A Hortaliça

www.hortifruti.org

Trocadilhos tolos e conduta absurda
Edição #058, de 14 de abril de 2005.
O compreensivelmente ridículo medo de ser seguido
por um duck-shaped fanzine

hortalica@gmail.com

 

"Descobri que toda a infelicidade dos homens provém de uma só coisa,
que é a de não saber ficar quieto em um quarto".
(Pascal)

 

QUAIS SÃO AS SUAS AFLIÇÕES? LIGUE.
 

Apresentador: Você já teve a sensação de que o mundo está, na verdade, codificado em uma variação qualquer de Zenit Polar? Que as pessoas ao seu redor estão tramando alguma coisa e você está fora dela, que as velhinhas no ônibus falam de semiótica ao motorista e que você entrou na sala errada? Carrega por aí a vaga impressão de que as pessoas se comunicam entre si numa freqüência de 2200MHz e, enquanto seus amigos discursam em latim, na sua cabeça está passando uma sessão exclusiva do Mickey Marinheiro?

Você, que julga viver no meio do refrão de tango "Bonito, mas não entendo direito", e que assina este jornalzinho mas não entende bolhufas, ligue agora para o telefone que aparece na sua tela e resolva todos -- eu digo, TODOS -- os seus maiores problemas com apenas um clique de mouse e um depósito de dobrões de ouro para o Banco do Brasil, agência 1550-4.

Pois aos telespectadores e à Academia de Ciências e Artes/Fundação Nobel, informamos que a Hortaliça Corporation, Vinte e Dois Anos Sem Slogan, encontrou a solução rápida, prática e higiênica para aqueles que (a essa altura) já desistiram de rolar a página e apenas clicam "Li e Aceito os Termos Deste Contrato", e também para os que sequer se lembram de ter assinado coisa alguma na ocasião de seu nascimento; no caso do Emilio, exatamente vinte e três anos atrás.

[fim do nariz-de-cera] Trata-se de um arrojado Codificador e Decodificador de Zenit Polar 1.5, testado e aprovado por um sujeito de nome Robson Martins, artefato utilíssimo no qual é possível inserir quaisquer de seus estranhamentos com o mundo (por exemplo, por que os outros atiram objetos pesados em você, por que o sr. (a) não consegue tocar fagote como todo mundo que você conhece, de onde vêm os anões, quem são essas pessoas em automóveis e o que querem, qual o paradeiro de Flávia Fusco e, finalmente, quem são essas crianças, que não riem?), enfim, é só copiar e colar o que te inquieta no Zenit Polar 1.5 e o artefato decodifica tudo IMEDIATAMENTE! Em poucos segundos, você terá todas as respostas que precisa, e também as que não precisa. O Zenit Polar 1.5 vem com adaptador para todos os tipos de infláveis.


:: CANÇÃO DE AMOR DE ALFRED PRUFROCK ::
só pra poder citar Eliot, que é sempre apropriado depois de um editorial desses

Sigamos então, tu e eu,
Enquanto o poente no céu se estende
Como um paciente anestesiado sobre a mesa;
Sigamos por certas ruas quase ermas,
Através dos sussurrantes refúgios
De noites indormidas em hotéis baratos,
Ao lado de botequins onde a serragem
Às conchas das ostras se entrelaça:
Ruas que se alongam como um tedioso argumento
Cujo insidioso intento
É atrair-te a uma angustiante questão...
Oh, não perguntes: "Qual?"
Sigamos a cumprir nossa visita.

No saguão as mulheres vêm e vão
A falar de Miguel Ângelo.

A fulva neblina que roça na vidraça suas espáduas,
A fumaça amarela que na vidraça seu focinho esfrega
E cuja língua resvala nas esquinas do crepúsculo,
Pousou sobre as poças aninhadas na sarjeta,
Deixou cair sobre seu dorso a fuligem das chaminés,
Deslizou furtiva no terraço, um repentino salto alçou,
E ao perceber que era uma tenra noite de outubro,
Enrodilhou-se ao redor da casa e adormeceu.

E na verdade tempo haverá
Para que ao longo das ruas flua a parda fumaça,
Roçando suas espáduas na vidraça;
Tempo haverá, tempo haverá
Para moldar um rosto com que enfrentar
Os rostos que encontrares;
Tempo para matar e criar,
E tempo para todos os trabalhos e os dias em que mãos
Sobre teu prato erguem, mas depois deixam cair uma questão;
Tempo para ti e tempo para mim,
E tempo ainda para uma centena de indecisões,
E uma centena de visões e revisões,
Antes do chá com torradas.


