahim Ferrer e passar tardes ao sol com um chapéu-coco sentada num degrau, talvez palitando os dentes e reclamando da distribuição de sapatos. Ou juntar-se a três senhores cegos solfejadores de Rama Lama Ding Dong na porta do metrô com um cão manco que morde uma caneca do coringão.

Subitamente, percebeu que o menino da senha oito avançara para a senha seis – meus senhores, é apenas uma questão de tempo. Provavelmente, a ascensão social se estenderia a todos na fila, e a Senhora Cinza imaginava qual seria agora seu novo número – oitenta e quatro ou oitocentos e quatro, deixa eu contar de novo. Diante do alvoroço do pessoal do fundo, que se abraçava e congratulava o governo pela rápida progressão das colocações filísticas, Bruno calou-se e continuou pensando em azeitonas. Não, não estragaria a festa com a informação de que penetras se infiltraram entre o seis e o sessenta e seis, dobrando a extensão da fila e tornando inútil a conquista do menino da senha oito, cujo suéter combinava de maneira insólita com os sapatos lustrosos de bico quadrado.

“Mas não é possível”, voltou a reclamar a madame de cinza ao esposo, sem deixar a Hortaliça se meter na conversa para argumentar que sim, era possível, a senhora acredita que houve uma vez na porta do teatro em que eu e mais quinze infelizes chegamos a

– Roupa de frio, roupa de frio, novos modelos de botas de jornal. Com cartum ou horóscopo.

porque o espetáculo era de graça e começava às oito, eu apareci às três e meia e fiquei atrás de um mocinho que lia qualquer coisa. Primeiro da fila. O desgraçado não levantou o rosto, precisa ver – atrás de mim chegou um cara que parecia o Wally, com uma touca listrada e uma revista Ti-Ti-Ti. Ele lia a notícia e rasgava os trechos menos significativos, com um suspiro de satisfação. Completamente doido. Sentei em cima de uma sacolinha plástica, pensei em morrer de frio mas fiquei ali, alcançando a imobilidade e tentando aplicar sustos em mim mesma, como de costume. Às quatro e meia, a fila completou quinze idiotas e os seguranças fecharam a entrada, com um olhar suspeito de que não sairíamos dali vivos. Logo alguém apresentaria sintomas de um rotavírus oriundo de uma larva inteligente e teríamos que lutar uns contra os outros até que os seguranças voltassem a abrir a porta e lá estariam quinze cadáveres sem o globo ocular e os intestinos, roídos por um verme gigante.

Achávamos que a atitude lógica seria vender a senha por um cobertor, ou apenas sair dali correndo e se aquecer no metrô quando apareceu uma guria de sandálias que nos deu até vergonha de sentir frio. Continuamos calados, pulando e dando tapas uns nos outros pela honra de assistir a peça de um dramaturgo norueguês num teatro decorado com quinhentos bebês de plástico – da próxima vez, irei a um espetáculo caribenho. Certamente haveria sol e os seguranças distribuiriam drinques de abacaxi na fila, belas mulatas dançariam salsa para o nosso deleite e não haveria indício de bebês de plástico, por mil demônios, lá vai o senhaoito para o terceiro lugar da fila.

A Hortaliça ainda tentou propor uma grande roda de Batata-Quente para animar o povo, mas ninguém deu atenção. Só o menino Bruno suspendeu por alguns minutos seu pensamento em azeitonas pretas para registrar a saga da Hortaliça na fila do teatro em um dia de inverno – pouco antes de a garota abrir o Livro Azul (oremos) no item 2.6 e dizer:

“Qualquer espaço que contém um gás a uma pressão menor que a da atmosfera encontra-se em condições denominadas vácuo parcial”.

Ela levantou os olhos, cheia de expectativa – senhaoito na posição dois – e percebeu que as pessoas continuavam com seus assuntos. Sentiu-se um tecladista de restaurante esperando aplausos ou um vago olhar de interesse, e recebendo como resposta o barulho dos talheres nos pratos / Dona Matilde comentando sobre como está impossível o pequeno Zeca, imagine você que na última semana ele lambuzou a testa do tio Rodolfo com pasta de amendoim e ainda riu sem os dentes da frente. Onde é que esse mundo vai parar / a religião, os costumes / é verdade.

– Irmãos, é chegada a hora de ler o item 13.1, “Generalidades Sobre o Degelo”. Todos em pé, por favor. Gostaria que uma criança venha ler em jogral – o garotinho tinha 10 anos e achou a idéia boa, livrou-se do braço da mãe e deixou cair o Técnicas no chão.

“O gelo e a escarcha acumulam-se continuamente nas serpentinas

que funcionam em temperatura abaixo do ponto de congelam, congelamen

congelamento

é

e o escoamento do ar pode vir a ser eventualmente bloqueado

a menos que se remova o gelo”

Engraçado, o gelo e a escarcha se acumulando continuamente, cotovelando as minúcias e as coifas na briga por um espaço nas serpentinas, que são mais de uma e portanto deveriam acolher a todos – gelo, escarcha, calhas, rufos e coifas –, como é que você chama?

Manoel

Muito obrigada pela participação, Manoel, e agora vamos interromper nossa programação cultural para um boletim extraordinário: menino da senhaoito está se aproximando do caixa, podemos distinguir uma mancha vagamente fashion entregando um saco de moedas para a atendente.



EXPEDIENTE

Este jornalzinho é impessoal, objetivo e imparcial. Computadores meticulosamente programados preenchem formulários, desenvolvem os textos, se emocionam, editam e publicam a visão neutra da coisa toda.

"Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado -- logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido" (Stephanie Avari, que realmente mora na rua Paulo da Silva Gordo)

## Você está recebendo !!Witzelsucht!! porque estava na mala direta. Ou então, ou então! Você está recebendo o !Rododendro! porque foi um dos 139 mil nomes escolhidos entre todos os possíveis, sorteados em uma grande urna chinesa. Você e o To Fu, que ganhou o direito de trazer um tufo de nenúfares e furar a fila (desculpe). Caso não queira voltar a receber este jornalzinho bem-apessoado, mande um e-mail para hortalica@gmail.com e diga na linha de assunto: "Foi demais para Kudno Mojesic", mesmo que você não seja -- e nem planeje ser -- Kudno Mojesic.


God is coming.
Look busy.



2005 Vanessa Barbara