:: BARBEADORES E OUTRAS MUMUNHAS ::
Cortázar, em Ultimo Round

Afeitadoras eléctricas previstas para resistir a todas las contorsiones de una cara, pero acabo de descubrir que si se silba La Payanca hay un momento en que las hojas lastiman la comisura izquierda de la boca. (Escribir indignado al fabricante de la Rémington Sixtant; pero habría que mandarle el disco con el tango, claro).


:: SEM TÍTULO ::
Vinicius de Moraes, parente

Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos. (...)
Se um deles morrer, eu ficarei torto para um lado.

:: LA PAPAUTÉ ::

A Hortaliça e os numerosos descendentes do vô Marciro, aquele que não tinha sobrenome, têm o prazer de apresentar-lhes o lucrativo e empolgante BOLÃO DO PAPA, disponível nas cores branco, vermelho e areia. Trata-se de um campeonatinho interno com cabeças de chave definidos pelo camerlengo + mulheres seminuas que tiram as bolinhas das urnas e primeira fase mata-mata. Cardeal contra cardeal, não vale exconjurar ninguém, tirou seis no dado fica uma rodada sem jogar. A partir das oitavas de final, haverá bolão secreto e torneios de joquempô, em que fica proibida (desde já) a jogada Maria Madalena (pedra-pedra-pedra).

Na final do conclave, transmitido via satélite ao vivo como todo bom reality show, os oponentes serão instruídos a se sentar de cócoras e a segurar "pulo" quando o boneco do Papa estiver agachado do cogumelo voador, em seguida, dar uma seqüência de três socos pra direita. (agradecemos a organização e prestatividade de Viktor Blazek, que gentilmente doou seu playstation para as disposições finais do torneio extreme clerical de la papauté.) Assim, a barra-papal de energia ficará azul e serão liberados três coroinhas-ninja para ajudar a pegar o vilão da fase final, a "Camisinha de Glacê". Em meio a uma nuvem de enxofre e o Game Over, será divulgado o paposo resultado.

Paralelamente, conforme sugestão do Antonio Prata, organizaremos um referendo popular com o objetivo de escolher o nome fantasia do novo pontífice. A saída fácil de Nicolau XI, o papa Nicolau, já se encontra em gigantesca vantagem sobre as outras possíveis opções, como John Lennon Segundo e Loretta Luciana, A Fresca.

:: VOCÊ É MUITO LIMPO PARA SER FÃ DE CINEMA ::
do trufô

Nenhum filme de Hitchcock teve progressão mais exemplar pois os pássaros, à medida que a ação se desenvolve, tornam-se: a) cada vez mais pretos, b) cada vez mais numerosos e c) cada vez mais malvados.


:: PIADA INTERNA ::
Lamentável, eu sei

O cronópio pequenininho buscava o equivalente em inglês para a palavra "bambolê", mas, para que pudesse encontrar a palavra adequada, precisava o cronópio dar uma boa rebolada. Aqui se detinha o pequenino, pois necessitava de um bambolê para rebolar, e não sabia como pedi-lo ao dono do Wal-Mart.


:: ENZRA APRENDE A TOCAR FAGOTE ::
comentário do Hemingway

(...) Achei que podia continuar escrevendo e que a conversa do chato não era pior que outros ruídos; era certamente melhor do que Ezra aprendendo a tocar fagote.


:: CHARLIE CHAN NO MÉXICO ::
resenha (!) do trufô, na Cahiers du Cinema

Carta aberta ao senhor Chan, detetive chinês, Beverly Hills, Califórnia:

Rogamos senhor Chan abrir investigação auxiliado por honorável filho no. 1 e honorável filho no. 2 finalidade descobrir motivo por que série Charlie Chan cada vez pior. Warner Oland muito talento, Sidney Toler pouco talento, Roland Winters nem um pouco talento. Norman Foster honorável diretor, William Beaudine não honorável; sempre alinhavou trabalho. Sobre tabuinha de jade está escrito: "Loucura irmã do gênio", série filmes Charlie Chan cada dia menos louca que dia anterior. Envie rapidamente explicações. Honorários em dólares chineses. Que Confúcio esteja conosco.

(1953)


:: ARAR SEUS CAMPOS COM OS PRÓPRIOS BOIS ::
Horácio

Feliz é aquele que, longe dos negócios, a exemplo dos homens dos tempos antigos, ara seus campos com seus próprios bois, livre de quaisquer juros a pagar.

:: PABLO MORALES ::
inspirado em uma 3x4 do adorável e "cara-de-poucos-amigos" Delfin Fusco Morales

Em cinco de junho de 1999, talvez porque estivesse aborrecido, Pablo Morales decidiu sair de casa e fazer algo muito mau. Alguma coisa bem perversa, como cuspir no Papa (mais informações acima) ou esmurrar um porquinho filhote. Colocou a camisa de ir à missa, penteou o cabelo e saiu às ruas de La Paz.

Fazia sol lá fora. O malfeitor boliviano pisou no canteiro de begônias da vizinha e de lá ficou observando a rua: crianças com fitas nos cabelos brincavam com grandes bolas plásticas, velhinhos dançavam salsa com suas respectivas senhoras (e com as senhoras dos outros, porque nessa idade a gente pode tudo), donzelas de boa índole bordavam em ponto arraiolo, cãezinhos saltitavam e ouvia-se no horizonte o cantar dolente de uma rolinha. Pablo Morales estava ficando enjoado. Pablo Morales não escapara do presídio para fazer figuração em uma pintura do Norman Rockwell.

Ajeitou a gola e caminhou, com cara de poucos amigos, rumo a uma das senhoras que descansavam da salsa. Dona Esmeralda tinha oitenta anos e uma sandália de salto. Descalça no meio fio, ela apreciava a doce e ingênua brincadeira das crianças, sem saber que em sua direção vinha um desgovernado elemento de camisa cor-de-laranja. Pablo Morales se aproximou de Dona Esmeralda, debruçou-se junto ao ouvido da boa senhora e — finalmente — assoprou.

Bastaram dois segundos para que a velhinha começasse a gritar, e a chorar, e a bater em Pablo Morales com suas tamancas. Ninguém foi acudi-la. Fez-se um silêncio que espantou a rolinha. Dona Esmeralda entrou em desespero e enlouqueceu, enquanto Pablo Morales se dirigia a uma das crianças. Mais uma vez, soprou vigorosamente no ouvido da vítima. Fez o mesmo com o resto da turma, que logo abandonou as bolas de plástico e saiu correndo. O horror dominou muitas delas. Diz-se que algumas rasgaram as roupas; outras foram pintar.

Um a um, Pablo Morales foi distribuindo sopros nos ouvidos da vizinhança. Algumas das vítimas apenas fechavam os olhos. Outras, até riam. Um silêncio estranho tomou aquele domingo e os outros que vieram, em que Pablo Morales soprou seus demônios pela capital da Bolívia, libertando-os em pequenos bocados nos ouvidos das pessoas satisfeitas demais. Em quatorze de junho, Pablo Morales finalmente conseguiu soprar tudo o que precisava e se sentiu razoavelmente bem. Pela primeira vez na vida, respirou aliviado. Ele só queria um sax.


:: PROCURAM-SE DISPOSTOS A ::
realizar os seguintes projetos:

1. Imitar o Nacho, que foi ao Oscar pela espetacular atuação, roteiro, música e direção deste mimo:

http://www.glitchfest.com/index.php?langue=francais&module=
films&section=visionner&fid=179&edition=glitch_5

2. Inspirar-se nestes senhores, que não foram a lugar algum com seus respectivos filminhos, mas que (como os redatores da Hortaliça) adoram se vestir de pato na estação do metrô e se pôr a fazer qualquer coisa de pitoresco, como um musical romântico entrepatos ou não:

http://www.prangstgrup.com/librarymusical/quicktime.php
http://www.prangstgrup.com/lecturemusical/quicktime.php

Vale também distribuir o programa de um curso sobre "Kant e a religião" e mostrar fotos de duck-shaped buildings aos passageiros do metrô:

http://www.prangstgrup.com/subwaylectures/quicktime.php

Enfim, inscrições devem ser remetidas e anexadas a quatro fotos (duas com o rosto sério e dezessete com as mais variadas caretas) para cá, sob o assunto: "Habemus papam".


EXPEDIENTE

Este jornalzinho é impessoal, objetivo e imparcial. Computadores meticulosamente programados preenchem formulários, desenvolvem os textos, se emocionam, revisam e publicam a visão neutra da coisa toda.



"Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado -- logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido" (Stephanie "Eu tenho um cão estranho" Avari, que realmente mora na rua Paulo da Silva Gordo)

## Você está recebendo !!Witzelsucht!! (saúde) porque estava na lista de mala direta dos Illuminati. Ou então, ou então! Você está recebendo o !Rododendro! porque foi um dos 139 mil nomes escolhidos entre todos os possíveis, sorteados em uma grande urna chinesa. Você e o To Fu, que ganhou o direito de trazer um tufo de nenúfares e furar a fila (desculpe). Caso não queira voltar a receber este jornalzinho asseado, mande um e-mail para vmbarbara@terra.com.br, e diga na linha de assunto: "Foi demais para Kudno Mojesic", mesmo que você não seja -- e nem planeje ser -- Kudno Mojesic.

God is coming.
Look busy.



2005 Vanessa Barbara